sábado, 11 de agosto de 2012

O Sonho de Kekulé


Friedrich August Kekulé (1829-1896), o fundador da Química Orgânica.

Friedrich August Kekulé (1829-1896) foi um grande químico alemão, nascido em Darmstadt, que descobriu a fórmula química do anel benzênico. Entretanto, ele não conseguia explicar as propriedades aromáticas do benzeno através das conexões dos átomos de carbono (C) e hidrogênio (H) com a sua tradicional teoria estrutural. Ela consistia nos seguintes itens:
• Tetravalência constante
O átomo de carbono é tetravalente, ligando-se a quatro átomos monovalentes.


• As quatro valências são equivalentes

O carbono apresenta quatro valências equivalentes, por um composto com a fórmula CH 3 Cl, denominado de monoclorometano ou cloreto de metila. Se as quatro valências não fossem equivalentes, haveria quatro compostos com a fórmula CH 3 Cl.
• Encadeamento
Os átomos de carbono se ligam entre si formando as cadeias. Estas cadeias são variaveis e de todos os tipos. Ainda existem cadeias não tão longas e tão variadas como as do elemento carbono.
• Ligações entre os átomos de carbono

Se tratando dos átomos de carbono, podemos dizer que eles podem se ligar através de uma, duas ou três valências.
• Ligação Simples
Na ligação simples, dois átomos de carbono, são capazes de se ligar por meio de uma unidade de valência. A representação simbólica se dá através de um traço simples.
• Ligação dupla
Na ligação dupla, dois átomos de carbono são capazes de se ligar por meio de duas unidades de valência. A representação simbólica se dá através de dois traços.
• Ligação tripla
Na ligação tripla, dois átomos de carbono, são capazes de de se ligar por meio de três unidades de valência. A representação simbólica se dá através de três tracinhos.
Sem conseguir uma solução racional para justificar as propriedades do benzeno, ele foi ajudado por um sonho que teve certa noite, enquanto dormia. O sonho foi o seguinte:

“Eu estava sentado à mesa a escrever o meu compêndio, mas o trabalho não rendia; os meus pensamentos estavam noutro sítio. Virei a cadeira para a lareira e comecei a dormitar. Outra vez começaram os átomos às cambalhotas em frente dos meus olhos. Desta vez os grupos mais pequenos mantinham-se modestamente à distância. A minha visão mental, aguçada por repetidas visões desta espécie, podia distinguir agora estruturas maiores com variadas conformações; longas filas, por vezes alinhadas e muito juntas; todas torcendo-se e voltando-se em movimentos serpenteantes. Mas olha! O que é aquilo? Uma das serpentes tinha filado a própria cauda e a forma que fazia rodopiava trocistamente diante dos meus olhos. Como se se tivesse produzido um relâmpago, acordei;... passei o resto da noite a verificar as consequências da hipótese. Aprendamos a sonhar, senhores, pois então talvez nos apercebamos da verdade."
BOYD, E.; MORRISON, R. Mol. In:______. Química orgânica. 12. ed. Lisboa: Fundacao Calouste Gulbenkian, 1995. cap. 14.3, p. 701.

Essa formação circular da molécula, com entrelaçamentos entre átomos de carbono e hidrogênio, jamais havia sido proposta por qualquer outro químico. Com essa disposição circular da molécula, que veio a se chamar de anel benzênico, deu curso a uma verdadeira revolução na química orgânica, que repercute até os nossos dias na biologia e na medicina.
Abaixo se vê a disposição linearl da molécula do benzeno:

Uma dessas grandes descobertas foi de que inúmeros produtos químicos tinham uma molécula composta por três anéis benzênicos, como se pode ver a seguir: 


Abaixo se vê a estrutura espacial tridimensional dos anéis benzênicos:


Os três anéis benzênicos entrelaçados deram aos pesquisadores a oportunidade de descobrir milhares de fórmulas de moléculas de produtos com qualidades e ações diversas, principalmente na área da biologia e medicina. A ação de cada um deles se modificava de acordo com os radicais químicos que se uniam a pontas de cada um desses anéis. Cada radical diferente levava a molécula a uma ação totalmente diferente da outra. Aqui se deu a descoberta do filão de ouro.

Uma das maiores descobertas médicas, ocorreu em fins da década de 1930 e início da de 1940, quando se observou que um fármaco, com estrutura dos três anéis benzênicos, de ação tuberculostática (para tratamento da tuberculose), a isoniazida e, posteriormente, a iproniazida, tinham ações positivas no tratamento do humor de pacientes deprimidos (a tuberculose, pelo seu estigma, levava grande parte dos pacientes à depressão). Outra descoberta, foi que algumas dessas moléculas com três anéis benzênicos também melhoravam pacientes com surtos psicóticos paranoides.
Essa descoberta deu origem aos antipsicóticos, em fins da década de 1940, sendo o primeiro a CLORPROMAZINA (Amplictil, Thorazine), cuja molécula vemos abaixo:


Sua fórmula espacial em 3-D é a seguinte:


A revolução que essa descoberta trouxe para a medicina, em particular para a psiquiatria, é algo espetacular. Milhões de pacientes portadores de diversos transtornos mentais, entre eles a esquizofrenia, puderam ser tratados de forma mais rápida, recebendo alta dos hospitais num tempo mais curto e melhorando a sua qualidade de vida e equilibrando suas famílias. A principal causa da espetacular queda no número de hospitalizações psiquiátricas se deu após o lançamento da clorpromazina no mercado mundial.

Outro desenvolvimento da molécula dos três anéis benzênicos ocorreu com acréscimo de certos radicais químicos que deram origem, em 1957, ao primeiro antidepressivo tricíclico (vem do nome dos anéis benzênicos) chamado IMIPRAMINA (Tofranil), cuja molécula é mostrada abaixo:


A AMITRIPTILINA, outro antidepressivo tricíclico, tem uma molécula semelhante:


Compreende-se o impacto que essas descobertas trouxeram à psiquiatria e à medicina, quando milhões de vidas humanas foram salvas do suicídio, e de outras doenças, decorrentes da depressão. Hoje dispomos de antipsicóticos e antidepressivos de última geração que produzem muito menos efeitos colaterais que esses pioneiros. Mas, foi graças a eles que temos o arsenal terapêutico atual, verdadeira maravilha da ciência.
São conhecidos hoje mais de 15 milhões de produtos químicos derivados do benzeno e da estrutura dos três anéis.
O nome de Kekulé, portanto, deve ser sempre lembrado e reverenciado, como um dos maiores benfeitores da Humanidade.

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