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Texto de minha autoria: todos os direitos reservados. Reprodução permitida, desde que citada a fonte.
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O prof. Galba Velloso e equipe do Instituto Raul Soares na década de 1930.
Fonte: História da Psiquiatria Mineira. Joaquim Affonso Moretzsohn, 1989.
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Em linhas gerais, a psiquiatria
mineira seguiu a história da psiquiatria no Brasil, desde os tempos coloniais e
imperiais, mas sempre manteve suas particularidades regionais, suas
idiossincrasias, a presença de grupos distintos de profissionais em torno de
idéias ou práticas. Contudo, sempre teve um papel relevante na psiquiatria
nacional e diversos nomes de psiquiatras mineiros foram alguns dos pioneiros da
medicina no País. Inúmeros outros tiveram posição de grande destaque nacional, o que é motivo
de admiração de todos,. Tudo advindo de um intenso labor e pelo acúmulo de um
patrimônio teórico, científico, filosófico e humanístico de reconhecido valor.
Segundo Joaquim Affonso Moretzsohn, em
sua História da Psiquiatria Mineira,
de 1989, a psiquiatria passou por vários períodos históricos ou diferentes
estágios a que denominou de: místico, medieval, orgânico, psicológico, etc.
Considera que esses períodos têm seus correspondentes na área hospitalar com
suas fases asilar, carcerária, hospício, hospital, ambulatorial, etc. Em Minas
Gerais, as coisas não foram diferentes e, para ele, esses períodos podem ser
classificados em:
1º. Período: “Antigo” – Anterior à
criação da Assistência Psiquiátrica em Barbacena-antes de 1900.
2º. Período – “Medieval” – (Asilar) –
Hospital Colônia de Barbacena: 1903.
3º. Período – “Renascentista” –
(Hospitalar) – Instituto Raul Soares: 1922.
4º. Período – “Moderno” – (Casa de
Saúde) – Casa de Saúde Santa Clara: 1937.
5º. Período – “Contemporâneo” –
(Ambulatorial) – Introdução das drogas psicotrópicas e dos conceitos
psicanalíticos: 1960.
A psiquiatria mineira no século XIX
Até quase a virada do século XIX para
o XX, os doentes mentais eram recolhidos às cadeias públicas, ou enviados para
Hospital Geral de Alienados (Hospício D. Pedro II), no Rio de Janeiro, já que
havia um convênio do governo mineiro nesse sentido. Em Diamantina e São João
Del Rei, haviam os chamados “anexos psiquiátricos” onde doentes mentais eram
hospitalizados e tratados. Moretzsohn (p.9) considera que a primazia da
assistência psiquiátrica em Minas Gerais pertence a São João Del Rei, já que o movimento
psiquiátrico dos médicos do Rio de Janeiro foi posterior a ele. Na ocasião, faziam-se
diagnósticos psiquiátricos, como a “monomania”, seguindo o modelo da escola
francesa de Esquirol.
Figura de proa do período foi o Dr.
Antônio Gonçalves Gomide (1770-1835). Nasceu na vila de Guarapyranga, atual
Piranga, em Minas Gerais. Foi aluno do Seminário Diocesano de Mariana, quando
aprendeu o latim, feito esse que lhe abriu as portas de estudos no exterior. Estudou
na Universidade de Coimbra e, em seguida, diplomou-se em medicina na
Universidade de Edimburgo, Escócia.
É considerado por muitos o primeiro
psiquiatra do Brasil, sendo, seguramente, o primeiro de Minas Gerais. Foi autor
de uma obra pioneira, em 1814, intitulada “Impugnação
Analytica ao exame feito pelos Clínicos Antonio Pedro de Sousa e Manoel Quintão
da Silva em uma rapariga que julgarão Santa na Capella de Nossa Senhora da
Piedade da Serra“. Clóvis de Faria Alvim, citando Flamínio Fávero,
(Moretzsohn, p.185), diz que este foi o primeiro documento médico-legal surgido
no Brasil. Sobre Gomide, escreveu um belo artigo científico o meu caro amigo, o
grande psiquiatra mineiro que há muito já se foi, Clóvis de Faria Alvim, em
trabalho intitulado “Um precursor mineiro
de psiquiatria brasileira”, na Revista da Universidade de Minas Gerais, em
1962. Ao abordar o caso de uma beata que teria se tornado supostamente “santa”
e se instalado numa ermida no alto da Serra da Piedade, no início do século
XIX, Clóvis de Faria Alvim exalta as qualidades científicas e intelectuais de
Antônio Gonçalves Gomide discorrendo sobre o texto deste:
“O opúsculo termina com uma breve exortação
aos peritos, contendo ainda em apêndice, como já foi mencionado, um catálogo
dos livros em que se encontram casos circunstanciados de catalepsia...
Acreditamos suficientemente demonstrado que o Dr. Antônio Gonçalves Gomide,
nascido em Minas, em 1770, possuía vastos conhecimentos de Patologia Mental,
como era conhecido na época a nossa especialidade, podendo ser considerado, com
justiça, o precursor da psiquiatria em nossa terra. Foi contemporâneo de Pinel
e de Benjamim Rush, o patriarca da psiquiatria americana. Precedeu de alguns
anos o famoso Dr. José Martins da Cruz Jobem, que na cidade do Rio de Janeiro,
em 1830, bradou contra o modo desumano de tratamento dado aos alienados”.
In: ALVIM, Clóvis Faria. Um
precursor mineiro da psiquiatria brasileira. Revista da Universidade de Minas Gerais. Belo Horizonte. n.12,
p.234-250, 1962.
Antônio Gonçalves Gomide era
considerado homem de profundo saber filosófico a ponto de ser chamado de “iluminista” por Paulo Gomes Leite (Moretzsohn, p.185). Sua instigante personalidade não o
limitou à prática da medicina. Foi Juiz ordinário e de órfãos em Caeté, Membro
da Assembléia Nacional Constituinte e senador do Império do Brasil, entre 1826
e 1835.
A psiquiatria mineira da primeira metade do século
XX
Um dos mais importantes psiquiatras
do período foi Joaquim Antônio Dutra (1853-1943). Diplomado em medicina
pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, tornou-se clínico muito
conhecido e respeitado na Zona da Mata mineira. Apesar de ter sido Deputado
Provincial e Senador por Minas Gerais, sua grande contribuição à psiquiatria
foi o fato de ter sido o diretor do Hospital Colônia de Barbacena, desde sua
fundação, em 1903, até 1936, quando de sua aposentadoria.
Grande destaque teve Galba Moss
Velloso (1889-1952), um psiquiatra “clássico”, diplomado no Rio de Janeiro. Veio para Minas Gerais após a inauguração do Instituto Raul
Soares, em 1922. Foi um grande profissional, homem culto e brilhante, dirigiu o
Instituto Raul Soares (IRS) por diversos anos. Reuniu à sua volta grande número de
psiquiatras, médicos, literatos e amigos, colocando-se sempre no papel do líder
científico e cultural. Foi Professor Livre-Docente na Faculdade de Medicina da
UFMG, com tese sobre “Malarioterapia na doença de Bayle”, tratamento este que
se tornara então uma das grandes conquistas da medicina. Foi o fundador e
colaborador da revista “Arquivos de Neurologia e Psiquiatria”, onde publicou
diversos artigos científicos. Foi um dos signatários do “Manifesto dos
Mineiros”, em 1945, e, por isso, foi demitido do cargo de diretor do Instituto
Raul Soares. Contudo, manteve a altivez e independência frente às adversidades
políticas e às pressões (Moretzsohn, p.186).
Um dos nomes mais fulgurantes na
psiquiatria mineira do período foi o prof. Ermelindo Lopes Rodrigues
(1889-1971). Homem de vasta cultura e grande participação na psiquiatria
nacional, antes de vir para Minas Gerais exerceu o Prof. Lopes Rodrigues as
seguintes atividades (Moretzsohn reproduz em fac-simile a página de rosto da Primeira Memória Médico-Administrativa do Instituto Raul Soares, de
1930, p.131): "Interno do Hospício S. João de Deus (Bahia, 1919), Interno
do Hospital Nacional de Alienados (Rio de Janeiro, 1920), Membro da Sociedade
Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal (1922), Docente-Livre de
Clínica Psiquiátrica (por concurso) da Faculdade de Medicina da Universidade do
Rio de Janeiro (1925). Prestou concurso para professor catedrático na Faculdade
de Medicina da Universidade de Minas Gerais (1926), tendo sido aprovado.
Dirigiu esta por vários anos. Foi Diretor do Instituto Raul Soares (Belo
Horizonte, 1929). Seu último cargo foi o de Diretor do Serviço Nacional de
Doenças mentais na década de 1960".
Moretzsohn também reproduz em seu História da Psiquiatria Mineira
(p.132-133) o prefácio que o professor Lopes Rodrigues escreveu para a Primeira Memória. Encontramos aí a
expressão das mágoas do eminente professor às críticas que sofria como diretor
do IRS. Em sua opinião, o esforço de um diretor pode ser
dividido em três partes: a primeira "se perde no vórtice dos relatórios,
dos apellos oficiais, das insinuações, dos escriptos e dos reclamos emergentes
que dilataram noitadas, lavraram sobressaltos e fiaram meditações". Na
segunda parte "se desfaz no vozeiro que lhe opõem as forças repulsivas
onde ella se opera, isto é, o testemunho tarado que se irradia das
collectividades psicopáticas, em cujos meandros parasitam aquelles que
maltratam a consciência com autoridade". Na terceira, a sensação de dever
cumprido "na mais difícil conduta humana: lidar com os que lidam com
alienados".
Prof.
Lopes Rodrigues, na década de 1960, quando era Diretor do
Serviço
Nacional de Doenças Mentais, no Rio de Janeiro.
Fonte:
História da Psiquiatria Mineira. Joaquim Affonso Moretzsohn, 1989.
Vê-se que os problemas que a
psiquiatra atual encontra nas suas mais diversas facetas, clínicas,
administrativas, políticas, culturais e sociais, não são exclusivamente obra do presente, pois
existem há muito, muito, tempo.
Atribui-se ao prof. Lopes Rodrigues,
um papel secundário da cátedra de psiquiatria e de seu corpo docente nos eventos
psiquiátricos do Estado, durante várias décadas, em função de estar ele sempre
viajando, atendendo aos seus inúmeros compromissos, deixando seus compromissos profissionais em terras mineiras para segundo plano. Seus assistentes e professores Livres-Docentes não se sentiam à vontade para imprimir ao Departamento (nome que foi adotado muito mais tarde) uma ação mais presente e
de liderança na psiquiatria mineira, ao contrário do que ocorria em outros
estados, quando as universidades federais ou estaduais haviam há muito assumido
papéis de liderança inconteste nas pesquisas, estudos e promoção de eventos
científicos em sua jurisdição.
O prof. Zoroastro Vianna Passos
(1887-1945), apesar de não ter sido psiquiatra, deixou importante contribuição
em nossa história. Foi Chefe da Diretoria Geral de Assistência Hospitalar do
Estado de Minas Gerais, e teve sob sua orientação todos os hospitais públicos
psiquiátricos do estado. Foi um dos
fundadores da revista Archivos da
Assistência Hospitalar do Estado de Minas, que representou papel de
fundamental importância nas décadas de 1930/40 para a psiquiatria mineira.
Grande profissional foi Iago
Victoriano Pimentel (1890-1962). Homem de grande saber e erudição, dedicado aos
conhecimentos da psiquiatria humanista clássica de seu tempo, escreveu
importante obra sobre psicologia aplicada à educação, que foi livro básico
durante muitos anos na área da pedagogia. É considerado o primeiro tradutor de
Freud no Brasil.
Um dedicado psiquiatra do período foi Moacir Martins Andrade (1910-1969), grande especialista em Psiquiatria
Forense, onde se destacou, tendo sido psiquiatra da Penitenciária Agrícola de
Neves. Foi um entusiasta do teste miocinético de Mira y López (PMK), cujo teste
original enriqueceu com dados de suas próprias observações.
A psiquiatria infantil teve na figura
de Antônio Bernardino Alves (1894-1971) o seu pioneiro em Minas Gerais. Foi
o primeiro diretor do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, inaugurado em
1947.
A psiquiatria clássica alemã,
organicista, teve em Silvio Ferreira da Cunha (1893-1972) sua última figura
exponencial. Formou-se no Rio de Janeiro e, em Belo Horizonte, foi Diretor do
Instituto Raul Soares. Posteriormente, foi Chefe do Serviço de Higiene Mental
da Secretaria de Saúde.
A psiquiatria mineira na segunda metade do século
XX
Importantes contribuições à nossa
psiquiatria deram os seguintes médicos: Geraldo Roedel (1920-1975),
profissional de grande cultura e inteligência, Heleno Coutinho Guimarães
(1928-1977), José Jorge Teixeira (1899-1980), Aspásia Pires
(1921-1980), a primeira psiquiatra do sexo feminino em Belo Horizonte, Odilon Dias
Becker (1913-1982) e Flávio Neves (1908-1984).
O próprio autor da História da Psiquiatria Mineira, Joaquim Affonso Moretzsohn foi um profissional atuante e destacado em nosso meio. Entre suas credenciais se incluíam: ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais; membro titular da Academia Mineira de Medicina, do Instituto Mineiro de
História da Medicina e da Academia Brasileira de Administração Hospitalar; membro titular da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e membro associado do
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.
Não poderíamos neste trabalho deixar
de escrever algo sobre dois grandes nomes da psiquiatria mineira de meados e
segunda metade do século XX, os professores Clóvis de Faria Alvim e Paulo
Saraiva.
O prof. Clóvis de Faria Alvim nasceu em
Itabira, MG, em 1920, neto do grande político mineiro Cesário Alvim. Formou-se na Faculdade de Medicina de Minas Gerais (ainda
não era Federal) em 1945, tendo se dedicado durante trinta anos ao trabalho
intelectual na área teórica da psiquiatria, com incursões na história, no
folclore, na literatura, na antropologia e na crítica literária. Possuidor de
cultura invejável e profundo conhecedor da psiquiatria, foi autor de várias
publicações científicas. Sua tese de Livre Docência de Psiquiatria intitulou-se
Introdução ao Estudo da Deficiência Mental, tendo escrito um livro sobre
o mesmo assunto. Foi também o responsável por um dicionário de termos
psiquiátricos e psicológicos. Foi um dos fundadores da Academia Mineira de Medicina, em 1970, titular da cadeira de número 17, cujo patrono foi Antônio Gonçalves Gomide, um dos pioneiros da psiquiatria em Minas e no Brasil no início do século XIX. Sobre Gomide escreveu um antológico trabalho relatando os estudos empreendidos por este grande pioneiro da psiquiatria, em 1814, nos quais ele analisa o célebre caso da beata, irmã Gertrudes Maria da Purificação, que apresentava surtos, entre histéricos e psicóticos místicos, vivendo reclusa, próxima ao seu confessor, no alto da Serra da Piedade. Este caso foi testemunhado e relatado pelo grande naturalista Auguste de Saint-Hilaire quando de sua passagem por Minas Gerais neste período.
Colaborador da famosa educadora Helena
Antipoff, professor universitário, fundador de associações psiquiátricas e
psicológicas, pesquisador, Clóvis de Faria Alvim deixou obra de imenso valor como Alguns
aspectos da vida sexual dos índios brasileiros, Um caso de esclerose
tuberosa, Um precursor mineiro da psiquiatria brasileira, O jovem
Freud, O pensamento evolucionista em neuropsiquiatria e Assistência ao
doente mental. Administrou cursos de psiquiatria infantil, tendo atuado no
Serviço de Antropologia Criminal na Penitenciária Agrícola de Neves, no
Instituto Pestalozzi, no Hospital de Psiquiatria Infantil e na Faculdade de
Ciências Médicas.
Da esquerda para a direita: Drs. Javert Rodrigues, presidente da AMP,
Antônio Carlos Corrêa, prof. Neves Manta, da Academia de Medicina do
Antônio Carlos Corrêa, prof. Neves Manta, da Academia de Medicina do
Rio de Janeiro e prof. Clóvis de Faria Alvim, da Academia Mineira de Medicina.
Lançamento de meu primeiro livro Introdução à Psiquiatria Reflexológica,
março de 1976, Casa de Saúde Santa Maria, Belo Horizonte.
Lançamento de meu primeiro livro Introdução à Psiquiatria Reflexológica,
março de 1976, Casa de Saúde Santa Maria, Belo Horizonte.
Em 1971 assisti a uma de suas memoráveis apresentações na AMMG, quando o prof. Clóvis falou sobre as Psicoses Puerperais, tema que dominava em profundidade. Este trabalho foi baseado em pesquisas de campo, inéditas para um psiquiatra em nosso meio, quando o prof. Clóvis passou uma temporada em tribo de indígenas do Alto Xingu, onde estudou casos do fenômeno denominado de "couvade", termo francês que designa uma situação social na qual, após o parto, é o pai que faz o repouso e é alimentado como se ele tivesse sido a parturiente. No caso dos indígenas, o pai passa a quarentena deitado em redes e sendo alimentado com caldos e sopas pelos seus próximos, enquanto a mãe vai para a lavoura plantar e colher os mantimentos para a tribo.
Fui grande amigo do prof. Clóvis nos seus últimos anos de vida e sempre me fascinou sua cultura enciclopédica e eclética. Em uma das últimas vezes em que nos encontramos, eu estava na varanda da Casa de Saúde Santa Maria, quando ele chamou-me a um canto e mostrou-me um livro que carregava debaixo do braço (ainda era uma obra vista com preconceito por diversos círculos mineiros). Tratava-se do Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras), uma obra que entrou para a lista das mais infames de toda a história da humanidade. Por vários séculos este livro esteve no Index da Igreja Católica, tal o descalabro de suas propostas. Escrita por dois frades dominicanos austríacos, em 1486, Heinrich Kraemer e Jacob Sprenger, ensinava a caçar bruxas, geralmente denunciadas por indivíduos que se mantinham no anonimato (os inquisidores sabiam quem eram), sem provas, com acusações infundadas contra pessoas inocentes. Na maioria das vezes, as denúncias eram motivados pela inveja ou o ciúme, e a Inquisição extraía delas confissões sob tortura. O livro descreve esses métodos de tortura destinados a “provar” com proficiência a condição de bruxas de suas vítimas, como julgá-las, e, finalmente, como entrega-las às autoridades seculares para que a sentença fosse cumprida, ou seja, para que elas fossem queimadas na fogueira. Este livro ficou em minha memória por mais de duas décadas, quando, há alguns anos, o adquiri e serviu-me como fonte valiosa em minhas pesquisas sobre os delírios na história. Faleceu o prof. Clóvis, em 1979, uma hora antes de proferir mais uma de suas memoráveis palestras na Casa de Saúde Santa Maria. Foi uma perda irreparável para a ciência mineira.
Fui grande amigo do prof. Clóvis nos seus últimos anos de vida e sempre me fascinou sua cultura enciclopédica e eclética. Em uma das últimas vezes em que nos encontramos, eu estava na varanda da Casa de Saúde Santa Maria, quando ele chamou-me a um canto e mostrou-me um livro que carregava debaixo do braço (ainda era uma obra vista com preconceito por diversos círculos mineiros). Tratava-se do Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras), uma obra que entrou para a lista das mais infames de toda a história da humanidade. Por vários séculos este livro esteve no Index da Igreja Católica, tal o descalabro de suas propostas. Escrita por dois frades dominicanos austríacos, em 1486, Heinrich Kraemer e Jacob Sprenger, ensinava a caçar bruxas, geralmente denunciadas por indivíduos que se mantinham no anonimato (os inquisidores sabiam quem eram), sem provas, com acusações infundadas contra pessoas inocentes. Na maioria das vezes, as denúncias eram motivados pela inveja ou o ciúme, e a Inquisição extraía delas confissões sob tortura. O livro descreve esses métodos de tortura destinados a “provar” com proficiência a condição de bruxas de suas vítimas, como julgá-las, e, finalmente, como entrega-las às autoridades seculares para que a sentença fosse cumprida, ou seja, para que elas fossem queimadas na fogueira. Este livro ficou em minha memória por mais de duas décadas, quando, há alguns anos, o adquiri e serviu-me como fonte valiosa em minhas pesquisas sobre os delírios na história. Faleceu o prof. Clóvis, em 1979, uma hora antes de proferir mais uma de suas memoráveis palestras na Casa de Saúde Santa Maria. Foi uma perda irreparável para a ciência mineira.
O prof. Paulo Saraiva nasceu em Belo
Horizonte, em 1918, diplomando-se na Faculdade de Medicina em 1944, onde foi professor e defendeu tese de Livre-Docência intitulada O teste Rorcharch em psiquiatria
infantil. Assim como seu grande amigo Clóvis Alvim, dedicou boa parte da
vida ao estudo do sofrimento mental do ser humano. De cultura invejável, deixou
obras como Problemas emocionais das crianças, O conceito de
esquizofrenia, Estudo médico-psicológico de casos de deterioração mental,
Medicina psicossomática, O teste Rorschach e a personalidade epiléptica.
Publicou vários artigos em revistas e
jornais leigos como Psicologia da forma e método dialético, A
Psicanálise, O complexo de Édipo, O Psicotécnico e a segurança no
trânsito, A psicossomática, A memória, A narcoanálise,
As psicoterapias, A personalidade epiléptica. Trabalhou em diversas
instituições psiquiátricas e foi professor de psiquiatria na Faculdade de
Ciências Médicas.
O prof. Paulo Saraiva foi membro destacado da Academia Mineira de Medicina, onde ocupava a cadeira de número 60, cujo patrono foi o Dr. Iago Pimentel, eminente neuropsiquiatra na história da psiquiatria mineira, entre as décadas de 1920 e 1950. Tive o privilégio de trabalhar muito
próximo ao prof. Paulo Saraiva, pois lecionei psiquiatria a seu lado, na
Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, por vários anos, e também fomos
sócios em nosso primeiro consultório e clínica, de 1971 a 1976. Ele, já um
mestre consagrado com vasta clínica particular, sempre nutrira, em segredo,
simpatias pelas teorias de Ivan Petrovitch Pavlov e sua neurofisiologia aplicada à
Atividade Nervosa Superior e à psiquiatria. Nossa amizade perdurou por toda a
vida. Eu nutria por ele uma profunda admiração e respeito filiais. Foi o
prefaciador de meu primeiro livro: Introdução
à Psiquiatria Reflexológica, em 1975, registro este que cultivo com
muito orgulho. Sua memória será sempre por mim reverenciada, já que ele foi um
dos profissionais mais íntegros, éticos e capazes que conheci. Seu saber
enciclopédico se equiparava ao de seu grande amigo o prof. Clóvis de Faria Alvim. Marcantes foram suas aulas e palestras sobre a influência da filosofia pragmática inglesa, do século XVII, notadamente dos filósofos John Locke e David Hume, sobre as correntes da psicologia contemporânea, principalmente o Behaviorismo. Faleceu em 1996, em pleno gozo de sua profícua carreira e em plena lucidez. Uma
perda que gerou um vazio imensurável em toda a nossa comunidade psiquiátrica.
A tônica da assistência psiquiátrica
em Minas Gerais era baseada em hospitalizações até a década de 1960. Havia
inúmeros hospitais estaduais como o Hospital Colônia de Barbacena, o Instituto
Raul Soares, o Hospital Colônia de Oliveira, o Hospital Galba Velloso, o
Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil e inúmeras clínicas psiquiátricas
particulares. A ênfase era no tratamento hospitalar tanto na capital como no
interior do estado. Um grupo de médicos se unia, alguns nem eram psiquiatras, e
formavam uma instituição destinada a atender doentes mentais. Segundo
Moretzsohn (p.145-169) podemos citar os seguintes hospitais, com suas
respectivas datas de fundação e seu corpo clínico, em quatro décadas, em Belo
Horizonte:
Casa de Saúde Santa Clara (1937).
Os fundadores foram os filhos do Dr.
Cícero Ferreira (1861-1920), um dos fundadores da Faculdade de Medicina da UMG
(posteriormente UFMG), em 1911. Foram eles: Drs. Ary, Blair e Ivan Ferreira e
Dr. Necésio Tavares, ligado a eles por laços de parentesco. Foram diretores:
Drs. Blair Ferreira, Ari Ferreira, Mário Cícero Ferreira, Leopoldo de Castro
Ferreira, Hélio Tavares, Orlando Campos Ferreira, Breno de Castro Ferreira,
Hélio Tavares Filho e, nos últimos anos, Carlos Eduardo Ferreira. Passaram pelo
Santa Clara quase todos os psiquiatras de Belo Horizonte, dos quais podemos
citar os mais antigos: Drs. Sandoval de Castro, Odilon Dias Becker, Fernando
Velloso, Ivan Ribeiro e Hélio Tavares. Quando o hospital fechou as portas, no
início da década de 1990, seu corpo clínico era composto pelos Drs. Adilson
Alves Cabral, Aluízio Batista Moreira, Antônio Coura Macedo, Arnaldo Madruga
Fernandes, Antônio Porcaro de Sales, Ana Ester Nogueira Pinto, Breno de Castro
Ferreira Junior, Celso Levi, Carlos Eduardo Ferreira, Edgar Mello Magalhães,
Eduardo Eustáquio Andrade, Eduardo Olímpio Viegas Vargas, Fábio Lopes Rocha,
Fábio Mendonça Porto, Francisco Hugo Badaró, Geraldo Borges Júnior, Geraldo
Megre Resende, Guilherme Brasil Lucena, Hélio Tavares Filho, Heron Fernando
Lima Lopes, Irany Silva, Jarbas Alves Loureiro, Jansen Campomizzi, José de
Assis Corrêa, José Roberto Buainain, José Ronaldo Procópio, Marcelo Ribeiro
Vaz, Marcos André Menezes, Mário Catão Guimarães, Marcio Sampaio, Maria
Auxiliadora Viana, Maria Arlete de Castro Andrade, Newton Figueiredo, Otávio
Maia Saliba, Osvaldo Martins Ferreira, Ovídio Magalhães Santeiro, Porfírio
Marcos Rocha Andrade, Samuel Lansky, Sálvio Luiz Moreira Penna, Sérgio Passos
Ferreira, Sylvio Magalhães Velloso, Tatiana Guimarães T. Mourão, Zuleide Sousa
Carmo Abijaodi.
Casa de Saúde Santa Maria (1947).
Fundada e dirigida pelo prof.
Austregésilo Ribeiro de Mendonça, até seu falecimento nos fins da década de
1990. Atualmente é dirigida pelos seus filhos Solange Maria de Mendonça Campos
e Austregésilo de Mendonça Filho. Desde o início, o Prof. Mendonça contou com a
estreita colaboração de seu irmão, também psiquiatra, Dr. Antar Ribeiro de
Mendonça (1911-1963). Um dos mais assíduos e íntimos colaboradores foi o Dr.
Geraldo Rodrigues de Oliveira, que exerceu por muitos anos a atividade de
médico clínico e psiquiatra. Também passaram pelo Santa Maria, onde internavam
seus pacientes particulares, nomes consagrados da psiquiatria mineira: Drs.
Galba Velloso, Silvio Cunha, Caio Líbano, José Cezarini, Fernando Velloso,
Milton Gomes, Clóvis Alvim, Haley Bessa, Paulo Saraiva, Flávio Neves, Francisco
Badaró, Ataulpho da Costa Ribeiro, José Pedro Salomão, Aloísio Batista Moreira
e Helênio Coutinho Guimarães. Outros médicos, de outras especialidades, também
fizeram história no Santa Maria: Drs. Otaviano Lapertosa Brina, Petrônio
Monteiro Boechat, Manoel Bernardo dos Santos, Ari Moreira da Silva, José Araújo
Barros, José Segundo da Rocha, José Rodrigues Lóes. De seu corpo clínico, por
várias décadas, participaram: Drs. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, Paulo
Saraiva, Francisco Badaró, Raphael Mesquita, Solange Mendonça Campos,
Austregésilo Mendonça Filho, Antônio Carlos de Oliveira Corrêa, Gustavo
Fernando Julião de Sousa, Hilbene Rodrigues Galizzi, José Jacinto Chaves, José
Nogueira de Sá Neto, Milton Ribeiro Sobrinho, Oliveiros C. Ribeiro, Otaviano
Corrêa da Veiga Lima, Aloísio Batista Moreira, Maria Cristina Palhares, Maria
Cristina Contigli, Otávio Gouvea Ferreira.
Clínica Pinel
(1946).
Fundada pelos Drs. Geraldo Roedel,
Joaquim Affonso Moretzsohn, Sandoval de Castro e Moacir Martins Andrade. Sua
direção sempre foi colegiada, composta pelas famílias dos Drs. Moretzsohn e
Sandoval de Castro, que adquiriram as cotas dos outros dois colegas. Já integraram
ou integram o corpo clínico os seguintes psiquiatras: Drs. Vicente Soares, José
Amaral de Castro, Raul Costa Filho, Antônio Afonso Morais Moretzsohn, Francisco
Alberto Laender de Castro, Francisco de Paula Victor Pereira, Feliciano de
Abreu e Silva, José Pedro Salomão, Neuza Carneiro Magalhães, José Carlos
Câmara, Clóvis Figueiredo Sette Bicalho, Edgar Magalhães, José Nazário
Gonçalves, Carlos Moretzsohn Ildefonso, Paulo Henrique Scarpa, Roberto Lage
Pessoa, Adelson Sousa Pires, Júlio Cesar Valadares Roquete, Marcelo Vaz,
Guilherme Brasil Lucena, Ovídio M. Almeida Jr., Ronan Rodrigues Rego,
Watercides França, José Nogueira de Sá Neto, Antônio Roberto Vieira Guedes,
Alberto André Delpino Mendonça, Raimundo Cabral, Kleber Lincoln Gomes, Jansen
Campomizzi, José Ronaldo Procópio, Marcondes Franco da Silva, Lilian Antunes,
Marília Mariani, Mauro Passos, Ronaldo Canals, Jeferson Perez Pereira, Eliana
Costa e Silva, José de Assis Corrêa, Idário Valadares Bahia, Antônio Lopes
Cançado Neto, Jarbas Loureiro, Sálvio Luiz Moreira Penna, Sílvio Monteiro
Resende, Narcélio Laponez Silveira, Soter Ramos Couto, Aldorando Ricardo do
Nascimento, Raimundo Ferreira Maciel, Antônio Osvaldo Aquino, Flávio Luiz
Moretzsohn da Silva, Luiz Carlos Braga Pires, Valéria Fátima Moreira, Humberto
Campolina França, Celso Luiz Cruz, Sandoval de Castro Filho, Claudio Lage
Moretzsohn, Lucas Lage Moretzsohn, Graco de Nóbrega Cesarino Filho, José Maria
Morais Alvarenga.
Clínica Afrânio Peixoto (1952-1968).
Foram seus proprietários os Drs. José
Pedro Salomão, Ataulpho da Costa Ribeiro e Sebastião Abrão Salim.
Clínica Senhora de Fátima (1954), fundada pelo Dr. Tasso Ramos de Carvalho.
Foram de seu corpo clínico os Drs. Dolores Ribeiro Ramos de Carvalho, Djalma
Teixeira de Oliveira e Alaor Rezende.
Clínica Nossa Senhora de Lourdes (1959-2000).
Foram fundadores os sócios cotistas
Drs. Pedro Costa Neto, Hélio Durães Alkmin, Aspásia Pires, Lourival Alcântara
Veloso, Ivan Ribeiro, José Gilberto de Souza, Eduardo Ozório Cisalpino, Wilson Mairinck
e José Pio Cardoso. Foram de seu corpo clínico os Drs. Alan Freitas Passos,
Amélio Porcaro Sales, Antônio Augusto F. Paulino, Dório Antônio Raggi Grossi,
Guilherme B. Lucena, Helenita S. Goulart, Renato S. Oliveira, José Romualdo
Oliveira, José Valmir Barrote Junior, Otávio Saliba, Antônio José Viegas e
Janete Andrade.
Clínica Boa Esperança (1961-2000).
Fundada pelos Drs. Aristóteles Brasil
e Armando Leite Naves. Foram de seu corpo clínico os Drs. Neide Garcia de Lima,
Luiz Augusto Ribeiro, Adelaide Duarte Ubaldino e Paulo de Lima Garcia.
Hospital Espírita "André
Luiz". Inaugurado em 1967.
Fundação espírita que teve seus
primeiros diretores os Srs. Virgílio Pedro de Almeida, dr. Celso Dias de
Avelar, dr. José Schembri, dr. Haroldo Alves Timponi. A coordenação clínica
coube ao dr. Marco Aurélio Baggio. Foram ou continuam sendo de seu corpo
clínico os drs. Jaider Rodrigues de Paulo, Luiz Carlos Rodrigues, Sérvulo José
Duarte Vieira, Ricardo Mendes Pereira, Carlos Antônio B. Calixto, Geraldo Walter
Heilbuth, Marcelo Oliveira Mundin, Henrique Marcos Cordeiro Campos, Dario D.
Ferreira Pena, Osvaldo Hely Moreira, Rafic Dabien, Renato Pereira Campolina
Pontes, Walter Rodrigues da Costa, Lenice A. Sousa Alves.
Clínica Serra Verde (1971-2005).
Destinada ao internamento de
pacientes crônicos. Foram seus fundadores os drs. Mário Ibrahim da Silva, José
Porcaro Vorcaro, Luiz Issa e Francisco Augusto Machado. Foram membros de seu
corpo clínico os Drs. Antônio Carlos Calixto, Wagner Luiz Alves, Flávio Luiz M.
da Silva, Carlos M. Ildefonso Silva, Celso Cruz, Ronaldo Cairo, Watercides
França, Luiz Carlos Braga Pires, Maria Cristina Contigli, Euli Peixoto,
Leonardo Taves, Venios Borges, Raimundo Ferreira Maciel, Humberto Campolina,
Valéria de Fátima Moreira.
Centro Terapêutico Comunitário
"Santa Margarida" (1974-1983).
Fundada pelos drs. Adelson Sousa Pires, Clóvis Figueiredo Sette Bicalho, Júlio Cesar Valadares Roquete e Luiz Carlos Braga Pires. Trabalhava dentro do princípio da comunidade terapêutica, com redução no uso de psicofármacos e mais atendimentos socioterápicos e psicoterápicos.
Até o fim da década de 1960 não havia
uma preparação formal do especialista em psiquiatria. Não havia as residências
médicas ou cursos de pós-graduação. Quem podia, se deslocava para o Rio de
Janeiro ou São Paulo, onde acompanhava cursos de extensão, na Universidade do
Brasil, Universidade de São Paulo ou Serviço Nacional de Doenças Mentais. Raros
eram os que podiam fazer cursos no exterior. A grande maioria tinha sua
formação através de estágios em hospitais psiquiátricos (na época havia a
figura do estagiário-acadêmico ou interno-acadêmico, quando o estudante de
medicina era incorporado ao corpo de estagiários do hospital, onde prestava
serviços de plantão e atendimento em enfermarias, em troca de aprendizagem e
conhecimentos na especialidade). As clínicas e hospitais mais procurados se
situavam em Belo Horizonte, Juiz de Fora e Barbacena.
No início da década de 1960 novas
idéias começaram a germinar em nossa psiquiatria, como ademais em todo o
Brasil. A psicanálise progressivamente se introduziu como influência marcante
na prática e pensamento dos psiquiatras e essa influência somente cresceu no
decorrer dos anos.
O Hospital Galba Velloso como referência
psiquiátrica
Quando no governo de Minas Gerais se
encontrava José Francisco Bias Fortes e seu secretário de Estado da Saúde o prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, este um ex-psiquiatra do IRS, e, portanto, consciente das deficiências desta instituição, se reuniram e decidiram pela construção de um novo hospital psiquiátrico em Belo Horizonte.
Seu objetivo era substituir o “velho Raul” que seria modificado e adaptado para
receber adolescentes com problemas de conduta.
O governador conseguiu um grande terreno
de 12 mil metros quadrados, na zona oeste de Belo Horizonte, no bairro
Gameleira. Ao fim de seu governo entregou o edifício quase pronto. A verba para
tal empreendimento veio, em parte, dos cofres estaduais. Mas a maior parte veio
de recursos da União, notadamente do Serviço Nacional de Doenças Mentais, então
dirigido por um psiquiatra mineiro, Adauto Botelho. A conclusão da obra se
deu no governo seguinte, de José de Magalhães Pinto e, segundo Moretzsohn (p. 141), quando era secretário de saúde Roberto Resende. O
próprio Moretzsohn era o Chefe do Serviço de Psiquiatria da Secretaria de
Saúde. Decidiu-se também que o IRS seria destinado
somente a pacientes do sexo masculino e o Hospital Galba Velloso (HGV) somente
para pacientes do sexo feminino.
Hélio Durães Alkmin foi o
primeiro diretor do HGV, que passou a funcionar a partir de agosto de 1962. As
primeiras pacientes foram 34 mulheres transferidas do IRS para lá. O corpo
clínico do hospital era composto de psiquiatras transferidos do IRS e outros
nomeados pela Secretaria de Saúde. Segundo Moretzsohn (p. 141) o nome do
hospital foi escolhido e levado para aprovação pelo Departamento de
Neuropsiquiatria da Associação Médica de Minas Gerais. O retrato de Galba
Velloso foi inaugurado em 01/11/1963.
A partir de agora farei um relato do que testemunhei nesses últimos cinquenta anos da psiquiatria mineira. Iniciei meus primeiros contatos
com a psiquiatria em agosto de 1966. Havia concluído a disciplina de
farmacologia na Faculdade de Medicina da UFMG (FMUFMG). Submeti-me a avaliações
com entrevistas e testes com Eunice Rangel, vice-diretora do HGV, fui admitido como interno acadêmico. Na ocasião, havia a figura
do interno acadêmico, isto é, o estudante de medicina que, a partir do terceiro
ano da faculdade, era admitido em hospitais, com o fim de estagiar, trabalhar
como plantonista, prestar atendimento a enfermarias e ambulatórios e até ali
residir.
A psiquiatria
mineira passava por transformações importantes. O HGV era, então, um foco polarizador de ideias que a estavam
renovando. Em 1963, a direção do hospital fora
transferida para as mãos de Jorge Paprocki, então um nome em ascensão em Minas
Gerais, dadas
suas pesquisas e publicações em revistas científicas. Paprocki se graduara em
medicina em 1955 pela FMUFMG. Como não houvesse cursos de pós-graduação ou
residência em psiquiatria, ele desenvolveu grande habilidade no trabalho com
pacientes portadores de distúrbios mentais em hospitais e ambulatórios de Juiz
de Fora, onde residiu por alguns anos, sob o enfoque de comunidades terapêuticas.
Voltando para Belo Horizonte, trabalhou ao lado do psiquiatra Ivan Ribeiro e do
anestesiologista Petrônio Boechat. Tornou-se conhecido nacionalmente em decorrência
de suas pesquisas e publicações na área de psicofarmacologia, um setor da
psiquiatria em franco desenvolvimento, e no emprego de anestésicos e narcose na
eletroconvulsoterapia (ECT).
O estilo de administração de Paprocki
causou grande impacto na psiquiatria mineira. Trouxe novas ideias, decorrentes
da onda internacional que incentivava terapêuticas menos rígidas para os
doentes mentais. Aí se incluíam a redução de contenções físicas, abolição de quartos-fortes e camisas de forças, preferência
por utilização de métodos terapêuticos como os psicofármacos, ressocialização através
de comunidades terapêuticas, ambientoterapia, socioterapia, suporte
psicoterápico institucional, terapia ocupacional, praxiterapia e outras. Ao mesmo tempo,
utilizavam-se ainda as técnicas de tratamentos biológicos como cardiazolterapia
e insulinoterapia, além do já citado ECT (com e sem anestesia). Os resultados
logo começaram a surgir. Aliado a tudo isto, num gesto audacioso para aqueles
tempos (e ainda para os dias atuais), Paprocki instituiu o chamado “open door integral”,
isto é, as enfermarias não eram trancadas com grossas portas com barras de
ferro para evitar a fuga das pacientes. Não
havia portas e uma das pacientes, já em melhores condições psíquicas do que os
demais e com previsão de breve alta hospitalar, era colocada na entrada da
enfermaria para controlar o movimento de saída dos demais. Os resultados encorajaram
a manutenção desta nova estratégia.
Paprocki abriu as portas do
hospital para jovens estudantes de medicina que desejassem seguir a
especialidade da psiquiatria, acolhendo-os como internos acadêmicos. Grande
parte deles passou a residir no HGV, em setor reservado. A medida atraiu uma
plêiade de jovens estudiosos e sequiosos de conhecimento e treinamento
especializado. Esse movimento constituiu o berço de uma grande geração de
futuros psiquiatras que se destacaram nas mais diversas áreas da psiquiatria,
da psicanálise, da psicoterapia, da neuropsiquiatria e das neurociências. Ao mesmo tempo, Paprocki incentivou a todos na realização de trabalhos de pesquisas e na publicação de seus resultados. Em grande parte dessas pesquisas ele era o líder e coordenador. O gosto pela pesquisa, pela redação de trabalhos científicos e pela sua publicação logo se tornou uma prática rotineira de toda a equipe.
Paprocki era severo, respeitado
e, de certa forma, temido. Ao mesmo tempo, era bondoso, compreensivo e incentivava
as habilidades e qualidades individuais de cada um dos internos. Alguns profissionais experientes trabalhavam com ele, como
os neurologistas Benítez Emílio Conde e Dalton Lintz de Freitas, este também
eletroencefalografista, os clínicos e cardiologistas Emílio Grimbaun, Belces
de Paula, Edson Rasuk, José Luiz de Amorim Ratton e Geraldo Ribeiro, este ginecologista.
Dentre os psiquiatras mais
experientes estavam: Helênio Coutinho Guimarães, Neusa Magalhães Carneiro,
Pedro Lopes de Oliveira, José Pedro Salomão, José James de
Castro Barros, José Domingues de Oliveira, Aldorando Ricardo do Nascimento,
Mário Catão Guimarães, José Raimundo Lippi e Eunice Rangel. Esta foi o braço
direito de Paprocki e muito contribuiu para o êxito da administração e das
ações implementadas naquela época.
Na ocasião, um
considerável número de internos acadêmicos ali trabalhava havia, pelo menos,
dois ou três anos. Dentre eles, assinalo: Marco Aurélio Baggio, César Rodrigues
Campos, Odília Miguel Pereira, Francisco Juarez Ramalho Pinto, Virgílio
Bustamante Rennó, Francisco Paes Barreto, Arlindo Carlos Pimenta, Francisco
Xavier, Vicente Santos Dias, José de Assis Corrêa, Eudes Ramón Paredes Montilla
(venezuelano), José Carlos Pires Amarante e, por um período mais curto, Walmor
Piccinini (este, vindo do Rio Grande do Sul). Quase na mesma ocasião de
minha inclusão no grupo, também foram admitidos meus colegas de faculdade Javert
Rodrigues, Rodrigo Teixeira de Salles e, algum tempo depois, Maria Muniz Passos
(Lia), Maria Auxiliadora Athayde, Lélio Marcio Dias e Antônio Leite Rangel.
Outros estagiários logo
se incorporaram a este multifacetado grupo de jovens idealistas e dedicados, como
José Ronaldo Procópio, Claudio Pérsio Carvalho Leite e Hélio Roscoe. Um grupo
de psicólogos estagiários e estudantes de psicologia, também se inseriu ao
grupo, como Welber Braga, João Mascarenhas, Elizabeth Clark, Flávio José de Lima Neves e outros. Formou-se,
aos poucos, um grande grupo multiprofissional composto por enfermeiras,
assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, todos dedicados e sequiosos de
conhecimento. Também havia uma equipe de professoras para o curso fundamental
que ministravam aulas de cuidados pessoais, higiene, auxílio à leitura e escrita,
para as pacientes internadas,
como um complemento às diversas terapias disponíveis. Esta foi uma experiência
única e pioneira no estado que durou por não mais que três anos.
Iniciei meu trabalho
no Centro de Estudos Galba Velloso (CEGV) pouco após minha chegada ao hospital.
No princípio, como bibliotecário, depois como diretor de publicações e,
finalmente, em 1969, após a gestão de José Carlos Pires Amarante, o sucedi na
presidência. O CEGV fora criado em 1964 e tivera como presidentes os psiquiatras Eunice Rangel e José Domingues de Oliveira, e os acadêmicos Francisco Paes Barreto e José Carlos Pires Amarante.
Como diretor de publicações, em 1968, planejei a publicação de um texto sobre
psicofármacos, visto que nenhum livro sobre o assunto havia sido publicado no
Brasil, até aquela data. Pensei numa obra escrita a várias mãos, na qual cada
um dos membros do corpo clínico se encarregaria de escrever um capítulo. Agendei
com o grupo uma reunião no CEGV quando apresentei meu projeto, aprovado com
entusiasmo. Escolhidos os temas e ementas, a distribuição seguiu a
predileção de cada um. Tornei-me o editor desta obra. Jamais imaginamos que o livro marcaria época
na psiquiatria brasileira. Foram seis meses de trabalho intenso e profícuo e os
resultados não demoraram a surgir.
Nesta época, antes
da era das residências de psiquiatria, a “turma do Galba” realizava estudos
auto-didáticos, geralmente em grupos e utilizando os tratados de psiquiatria
famosos do período. Um deles era o do psiquiatra argentino Juan Beta, Manual
de Psiquiatria, livro considerado por demais organicista numa época em que
a psicanálise já dominava amplamente a psiquiatria brasileira e mundial. Também
o Manual de Psiquiatria, de Mayer-Gross, em que pese sua orientação
organicista, era mais aceito que o anterior. Em contrapartida, Iracy Doyle, com
sua Nosologia Psiquiátrica, tinha profundas raízes psicodinâmicas.
Era um livro que praticamente decorávamos por inteiro. Outros autores e obras
importantes estudados com afinco, em que noites eram varadas sobre suas
páginas, em particular na sala do CEGV: Psiquiatria Dinâmica, de
Henri Ey, Psiquiatria Clínica Moderna, de Noyes e Kolb, Psicopatologia,
de Kurt Schneider, Tratado de Psiquiatria, de Manfred
Bleuler, História da Psiquiatria, de Franz Alexander, Psicopatologia
Geral, de Karl Jaspers, Temas Psiquiátricos (um extenso
tratado de psicopatologia), de Cabaleiro-Goás, Psicologia Médica,
de Juan-José Lopez-Ibor, os livros de Weitbrecht e Tellembach, Estratégias
em psicoterapia, de Jay Haley, e muitos outros. Tomávamos também
conhecimento, a partir de 1968, do trabalho do grande psiquiatra espanhol,
Francisco Alonso-Fernandez, com sua obra, Fundamentos
de la Psiquiatría Actual, uma expressão da excelência psiquiátrica do
período. Somente no final da década de 1970 surgiu o também muito
aguardado Psiquiatria, do prof. Nobre de Melo. Mas, então, todos
nós já estávamos longe do Galba.
Com frequência eram
convidados grandes psiquiatras para proferir palestras no CEGV: prof. Clóvis de
Faria Alvim, um dos mais brilhantes da história da psiquiatria mineira, prof.
Paulo Saraiva, de conhecimento enciclopédico, prof. Hélio Durães Alkmin, da
UFMG, prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, fundador da disciplina de
psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCMMG), Fernando Megre Velloso,
Joaquim Affonso Moretzsohn, Ivan Ribeiro da Silva, Francisco Hugo Badaró,
Geraldo Megre de Resende, Aspásia Pires de Oliveira, todos grandes e
consagrados nomes de nossa psiquiatria, além do prof. José
Elias Murad, com suas aulas memoráveis sobre psicofarmacologia.
Graduei-me em medicina
pela UFMG em dezembro de 1968, quando me candidatei à residência de psiquiatria,
criada um ano antes, um convênio entre a Secretaria de
Estado da Saúde de MG e a FCMMG. Esta foi a
primeira residência de psiquiatria no Estado.
O livro foi oficialmente
lançado no IX Congresso Brasileiro de Neuropsiquiatria, Neurologia e Higiene
Mental, no Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro. Para lá se dirigiu parte da
“turma do Galba”, capitaneada por Fernando Megre Velloso e Jorge Paprocki. Foi
um sucesso absoluto. A edição, primeira e única, se esgotou em pouco tempo.
Hoje, quem possui um exemplar tem uma relíquia nas mãos.
Lançamento da Revista do Centro de Estudos Galba Velloso,
na Associação Médica de Minas Gerais, em 16 de setembro de 1969.
Na ocasião o Dr. Jarbas Moacir Portella proferiu sua palestra
intitulada:
"Por que uma Revista de Psiquiatria em Minas Gerais".
Da esquerda para a direita: Dr. Jarbas Portella, Antônio Carlos Corrêa,
Francisco Paes Barreto.
Francisco Paes Barreto.
Poucos meses
depois, em agosto de 1969, foi lançada a Revista do Centro de Estudos
Galba Velloso. Era um projeto acalentado há mais de um ano, paralelamente
ao livro Psicofármacos. Mais uma vez, contamos com a colaboração de
todos e, principalmente, de Paprocki e Eunice Rangel, para viabilizar o
sucesso do empreendimento. Houve o patrocínio de alguns laboratórios
farmacêuticos, o que nos pavimentou o caminho da concretização da obra. O
lançamento do primeiro número se deu nos salões da Associação Médica de MG,
quando a iniciativa foi saudada por Jarbas Moacir Portella, analista didata do
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
A residência de
psiquiatria, que fora criada em 1968, teve
em sua primeira turma os seguintes residentes: José
Carlos Pires Amarante, José Ronaldo Procópio, José de Assis Corrêa, Eudes Ramon
Paredes Montilla, João Luiz da Silva Toni, Claudio Pérsio Carvalho Leite, Hélio
Roscoe e Virgílio Bustamante Rennó. A segunda turma, de 1969, contava com:
Rodrigo Teixeira de Salles, Javert Rodrigues, Maria Auxiliadora Athayde, Maria
Muniz Passos (Lia), Maurício Sartori, Vicente Santos Dias, Lélio Marcio Dias e
Antônio Carlos Corrêa. A terceira turma, de 1970, era composta por: Antônio
Leite Rangel, Adelgício José Melo de Paula, Clovis Sette Bicalho, Marcos de
Melo Couri, Argileu Pereira dos Santos e Delcir Antônio da Costa.
Os docentes eram membros
do próprio HGV, com aporte de alguns contratados. Entre eles destacava-se
André Faria d’Azevedo Carneiro que recém concluíra sua residência no Instituto
de Psiquiatria da FMUFRJ, então sob a orientação do prof. José Leme Lopes, um
dos mais consagrados psiquiatras brasileiros. Além dos clássicos da
psiquiatria, da fenomenologia e da analítica existencial alemãs, como Kraepelin
e Jaspers, estavam incluídos nas leituras dos residentes os filósofos Husserl,
Dilthey e Martin Heidegger.
Março de 1970 - Simpósio Nacional sobre Depressão.
Parte da "turma do Galba". Da esquerda para a direita:
Cristina e Rodrigo Teixeira de Salles, Marcio Sampaio,
Roberto Rangel, Eunice Rangel, José Ronaldo Procópio,
Antônio Leite Rangel, Jorge Paprocki, Maurício Sartori,
Maria Muniz Passos (Lia), Delcir Antonio da Costa
e Antônio Carlos Corrêa.
O HGV estava em seu
apogeu e era considerado uma das referências da psiquiatria brasileira. Havia
inúmeros candidatos à residência provenientes de Minas e de diversos estados.
Paprocki atingira grande conceito entre os psiquiatras brasileiros. Era
convidado para eventos pelo País afora. A indústria farmacêutica também
demonstrava interesse em promover lançamento de produtos no HGV, como ocorreu
em março de 1970, quando o laboratório Ciba-Geigy planejou o lançamento da
clomipramina injetável, um importante antidepressivo da época, e propôs que ali
fosse realizado durante um Simpósio Nacional sobre Depressão. Todos se
mobilizaram para o evento, que foi um sucesso. Personalidades de renome
nacional da psiquiatria prestigiaram o evento, que também teve o patrocínio da
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), então recentemente criada, há
apenas quatro anos (1966), com a participação ativa de Fernando Megre Velloso e
Jorge Paprocki. Dentre as grandes personalidades que compareceram posso citar: prof. Álvaro Rubim de Pinho, professor catedrático de psiquiatria da FM-UFBA, então presidente da ABP, dr. Ulisses Vianna Filho, secretário da ABP, prof. Clóvis Martins, professor Livre-Docente da FM-USP e do Instituto de Psiquiatria, prof. Darcy de Mendonça Uchôa, também professor Livre-Docente da FM-USP, e outros.
Sessão inaugural do Simpósio sobre Depressão.
Ao centro, enconstado na pilastra, com a mão no rosto, vê-se o Prof. Clóvis de Faria Alvim. Assentado, à direita da foto, de óculos escuros, o Prof. Hélio Alkmim. |
Sessão inaugural do Simpósio sobre Depressão com palestra
do prof. Magalhães Gomes, professor catedrático de Clínica Médica na Universidade do Brasil (atual UFRJ). Na primeira fila,
à esquerda, o prof. Clóvis Martins, da USP.
Ao seu lado, o grande psiquiatra e psicanalista da USP,
prof. Darcy de Mendonça Uchôa.
|
Sessão de encerramento do Simpósio
sobre Depressão.
O autor faz a saudação aos convidados. Na mesa, da esquerda para a direita: prof. Clóvis Salgado, senhorita não identificada, dr. João Luiz Silva Tony, prof. Álvaro Rubim de Pinho, então presidente da ABP, prof. Fernando Megre Velloso e prof. Lucas Monteiro Machado. |
Em 1969, por
inspiração de Paprocki, a equipe do HGV começou a planejar a realização do I
Congresso Mineiro de Psiquiatria. Era um evento jamais antes cogitado,
em função das divisões internas da psiquiatria mineira. Todas as grandes
figuras da psiquiatria do estado foram convidadas a participar. Houve considerável
apoio de nossa comunidade psiquiátrica e, parte dela, atendeu aos convites. O
congresso se deu entre 26 e 29 de junho de 1970, no Grande Hotel de Araxá. Tudo
foi muito cuidadosamente planejado e preparado durante todo o ano que antecedeu
ao evento. Dada a inexperiência de todos, foram
enfrentadas inúmeras dificuldades, porém superadas. Este congresso foi um
divisor de águas na psiquiatria mineira. Aglutinou um numeroso grupo de
psiquiatras de Minas e de outros estados, em grande parte de São Paulo e do Rio
de Janeiro. Compareceram profissionais do Nordeste e do Sul do País. Foi um
sucesso. Fernando Megre Velloso foi seu presidente de honra.
O Congresso teve as seguintes comissões de organização:
Comissão
Organizadora
Presidente de honra: Dr. Fernando
Megre Velloso
Presidente: Dr. José Raimundo da
Silva Lippi
Vice-Presidente: Dr. Francisco Paes
Barreto
Secretário: Dr. Antônio Carlos Corrêa
Tesoureiro: Dr. Marcos Otávio Gonçalves
Comissão de Divulgação e Imprensa
Dra. Eunice Rangel
Dr. Paulo Saraiva
Dr. Mário Catão Guimarães
Dr. Javert Rodrigues
Dr. Antônio Leite Rangel
Comissão Científica
Dr. Jorge Paprocki
Dr. Jarbas Moacir Portella
Dr. Sebastião Abrão Salim
Dr. Cézar Rodrigues Campos
Dra. Maria Auxiliadora de Souza
Brasil
Comissão de Finanças
Dr. Marcos Otávio Gonçalves
Dr. Armando Leite Naves
Dr. Rodrigo Teixeira de Salles
Dr. João Luiz Silva Toni
Comissão de Recepção e Alojamento
Dra. Maria Muniz Passos
Dr. Vicente Santos Dias
Dr. Marco Aurélio Baggio
Dr. Arlindo Carlos Pimenta
Assistente Social, Srta.
Izabel Izilda
O temário do
Congresso, de acordo com as inquietações básicas da época, foi “O Hospital
Psiquiátrico”. Tema candente, porém sem as conotações antinosocomiais dos anos
que viriam a seguir. Foi organizado no esquema de grupos de discussão, onde os
temas propostos eram debatidos e as conclusões apresentadas em relatório nas
sessões plenárias. As preocupações da psiquiatria mineira, em fins da década de
1960, relacionavam-se ao papel dos diferentes profissionais numa equipe
psiquiátrica. Havia diversos questionamentos, mas também a preocupação em
acompanhar a evolução dos grandes centros mundiais da psiquiatria e sua
adaptação à realidade mineira. Em 1970, o diretor do HGV era José Raimundo
Lippi.
Temário do I Congresso Mineiro de Psiquiatria (Araxá, 26-29 de junho de 1970):
1- Política Assistencial e o Hospital
Psiquiátrico em Minas Gerais
1.1 O papel da Comunidade em relação ao hospital
psiquiátrico.
1.2 O papel do hospital psiquiátrico em relação à
Comunidade.
1.3 O papel do hospital de agudos no plano de
assistência psiquiátrica pública.
1.4 O papel do hospital de crônicos no plano de
assistência psiquiátrica pública.
1.5 O papel do hospital-dia-noite no plano de
assistência psiquiátrica pública.
1.6 O
papel do ambulatório no plano de assistência psiquiátrica pública.
1.7 O hospital de agudos como unidade de tratamento
intensivo.
1.8 Organização do hospital psiquiátrico sob o ponto de
vista técnico.
1.9 Organização do hospital psiquiátrico como fator
terapêutico.
1.10 Critérios de
avaliação de eficácia de um plano de assistência psiquiátrica.
2- O Ensino e Pesquisa no Hospital
Psiquiátrico em Minas Gerais
2.1 O hospital psiquiátrico como centro de
ensino.
2.2 O papel do hospital psiquiátrico na formação
de pessoal
de nível superior.
2.3 O papel do hospital psiquiátrico na formação
de pessoal
de nível médio.
2.4 O papel do hospital psiquiátrico como centro
de pesquisa.
2.5 Critérios de avaliação da eficácia de um
plano de ensino e
treinamento.
3- Posição Atual de Terapêuticas no
Hospital Psiquiátrico
3.1 Posição atual das terapêuticas biológicas no
hospital
psiquiátrico.
3.2 Posição atual das terapêuticas farmacológicas
no hospital
psiquiátrico.
3.3 Posição atual da psicoterapia individual no
hospital
psiquiátrico.
3.4 Posição atual da psicoterapia de grupo no
hospital
psiquiátrico.
3.5 Posição atual dos grupos operativos no
hospital
psiquiátrico.
3.6 Posição atual da praxiterapia no hospital
psiquiátrico.
3.7 Posição atual da arteterapia no hospital
psiquiátrico.
3.8
Posição atual da ambientoterapia no hospital psiquiátrico.
4- Definição de Papéis Dentro do
Hospital Psiquiátrico em Minas Gerais
4.1 O papel do psiquiatra em um hospital
psiquiátrico.
4.2 O papel do psicanalista em um hospital
psiquiátrico.
4.3 O papel do psicólogo em um hospital
psiquiátrico.
4.4 O papel do assistente-social em um
hospital psiquiátrico.
4.5 O papel da enfermeira em um hospital
psiquiátrico.
4.6 O papel do praxiterapeuta em um
hospital psiquiátrico.
4.8 O papel do estagiário em um hospital
psiquiátrico.
4.9 Conceituação e liderança de equipe
psiquiátrica.
Como se pode
observar pelo temário, as preocupações da psiquiatria brasileira, em fins da
década de 1960, eram semelhantes às preocupações da psiquiatria mundial, em que
o papel dos diferentes profissionais era frequentemente questionado. Havia a
preocupação em acompanhar a evolução dos grandes centros mundiais da
psiquiatria e sua adaptação à nossa realidade mineira. De certa forma, pode-se
dizer que esses temas são questões, na maioria das vezes, ainda não resolvidas
entre nós, passados 44 anos do evento que deu início a uma psiquiatria mineira
mais consciente de seus objetivos, mais pertinaz na busca da realização de seus
sonhos, mais transparente e com melhores definições do trabalho de cada um
dentro de uma equipe multiprofissional psiquiátrica.
I Congresso
Mineiro de Psiquiatria - Araxá, 26 a 29 de junho de 1970.
Apresentação da conclusão de debates de comissão de temas
específicos. Da esquerda para a direita: Vicente Santos Dias
(fazendo a apresentação), Arlindo Pimenta, Antônio Carlos Corrêa,
Prof. Clovis Salgado, Jorge PaprockI e José Raimundo Lippi.
Apresentação da conclusão de debates de comissão de temas
específicos. Da esquerda para a direita: Vicente Santos Dias
(fazendo a apresentação), Arlindo Pimenta, Antônio Carlos Corrêa,
Prof. Clovis Salgado, Jorge PaprockI e José Raimundo Lippi.
I Congresso Mineiro de Psiquiatria: da esquerda para a direita: Rodrigo Teixeira de Salles (apresentando um relatório), Antônio Carlos Corrêa, Fernando Megre Velloso, Joaquim Afonso Moretzsohn. |
I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Grupo de trabalho. Da esquerda para a direita: Antônio Leite Rangel, congressista não identificado, idem, Antônio Carlos Corrêa e Sebastião Abrão Salim. |
I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Da esquerda para a direita: prof. Wassili Chuc (Goiânia), Antônio Carlos Corrêa, Fernando Megre Velloso, Joaquim Affonso Moretzsohn. |
Entretanto, as
divisões dentro da psiquiatria mineira persistiam. Em junho de 1971, o grupo do
HGV, mais uma vez tendo Paprocki à frente, organizou o II Congresso Mineiro de
Psiquiatria, no Hotel Glória, de Caxambu. Foi praticamente uma sequência do
anterior, com uma temática muito próxima. Houve avanços na definição de papéis,
no aprimoramento dos métodos de ensino da psiquiatria, no desenvolvimento de
pesquisas clínicas e psicofarmacológicas, na interlocução com as especialidades
a ela ligadas e o tema sempre presente: da equipe interdisciplinar.
Em 1968, havia sido criada pelo Governo Israel Pinheiro, a Fundação
Estadual de Assistência Psiquiátrica (FEAP), baseada na Lei 4.953, de 25 de
setembro de 1968 e, pelo Decreto 11.531, de 12 de dezembro de 1968. Era
Secretário de Saúde o prof. Clóvis Salgado da Gama (1906-1978), grande médico e
político. Seu presidente foi Fernando Megre Velloso e o Superintendente Geral
Jorge Paprocki. A FEAP congregava os cinco hospitais psiquiátricos do Estado (Instituto Raul Soares, Hospital Galba Velloso, Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, Hospital Colônia de Barbacena, Hospital Colônia de Oliveira e o Ambulatório Central). Todos eram encarregados de continuar prestando assistência psiquiátrica pública no Estado de Minas Gerais e de exercer atividades relativas à higiene mental, ao ensino e à pesquisa. Na ocasião, Eunice Rangel assumiu a direção do HGV. Essa decisão
de se criar fundações decorreu das enormes dificuldades de
administração simultânea de diferentes
instituições estaduais de saúde, sem a centralização do gerenciamento. Isso implicava em enormes custos, pulverizados pelas
diversas instituições. Objetivava-se, também, a melhor utilização dos recursos materiais e humanos
já existentes. O sistema anterior passara a se
tornar inviável financeiramente para o estado. Foram criadas diversas fundações
no período, tanto na área médica quanto em outras áreas da administração
estadual. Essas mudanças deram origem à Fundação Hospitalar do Estado de Minas
Gerais (FHEMIG).
Com a criação da FEAP, e com a experiência adquirida na década de 1960 no HGV, iniciou-se uma série de atividades que repercutiram nas atitudes e na situação dos hospitais em Minas Gerais. Dentre elas posso citar: a- racionalização de trabalho que procurou organizar os hospitais dentro de modernas técnicas de administração hospitalar; b- levantamento sócio-econômico de pacientes e familiares, numa tentativa de promover uma maior participação dos mesmos nos tratamentos; c- promoção de convênios com institutos de previdência, organismos para-estatais e prefeituras de municípios; d- convênios com hospitais de clínica, laboratórios e bancos de sangue, para que o paciente psiquiátrico pudesse ser recebido e tratado concomitantemente, quando fosse o caso; e- divulgação e sensibilização da comunidade, órgãos públicos e o meio médico psiquiátrico quanto à necessidade de tratamentos mais humanos e modernos; f- promoção do meio psiquiátrico no sentido de uma compreensão integral do paciente; g- foram envidados esforços para que cada hospital funcionasse dentro dos objetivos para os quais foi criado, ou seja, hospitais de agudos dando assistência a casos agudos, hospitais de crônicos a casos crônicos, etc.; h- foram criadas unidades de pensionistas em hospitais de agudos e reestruturação de unidades de pensionistas em hospitais de crônicos; i- foram criadas equipes multiprofissionais para o atendimento aos pacientes; j- foi dada grande ênfase ao ensino e à pesquisa.
Pode-se ver que a FEAP, apesar de diversas falhas, se antecipou em quase uma década às proposições de humanização do tratamento psiquiátrico, incluiu técnicas modernas psicofarmacológicas, psicoterápicas, psicossociais e inclusivas de tratamentos psiquiátricos, reduziu o tempo de internamento dos pacientes, estimulou amplamente o estudo clínico, a pesquisa e a publicação de trabalhos científicos, estimulou o trabalho feito por equipes multiprofissionais, o que, mesmo com o corporativismo de certos grupos, chegou próximo a um trabalho de interdisciplinaridade, iniciou o processo de desospitalização e o encaminhamento dos pacientes psiquiátricos para ambulatórios e outras instituições sociais, com a sensibilização das famílias para acolhimento e continuação adequada dos tratamentos a domicílio. Se os resultados não foram melhores, é preciso que se leve em conta o contexto sócio-político de então, as dificuldades financeiras na promoção e incremento de métodos mais eficientes de tratamento, de métodos de gestão mais modernos na área de saúde, pois tudo era muito incipiente, de preparação mais refinada do staff clínico e administrativo e, não posso deixar de citar, das dificuldades quase insuperáveis provocadas pela competição, pelo ciúme e pelas políticas, não muito sagradas, de bastidores. Indiscutivelmente, o legado deixado pela experiência do HGV, particularmente pelo papel representado por Jorge Paprocki na abertura de novos horizontes para a psiquiatria mineira, foi, se não o maior fator de crescimento, um dos mais importantes desta especialidade, na história da psiquiatria mineira. Não é exagerar, ou fazer um discurso laudatório sem bases em evidências, mas posso afirmar, com segurança, que a psiquiatria mineira pode ser dividida em duas épocas: antes e depois de Jorge Paprocki.
Com a criação da FEAP, e com a experiência adquirida na década de 1960 no HGV, iniciou-se uma série de atividades que repercutiram nas atitudes e na situação dos hospitais em Minas Gerais. Dentre elas posso citar: a- racionalização de trabalho que procurou organizar os hospitais dentro de modernas técnicas de administração hospitalar; b- levantamento sócio-econômico de pacientes e familiares, numa tentativa de promover uma maior participação dos mesmos nos tratamentos; c- promoção de convênios com institutos de previdência, organismos para-estatais e prefeituras de municípios; d- convênios com hospitais de clínica, laboratórios e bancos de sangue, para que o paciente psiquiátrico pudesse ser recebido e tratado concomitantemente, quando fosse o caso; e- divulgação e sensibilização da comunidade, órgãos públicos e o meio médico psiquiátrico quanto à necessidade de tratamentos mais humanos e modernos; f- promoção do meio psiquiátrico no sentido de uma compreensão integral do paciente; g- foram envidados esforços para que cada hospital funcionasse dentro dos objetivos para os quais foi criado, ou seja, hospitais de agudos dando assistência a casos agudos, hospitais de crônicos a casos crônicos, etc.; h- foram criadas unidades de pensionistas em hospitais de agudos e reestruturação de unidades de pensionistas em hospitais de crônicos; i- foram criadas equipes multiprofissionais para o atendimento aos pacientes; j- foi dada grande ênfase ao ensino e à pesquisa.
Pode-se ver que a FEAP, apesar de diversas falhas, se antecipou em quase uma década às proposições de humanização do tratamento psiquiátrico, incluiu técnicas modernas psicofarmacológicas, psicoterápicas, psicossociais e inclusivas de tratamentos psiquiátricos, reduziu o tempo de internamento dos pacientes, estimulou amplamente o estudo clínico, a pesquisa e a publicação de trabalhos científicos, estimulou o trabalho feito por equipes multiprofissionais, o que, mesmo com o corporativismo de certos grupos, chegou próximo a um trabalho de interdisciplinaridade, iniciou o processo de desospitalização e o encaminhamento dos pacientes psiquiátricos para ambulatórios e outras instituições sociais, com a sensibilização das famílias para acolhimento e continuação adequada dos tratamentos a domicílio. Se os resultados não foram melhores, é preciso que se leve em conta o contexto sócio-político de então, as dificuldades financeiras na promoção e incremento de métodos mais eficientes de tratamento, de métodos de gestão mais modernos na área de saúde, pois tudo era muito incipiente, de preparação mais refinada do staff clínico e administrativo e, não posso deixar de citar, das dificuldades quase insuperáveis provocadas pela competição, pelo ciúme e pelas políticas, não muito sagradas, de bastidores. Indiscutivelmente, o legado deixado pela experiência do HGV, particularmente pelo papel representado por Jorge Paprocki na abertura de novos horizontes para a psiquiatria mineira, foi, se não o maior fator de crescimento, um dos mais importantes desta especialidade, na história da psiquiatria mineira. Não é exagerar, ou fazer um discurso laudatório sem bases em evidências, mas posso afirmar, com segurança, que a psiquiatria mineira pode ser dividida em duas épocas: antes e depois de Jorge Paprocki.
Os anos difíceis
Em 1971, após três
anos de existência, a FEAP estava em crise. As causas mais importantes baseiam-se em dificuldades de gestão na área de saúde, como já foi dito, uma área muito pouco desenvolvida em Minas Gerais até então. Na
ocasião, a maioria dos membros da equipe do HGV, da década de 1960, já havia
deixado o hospital. Muitos lançaram-se em novos projetos, alguns individualmente, outros em equipes, para atuação em diferentes instituições, onde havia a
perspectiva de melhores oportunidades profissionais. Tal foi o caso da equipe
do HGV que organizou o atendimento clínico do Hospital Espírita André Luiz,
recém-inaugurado. Dela participaram: Marco Aurélio Baggio, César Rodrigues
Campos, Francisco Paes Barreto e Arlindo Carlos Pimenta. Quanto à “turma do
Galba”, ocorreu uma dispersão em massa, comparável a uma verdadeira diáspora.
Muitos deixaram o estado
em busca de novas oportunidades. A maioria aqui permaneceu, formando pequenos
grupos de atuação em equipes de distintos hospitais, clínicas particulares e
nos consultórios. Dentre essas novas iniciativas, incluía-se, pela primeira vez
no estado, o trabalho em uma clínica cujo enfoque era a teoria psiquiátrica pavloviana, a
reflexologia, e dentro dos princípios da escola comportamental em psicologia.
Seus membros eram: prof. Paulo Saraiva, José de Assis Corrêa, Delcir Antônio da
Costa, Vicente Santos Dias e Antônio Carlos Corrêa. Em 1971, a residência de
psiquiatria foi transferida para o Instituto Raul Soares (IRS), também da rede
FHEMIG.
Em novembro de 1970
foi fundada a Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), oriunda do antigo
Departamento de Psiquiatria da Associação Médica de Minas Gerais. Dois meses
após, em janeiro de 1971, ocorreu a primeira eleição para sua diretoria. A
disputa foi acirrada. No páreo estava
César Rodrigues Campos, apoiado por boa parte da “turma do Galba” e, como
adversário político, o prof. Paulo Saraiva, apoiado maciçamente pelos
psiquiatras dos diversos hospitais e clínicas de Minas Gerais. Já havia uma
disputa política pelo poder na entidade psiquiátrica máxima mineira, em função
de seus diferentes enfoques teóricos e práticos. Nos hospitais e clínicas
muitos não adotavam a psicanálise como sua prática profissional. Venceu, por
ampla margem de votos, o prof. Paulo Saraiva. Iniciava-se aí o “racha” na
psiquiatria mineira, aumentando as distâncias entre diferentes orientações
teóricas e práticas. Tal cisma persiste, mais atenuado, até os tempos atuais.
Em fins de 1971, Jorge
Paprocki deixou a direção da FEAP, num rompimento com Fernando Megre Velloso,
até hoje não bem esclarecido. No ano seguinte, em 1972, Paprocki, já desligado
de suas atividades médicas no serviço público, associou-se a Luis Bustamante e
fundou o Grupo de Estudos de Psicofarmacologia Clínica, de longo e profícuo
trabalho.
Pode-se
identificar, no início de 1971, a grande divisão entre os psiquiatras mineiros.
De um lado estavam aqueles que se mantinham dentro de uma linha clínica, em que
a tônica dos tratamentos era a psicofarmacologia, as terapias biológicas, sem excluir
as diversas técnicas psicoterápicas, que muito variavam de
profissional para profissional. Esse grupo
mantinha-se atento ao que surgia de mais atualizado no contexto internacional
das pesquisas clínicas e farmacológicas em psiquiatria. Do outro lado,
capitaneados por Francisco Paes Barreto, César Rodrigues Campos, Ronaldo Simões
Coelho, Antônio Simone e outras lideranças psiquiátricas, jovens residentes,
estudantes, psicólogos e profissionais das mais diversas áreas afins à
psiquiatria, congregavam-se em torno das
teorias antipsiquiátricas de Thomas Szasz, David Cooper, Ronald Laing, Silvano Arieti
e Franco Basaglia. Esses movimentos se iniciaram nos Estados Unidos no fim da
década de 1950, quando passaram a criticar abertamente a psiquiatria
tradicional, com seus métodos de diagnóstico, tratamentos ambulatoriais e em
hospitalização. A psiquiatria era comparada aos métodos medievais de tortura e
coerção. O diagnóstico era considerado um rótulo artificial pespegado no
paciente a fim de segregá-lo da sociedade, já que, na verdade, ele não era um
doente mental, mas sim um dissidente, pessoa portadora de um pensamento, uma
voz e um comportamento dissonantes, que não estava em conformidade com as
normas sociais. O psiquiatra não passava de um herdeiro moderno dos velhos
inquisidores dos tempos medievais. Nesta amálgama de teorias acrescentou-se a
prática psicanalítica baseada nas teorias de Jacques Lacan. Tudo isso originou um
misto de teorias sociais, psicológicas, psicanalíticas, antimanicomiais,
antipsiquiátricas, com forte tempero ideológico e político-partidário.
Durante oito anos
houve um relativo silêncio da psiquiatria mineira no intervalo entre o segundo
e o terceiro congressos. Poucos foram os eventos aqui
sediados, mas se manteve a quantidade e a qualidade das publicações científicas
mineiras, em particular o elevado número de trabalhos publicados por Paprocki. Dos
poucos eventos ocorridos em Minas no período, destaca-se o II Congresso
Brasileiro de Psiquiatria, patrocinado pela ABP e presidido por Fernando Megre
Velloso, ocorrido em Belo Horizonte, em 1972. Velloso foi presidente da ABP no
período 1971-1973. Também foi presidente da Associação Médica Brasileira logo após deixar a ABP.
Entretanto, as dissenções entre os psiquiatras mineiros foram evoluindo
e chegaram a um ponto decisivo quando, em 1979, ocorreu o III Congresso Mineiro
de Psiquiatria. A residência de psiquiatria da antiga FEAP, agora FHEMIG,
completara dez anos. Os preceptores, cuja formação ocorrera no HGV dos anos 60 e
outros, oriundos de variadas instituições e com visões diferentes da
psiquiatria, foram deixando a residência, descontentes com os rumos que a mesma
vinha tomando. O congresso, preparado com bastante antecedência, esteve
ancorado numa ampla campanha midiática contra os hospitais psiquiátricos e os
métodos tradicionais da clínica psiquiátrica. Havia denúncias de todo tipo: a ECT
foi escolhida como mote para a denúncia dos “bárbaros métodos medievais de tortura”
de pacientes psiquiátricos. A psicofarmacoterapia estaria a serviço do grande
capital estrangeiro, imposto pelas potências imperialistas hegemônicas a um
país de Terceiro Mundo, como o Brasil, com o fito exclusivo do lucro
exorbitante e o embrutecimento mental daqueles dissidentes sociais que faziam
uso desses fármacos. O objetivo da psiquiatria tradicional seria a criação de autômatos
que permitissem, mais facilmente, o domínio capitalista sobre os dissidentes. Propunham
uma “psiquiatria democrática”. O congresso foi programado não somente para a
participação de profissionais e estudantes da área de saúde, mas também para
aqueles de áreas não médicas e ainda ao público em geral. Seria isso também uma
forma de “democratizar o saber psiquiátrico”. Uma série de reportagens
intitulada “Nos Porões da Loucura”, do jornalista Hiran Firmino, no diário “O
Estado de Minas”, e um filme do cineasta Helvécio Ratton, intitulado “Em Nome
da Razão”, contribuíram enormemente para preparar o terreno ideológico do
congresso. Este teve a participação de
duas das maiores estrelas de primeira grandeza do movimento antipsiquiátrico
internacional, o italiano Franco Basaglia, e o francês Robert Castel, que deram
grande notoriedade ao evento. Numa grande tirada de marketing, Basaglia foi filmado
nos corredores do IRS, apontando para as portas de ferro de uma das
enfermarias, e denunciando o local como sendo um grande centro de
torturas, de desumanização, de encarceramento. O impacto junto ao grande
público, como não poderia deixar de ser, foi enorme, dando origem a forte
rejeição por parte da população à psiquiatria tradicional. Começava aí, também, a Luta Antimanicomial, movimento
feroz de desospitalização,
eivado de doutrinação político-partidária e ideológica.
Embalado pelos
ventos soprados da década de 1960, e após esses acontecimentos , o governo do estado,
através da Secretaria de Saúde e da direção geral da FHEMIG, iniciou um Projeto
de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Pública. Começou no IRS, estendeu-se
ao HGV, ao Centro Psicopedagógico (antigo Hospital de Neuropsiquiatria
Infantil) e ao Hospital Colônia de Barbacena (HCB), que se tornaria Centro
Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB). Tais medidas, sem dúvida alguma, contribuíram para a humanização do atendimento aos pacientes, ao adotar uma política mais
restrita de hospitalizações, menor tempo de
permanência, o redirecionamento do modelo assistencial, melhora na abordagem e na assistência ao paciente. Quem conheceu
o antigo HCB sabe das terríveis condições de vida a que eram submetidos os
pacientes. Muitas vezes nus, mal alimentados, andando a esmo pelos pátios, sem
receber medicamentos adequados e sem qualquer outra forma de assistência
psiquiátrica, marcava a todos, indelevelmente, com sua imagem dantesca. Qualquer
semelhança com um campo de concentração nazista ou comunista não é mera
coincidência. Contudo, é importante se ressaltar que, muito antes do surgimento dos movimentos antimanicomiais
e das lutas da antipsiquiatria, já havia uma
tendência mundial progressiva no sentido de reduzir os internamentos
hospitalares, dada à revolução nos
tratamentos psiquiátricos com o progresso da psicofarmacologia, dos métodos psicoterápicos,
socioterápicos e das neurociências que engatinhavam. Com a introdução da clorpromazina no tratamento de
distúrbios mentais, em 1952, houve uma verdadeira revolução na medicina. O movimento
de humanização da psiquiatria mineira, no sentido de acabar com os antigos
manicômios e transforma-los em hospitais, fazendo com que o tratamento dos
pacientes ocorresse em bases médicas e humanitárias, já ocorria desde a década
de 1960 e se acelerou após os eventos de 1979. As estatísticas da Organização
Mundial de Saúde apontavam para uma progressiva queda nas hospitalizações,
queda esta que continua até os dias atuais, com a utilização de medicamentos de
última geração. Assim, se a luta antimanicomial representou papel positivo nessa
humanização do atendimento ao paciente psiquiátrico, deve-se reconhecer o
decisivo papel representado pelos avanços sociais e da ciência.
A redução do número
de leitos hospitalares psiquiátricos se, por um lado, revelou a faceta positiva
do avanço da medicina e das intervenções psicossociais, também revelou seu lado
negativo ao expor uma profunda lacuna no atendimento à população, quando não
foi mais disponibilizado aos pacientes locais adequados para o tratamento com
mais segurança e eficácia. A redução dos leitos e a
humanização psiquiátrica foram conquistas que poderiam ter sido realizadas sem
o alarde antipsiquiátrico, com motivação claramente político-partidária, que
caracterizou o fim da década de 1970 e toda a década de 1980, o que prejudicou visivelmente
o trabalho sério de muitos profissionais e equipes multidisciplinares.
Apesar dos
percalços, houve grandes manifestações científicas e culturais entre nós,
algumas de vulto. Para suprir a carência na promoção de eventos com temática
mais científica e atualizada, os diversos hospitais psiquiátricos, através de
seus Centros de Estudos, promoviam periodicamente palestras, conferências,
mesas redondas, painéis e debates sobre os mais variados temas das áreas da
psiquiatria, neurologia, psicologia e afins. É de se ressaltar a atuação do
Centro de Estudos Cícero Ferreira, da Casa de Saúde Santa Clara, um dos mais
importantes e atuantes do período. Os eventos foram inúmeros e estiveram à
frente de tais atividades científico-culturais Hélio Tavares Filho e Sylvio
Magalhães Velloso. Havia ali um caldeirão de cultura em ebulição.
Não ficava atrás
também o Centro de Estudos Austregésilo de Mendonça, da Casa de Saúde Santa
Maria, onde, da mesma forma, os eventos científico-culturais eram quase
quinzenais. Aí pontificavam os prof. Clóvis de Faria Alvim e Paulo Saraiva, figuras
honoráveis da psiquiatria mineira. O prof. Austregésilo de Mendonça reunia em
torno de si personalidades ilustres, que faziam apresentações sempre relevantes.
A ciência não permaneceu morta nesses anos difíceis entre nós.
Merece uma referência especial o Departamento de Neurologia e
Psiquiatria da FMUFMG. Fundada em 1911, a Faculdade de Medicina teve, durante
toda a primeira metade do século XX, uma destacada atuação no mundo científico
psiquiátrico de Minas Gerais e participou ativamente na elaboração de suas
políticas públicas de saúde mental. Era um centro de referência no ensino e
pesquisa da neuropsiquiatria clássica (organicista) de orientação
franco-germânica. Não focarei neste período que foge ao escopo deste nosso
trabalho. A partir de 1963, seu coordenador era o prof. Hélio Durães Alkmim, que
deixara a direção do Hospital Galba Velloso para assumir este cargo na
Faculdade de Medicina. Ele completara sua
especialização em neurologia e psiquiatria na Northwestern University, em
Chicago, EUA, entre 1953 e 1958. Foi íntimo colaborador de Helena Antipoff, na
Fazenda do Rosário, Ibirité, onde se destacou pelas suas excepcionais
habilidades de educador e médico voltado para as questões psicológicas e
sociais das crianças excepcionais. Trabalhara também na 3ª. enfermaria do Instituto
Raul Soares. Participou, em 1959, da fundação da Clínica Nossa Senhora de
Lourdes, quando ofereceu atendimento psiquiátrico “opendoor”, antecipando-se a Jorge Paprocki, no Hospital Galba Velloso, em 4 anos.
Conheci o prof. Hélio Alkmin, em 1964, quando, ainda calouro na Faculdade de
Medicina, eu e alguns colegas de turma já havíamos nos decidido pela
psiquiatria como especialidade médica. Assistíamos às aulas do 5º. ano como
“intrusos”, no 7º. Andar do Hospital das Clínicas. Uma dessas aulas tornou-se
memorável, entrando para os anais do HC-UFMG, quando ele surpreendeu a todos,
inclusive seus colegas de magistério, que de nada sabiam, com a encenação de um
verdadeiro psicodrama, ao convidar o prof. Jairo Bernardes, recém-chegado de
uma pós-graduação nos Estados Unidos, para ministrar uma aula sobre ansiedade
no tempo predeterminado de 10 minutos. Não é preciso imaginar muito para se
perceber que, em 10 minutos, é impossível alguém dar uma aula minimamente
razoável sobre ansiedade. A emoção ansiosa gerada em todos pelos atropelos
verbais do professor, falando português com sotaque norte-americano, vestindo-se à americana, cabelo à escovinha segundo a moda americana, obrigado a falar numa rapidez tal e usando de uma síntese
constrangedora, que a temperatura subiu na plateia, gerando discussões
acaloradas ao seu término. Alkmin havia combinado, antes da aula, com um determinado grupo de alunos, não importa o que o professor Jairo dissesse, que o grupo iria criticá-lo de forma incisiva. Com outro grupo de alunos ele fez o mesmo, só que esse grupo iria defender as idéias e a aula do professor, custe o que custasse. Nenhum grupo sabia da existência do outro. Havia um terceiro grupo, o da turma pacificadora. No auge da ebulição das discussões entre os diversos grupos, com debates que quase deslisavam para o embate físico, estando o nível de adrenalina elevadíssimo (as freiras que administravam o HC saíram da sala neste momento, pois não aguentaram o nível do estresse criado) é que o prof. Alkmin tomou da palavra. Relatou, então, uma experiência real e ao vivo do que é a ansiedade, experimentada por todos e aprendida na prática. Explicou também que a ansiedade fora aprendida por todos sob a forma de psicodrama. Foi um alívio geral e, entre risos e aplausos, tudo acabou bem. Hélio Alkmim, além de certa mística pessoal que o acompanhava, cercava-se de excelentes
professores-assistentes, dentre os quais posso assinalar o já citado Jairo
Bernardes, falecido precocemente de acidente automobilístico poucos anos
depois, Sebastião Abrão Salim, Evandro Negrão de Lima e José Carlos Câmara. A
tônica da disciplina de psiquiatria da FMUFMG era uma psiquiatria dinâmica,
baseada em conceitos da escola culturalista norte-americana, predominante nas
décadas de 1950/60, com forte influência da psicanálise, particularmente de Harry
Stack Sulivan, Karen Horney, Erich Fromm, Clara Thompson, Frieda Fromm-Reichman
e ainda da antropologia cultural de Margaret Mead, Ruth Benedict e do renomado
neuropsiquiatra Willian Allanson White. Parte dessa equipe
permaneceu no departamento até meados da década de 1980.
Além de mencionar a
atuação de entidades e hospitais mineiros, cumpre destacar a atuação de alguns
profissionais durante este período. Dentre eles, cito o trabalho ingente e
profícuo do prof. José Raimundo da Silva Lippi, desde a década de 1970 até a os
dias de hoje. Ao lado de José Carlos Pires Amarante, falecido precocemente em
1970, de acidente automobilístico, Lippi foi um dos fundadores da psiquiatria infantil
em Minas Gerais. Destacou-se tanto em nosso estado como em todo o Brasil. Foi
um dos organizadores e um dos primeiros presidentes da Associação Brasileira de
Neuro-Psiquiatria Infantil (ABENEPI). Foi diretor do Hospital de Neuro-Psiquiatria
Infantil e contribuiu na formação e organização de diversas entidades e
instituições psiquiátricas voltadas para o atendimento da infância e
adolescência. Até o presente momento, tem Lippi formado sucessivas gerações de
psiquiatras da infância e adolescência, todos de grande competência
profissional e ilibada conduta ética. Dentre eles, deve-se ressaltar os
seguintes: Lélio Marcio Dias, José Carlos Luz Martins, Marcia Veiga Lima, Maria
Goretti Penna Lamounier, Walter Camargos, Marcio Candiani e outros. Lippi é
merecedor de toda a consideração e o respeito de seus pares.
A partir do final da década de 1970, observou-se uma tendência, entre os
profissionais mais experientes e talentosos, a adoção de uma prática clínica e
psicoterápica mais eclética, não subserviente aos parâmetros rígidos das
escolas e teorias, onde a
personalidade, a boa formação teórica e prática do terapeuta, sua experiência e
bom senso, lhes permitiam realizar um trabalho proficiente e respeitado.
Outra importante
vertente da psicanálise, com profundas ramificações na psiquiatria, originou-se,
em 1963, com a vinda para Belo Horizonte de Malomar Lund Edelweiss, sacerdote e
profundo interessado por psicanálise. Este viera de Pelotas, onde havia sido
diretor da Faculdade de Filosofia, quando fundou o Círculo Brasileiro de
Psicanálise (CBP), em 1956. Malomar havia se submetido a análise com Igor
Caruso, em Viena, na primeira metade da década de 1950. Igor Caruso era um
italiano que emigrara para a Rússia e, depois, para Viena, Áustria, antes da II
Guerra Mundial, onde havia se submetido a análise com August Aichhorn, em 1943.
Este era um discípulo e próximo de Freud. Malomar, no período de 1944/45,
também havia se submetido a análise com Viktor von Gebsattel, importante nome
da psiquiatria e psicanálise alemãs, expoente da fenomenologia
genético-estrutural. Gebsattel, por sua vez, havia sido analisado por Paul
Federn, da primeira geração de psicanalistas surgida com Freud. A convite de
Malomar, Igor Caruso veio diversas vezes ao Brasil, contribuindo para a
expansão de sua orientação teórica em nosso País.
Nas décadas de 1990/2000 também integraram o corpo docente do Departamento: José Lorenzato de Mendonça, Juarez de Oliveira Castro, Mario Villefort de Bessa, Maurício Viotti Daker, Almir Tavares Júnior, José Carlos Cavalheiro da Silveira, Eduardo Antônio de Queiroz e Betty Liseta de Castro Pires.
Aqui estão relacionados todos os residentes do HC-UFMG no período 1986-2006: 1986 - Adão Edson Dayrell, Angélica Braga Stheling Portela, Antônio Márcio Morelli, Fátima Sueli Cioffi de Oliveira. 1987 - Márcia Teixeira de Freitas, Oswaldo França Neto, Roseane Barros Petrucci Falcão, Saulo Cançado Magalhães Ribeiro, Watson Helvécio Freitas de Queiroz, Sérvulo Santos de Oliveira. 1988 - Cláudia Regina Faria Felicíssimo, Emerson Ribeiro dos Santos, Glauco Correa de Araújo, Sotírios Theophane Pegos, Simone Cláudia Facuri Lopes, Paulo José Teixeira. 1989 - Juliana Rodrigues Cunha Teixeira, Humberto Figueiredo do Nascimento, Karla Vanessa Souza Soares, Luisa de Marillac Nilo Terroni, Luzmarina Morelo. 1990 - Frederico Martins Machado, Denilson Cavalcante Pinto, Marcelo Quintão e Silva, Patrícia Costa de Amorim. 1991 - Ana Paula Souto Melo, Carlos Reif Miranda, Fernando Casula Ribeiro Pereira. 1992 - Adriana Braga de Andrade, Eva Missine. 1993 - Humberto Correa da Silva, Maria Flávia de Mourão, Sérgio Caffaro Almeida. 1994 - Adriane Rooke Ribeiro, Fernando Madalena Volpe, Heloisa Andrade Maestrini, Junea Luiza Rodrigues de Paula Chiari. 1995 - Ana Cristina Bittencourt Fonseca, Frederico Porto Fonseca Theodoro, Jussara Mendonça Alvarenga. 1996 - Anna Karla Rocha Santanna, Carmelita Magalhães Nunes, Cíntia Satiko Fuzikawa, Flávia Fernandes Dias, João Luiz Pinto Coelho, Rodrigo Nicolato. 1997 - Érico de Castro e Costa, Fernando José Loureiro, Luis José de Lima, Sérgio de Figueiredo Rocha. 1998 - Antônio Lúcio Teixeira Jr., Fabiano Gonçalves Nery, Henrique Alvarenga da Silva, Rodrigo Barreto Huguet. 1999 - Adriana Camello Teixeira, Fátima Darlene Martins Rocha Guilherme Assumpção Dias, Luciana Vale Cipriano, Silas Prado Souza, Marco Aurélio Romano Silva, Ramon Cosenza. 2000 - Cléber Naief Moreira, Cristina Peixoto Jardim, Ester Assumpção Dias, Leandro Augusto Paula da Silva, Mariany Souza Gomes. 2001 - Adauto Silva Clemente, Alessandro da Silveira, João Vinícius Salgado, Luis Augusto dias Malta, Hugo Alejandro Cano Prais. 2002 - Jovana Sério Veiga Lima, Oscar José Grossi Santiago Lima, Robson Kazunori Tokuda, Rosana Fortes Zschaber Marinho. 2003 - André Luiz Nunes, Bruno Copio Fábregas, George Augusto Guimarães Lodi, José Mauro Barbosa Reis, Helbert Antoniazi Salem Campos. 2004 - Carla Fonseca Zambaldi, Fabrício Meyer Godoy, Janaína Matos Moreira, Eduardo Guimarães Ferreira, Júlio Santa Rosa da Silveira. 2005 - Fernando Machado Vilhena Dias, Frederico Duarte Garcia, Leonardo Freitas e Silva, Priscila de Siqueira Ramos, Vinicius Expedito Martins Gomes. 2006 - Felipe Filardi da Rocha, Flávia Mello Soares, Karla Cristhina Alves Souza, Pedro Braccini Pereira, Renata Cristiane Marciano.
Um desses nomes foi indiscutivelmente
o de Nasser Zacharias Alves. Graduado em medicina pela FMUFMG, em 1963,
possuidor de vasta cultura médica e geral, falando fluentemente o alemão,
Nasser manteve contatos na Alemanha, para onde logo se mudou. Doutorou-se em
medicina na Universidade de Heidelberg e também em neurociências e
comportamento nas Universidades de Lausanne e Basiléia, na Suíça. Tornou-se
amigo de Kurt Schneider, com quem mantinha permanente correspondência, quando
voltou ao Brasil. Em Belo Horizonte manteve, durante anos, seu consultório
particular bastante concorrido, por sinal. Profundo conhecedor das obras da
fenomenologia alemã de Kurt Schneider e Karl Jaspers, do suíço Jacob Wyrsch e do
espanhol Juan José López Ibor, ele era também psicoterapeuta eclético, quando
utilizava técnicas e teorias que julgava úteis para cada paciente. Não era
seguidor de nenhuma escola em particular, mas se baseava nos conceitos médicos
até então conhecidos, aliados aos seus conhecimentos das distintas técnicas
psicoterápicas então utilizadas. Como fosse profundamente católico, tinha
também laços intelectuais e espirituais com o filósofo, teólogo e padre ítalo-germânico
Romano Guardini (1885-1968), de grande influência nos meios cristãos e
intelectuais de então. Nasser Zacharias Alves influenciou um grande número de
psiquiatras mineiros, até hoje atuantes em clínicas e instituições de nosso
estado. Faleceu ele, precocemente, aos 47 anos, em 1986, em Campinas, para onde
se mudara, após mais uma estada na Alemanha.
Teve grande
notoriedade na psiquiatria de Belo Horizonte, no final da década de 1960 e na
de 1970, o prof. Santiago Americano Freire, professor titular de farmacologia e
terapêutica experimental na FMUFMG.
Muito interessado pelo estudo da mente, Santiago teve consultório particular
com vasta clientela em Belo Horizonte. Muito interessado por artes, e também um
estudioso no tema, escreveu um livro sobre a filosofia matemática nas pinturas
de Leonardo da Vinci, obra de rara beleza estética. Publicou também alguns
livros na área psiquiátrica ressaltando-se uma técnica própria de enfoque à
psicoterapia, intitulado Neurosanálise,
impresso em 1977.
Outra experiência
marcante do período foi a da Clínica Boa Esperança, em Belo Horizonte, dirigida
por Armando Leite Naves e voltada para a “psiquiatria alternativa”. Além dos
tratamentos psiquiátricos tradicionais, a clínica utilizava, com frequência, de
métodos de hipnose e dos “sensitivos”, isto é, de pessoas com poderes ditos
paranormais e extrassensoriais, para o alívio dos sintomas dos pacientes. Entre
os profissionais que ali trabalharam estão: Neide Garcia de Lima, Luiz Augusto
Ribeiro e Paulo de Lima Garcia.
Galeno Procópio Alvarenga, professor de Psicologia Médica na FMUFMG, também foi um profissional de grande respeito e cultura. Polemista, gostava de encarar uma boa discussão sobre temas psiquiátricos, médicos, psicológicos e de áreas afins.
Galeno Procópio Alvarenga, professor de Psicologia Médica na FMUFMG, também foi um profissional de grande respeito e cultura. Polemista, gostava de encarar uma boa discussão sobre temas psiquiátricos, médicos, psicológicos e de áreas afins.
Psiquiatria e psicanálise
Não se pode descrever a história da psiquiatria em Minas Gerais sem um
levantamento histórico da relação entre a psiquiatria e a psicanálise entre
nós. Um dos pioneiros da psicanálise em Minas é Sebastião Abrão Salim. Logo
após se graduar em medicina pela UFMG, em 1963, e se tornar professor no Departamento de
Psiquiatria e Neurologia da FMUFMG, no ano seguinte Salim interessou-se em
fazer sua análise pessoal, segundo o modelo da IPA (International
Psychoanalytic Society), de orientação freudiana e herdeira da sociedade
fundada por Freud e vários de seus discípulos, em 1910. Não encontrando em
Minas Gerais profissionais qualificados para a prática deste modelo
psicanalítico, Salim submeteu-se a análise com psicanalistas do Rio de Janeiro
e São Paulo durante anos, ao mesmo tempo em que ministrava aulas de
psicoterapia analítica no Departamento de Neurologia e Psiquiatria da FMUFMG.
Completou sua formação como psicanalista, pela Sociedade Psicanalítica do Rio
de Janeiro, em 1989, quando se tornou membro associado da mesma. Trabalhou
muito para criar em Minas um núcleo de estudos psicanalíticos, já que não havia
suficientes profissionais para a criação de uma sociedade psicanalítica. Após
trinta anos de trabalho ingente, Salim e um grupo de psicanalistas, dentre os
quais se destacam os psiquiatras Sergio Khedy e Flávio José de Lima Neves, conseguiram
oficializar o Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte, sob a coordenação da
Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, filiada à IPA, em 1993. Alguns anos
mais tarde, em 2008, o grupo foi admitido como “Study Group” da IPA, com a
denominação de Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais (GEPMG), com a
supervisão direta da entidade internacional. Este dinâmico grupo permanece
atuante e se mantem publicando trabalhos sobre psicanálise e envolvido na
formação de novos membros.
Igor Caruso, além de prolífico escritor, desenvolveu um conceito teórico
eclético no qual procurava conciliar a psicanálise com outras correntes do
pensamento e com a religião cristã. Fundou uma sociedade psicanalítica em
Viena, dissidente da IPA, que abrigava pessoas de variadas orientações como a
psicologia analítica e existencial, psicologia genética, etologia,
antropologia, filosofia e outras áreas, que compunham um todo eclético variado.
Mais tarde, aproximou-se das teorias de autores da Escola de Frankfurt (Adorno,
Horkheimer, Fromm, Marcuse, Ernest Bloch, Norman Brown, Sartre). Também fez uma
ponte entre Sigmund Freud e as ideias de Marx, Engels, Lukács, Reich, Gabel,
Gorz e outros marxistas, aproximando-se, assim, do materialismo dialético e se
distanciando da religião cristã. A sociedade criada por ele em Viena recebeu o
nome de Círculo Vienense de Psicologia Profunda. Quando Malomar fundou sua
primeira sociedade psicanalítica no Brasil, em Belo Horizonte, ela recebeu o
nome de Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, com a
colaboração de seus analisandos. Posteriormente, este grupo se filiou à
Sociedade Brasileira de Psicologia Profunda. Em 1966, foi criada a Federação
Internacional de Círculos de Psicologia Profunda. Em 1970, o Círculo Brasileiro
de Psicologia Profunda passou a se chamar Círculo Brasileiro de Psicanálise,
com filiadas em diversos estados, incluindo o Círculo Psicanalítico de Minas
Gerais.
Inicialmente, os psiquiatras mineiros opuseram grande resistência ao
trabalho de Malomar Lund Edelweiss em Belo Horizonte. Isso em decorrência do
fato de não ser o Círculo de Psicologia Profunda filiado à IPA. Esta sempre
fora uma entidade extremamente rígida, que mantinha suas orientações freudianas
dentro de princípiosrigorosos. Com o passar do tempo, diversos psiquiatras e médicos de
outras especialidades se interessaram em submeter-se à análise pessoal e, mais
tarde, fazer formação em psicanálise. O primeiro grupo em formação era composto
por: Djalma Teixeira de Oliveira, Jarbas Moacir Portela, Elba Duque, Eunice
Rangel, Célio Garcia, Antônio Ribeiro, Elias Hadad e Jorge Paprocki. O Círculo Brasileiro de
Psicologia Profunda, posteriormente Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, teve
uma atividade paralela com a do Hospital Galba Velloso. Jorge Paprocki, sendo
um dos analisandos em formação com Malomar, foi um dos que mais incentivava o
grupo do hospital a fazer sua formação psicanalítica. Em sucessivos períodos,
novas turmas de analisandos foram se incorporando à instituição, englobando
algumas gerações de psicanalistas mineiros. Em seus 51 anos de vida, conta o
Círculo hoje com um enorme grupo de afiliados que torna a instituição uma das
mais tradicionais e respeitadas no Estado.
Entretanto, no início
da década de 1970, a estrutura burocrática do Círculo foi se aproximando
daquela do IPA, na qual somente os analistas didatas poderiam se candidatar ao
cargo de presidente e submeter candidatos às sessões de análises formais. Os
sócios estavam insatisfeitos com a concentração de poderes nas mãos de Malomar
e do grupo próximo de analistas didatas, todos pertencentes ao primeiro grupo
formado, já citado acima. A esta altura o Círculo já contava com um
considerável número de profissionais afiliados, psiquiatras e psicólogos. Havia
uma clara demanda por democratização das decisões e mudança das normas para que
temas não diretamente ligados à teoria freudiana pudessem ser apresentados e
debatidos, e para que as eleições para cargos da diretoria incluíssem
não-didatas. Essas reivindicações somente foram concretizadas na década de
1980, quando o poder de Malomar e dos membros didatas foi distribuído de forma
mais democrática. Coincidia esse período com a redemocratização do País, que
encerrava gradativamente um longo período de ditadura militar e ausência de
liberdades democráticas nas instituições brasileiras. Desde essa época, o
Círculo não exige mais das pessoas interessadas em se submeter a sua análise
pessoal, e ter sua formação psicanalítica, que sejam psiquiatras ou psicólogos.
Diversos profissionais da área de saúde, humanas ou outras, puderam, assim, ser
admitidos para análise e, caso cumprissem as metas exigidas, assumir o título
de psicanalistas.
Mais ou menos por essa época, outra dissidência surgiu no seio do
Círculo, desta vez em decorrência das idéias de Jacques Lacan que passaram a
contar com um número considerável de adeptos. Houve uma releitura das teses
freudianas segundo o diapasão da linguística de Saussure, de Jakobson e Benveniste,
da antropologia estrutural, de Lévi-Strauss. Ocorreu um verdadeiro cataclisma
nas hostes psicanalíticas e psiquiátricas em Minas Gerais. Seu mentor,
inicialmente, foi Célio Garcia, psicólogo, professor da UFMG, que havia tido
contato antes com Lacan, em Paris. Logo foi seguido pelos psiquiatras Francisco
Paes Barreto, Celso Rennó de Lima, Antônio Aureo Benetti e muitos outros. O
espaço teórico do Círculo era pequeno para agrupar a todos. O rompimento foi
inevitável. Surgiram grupos como Escola do Campo Freudiano, Instituto de
Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais, Aleph, Campo Lacaniano e outros.
Todos permanecem atuantes, notadamente com a promoção de fóruns de debates,
cursos e atividades de ensino.
Uma vertente
importante da psicanálise em Minas Gerais é a da escola de Carl Gustav Jung.
Discípulo da primeira geração de Freud, Jung tem deixado traço marcante na
psiquiatria mineira. Um dos expoentes seguidores desta escola, há mais de 40
anos, é o psiquiatra José James de Castro Barros. Sua dedicação à prática da
análise junguiana e formação de terapeutas da psicologia analítica é bem
conhecida por todos. É membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia
Analítica e membro da International Society for Analytical Psychology. Na
década de 1970, o psiquiatra Carlos Alberto Corrêa Salles morou por vários anos
na Suíça onde fez sua análise pessoal e formação analítica no Carl Gustav
Jung-Institut Zürich. Ao retornar ao Brasil, na década de 1980, já como
analista didata, foi o fundador do Instituto
C.G. Jung de Minas Gerais, tendo sido também um dos fundadores da Associação
Junguiana do Brasil, reconhecida pela Associação Internacional. É autor de diversos
livros de importância na área e co-autor de outros tantos. O psiquiatra Alberto
André Delpino de Mendonça é também analista didata junguiano bastante atuante
em Belo Horizonte.
Finalmente, uma das
importantes vertentes da psicanálise em Minas Gerais foi introduzida por Marcio
Vasconcelos Pinheiro, em 1974. Ele fazia clínica médica em Baltimore, Maryland,
Estados Unidos, onde residia desde 1959, quando decidiu abraçar a especialidade
da psiquiatria. Recebeu supervisão do prof. Eugene Brody durante seu período de
residência no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Maryland. Na ocasião,
defrontou-se com uma psiquiatria fortemente influenciada pela psicanálise de
orientação culturalista, dentro da linha de Harry Stack Sulivan e Frieda-Fromm
Reichmann, como visto anteriormente. Trabalhou por 13 anos em hospitais
psiquiátricos, clínicas particulares e consultório, atendendo a todos os tipos
de pacientes psiquiátricos. Os pacientes, incluindo os psicóticos, recebiam
atendimento psicanalítico clássico, submetendo-se a várias sessões de análise
por semana, dentro de um ambiente de comunidade terapêutica, além de técnicas
de socioterapia, ambientoterapia, grupoterapia, como de praxe na época. A
psicofarmacologia era praticamente ignorada e considerada uma “evidência de
psicoterapia não bem feita”. Nas
palavras do próprio Marcio Pinheiro, “acreditava-se que, para fazer
psicoterapia com esquizofrênicos, por exemplo, os melhores terapeutas eram os
que estavam próximos à desordem, com uma sensibilidade especial, de preferência
uma esquizoidia criativa”. Essa orientação perdurou por vários anos, quando, em determinada ocasião, após
tratar uma paciente esquizofrênica por quase um ano, sem resultados, ele
repassou o caso para um colega que imediatamente prescreveu Stelazine. A
melhora da paciente foi rápida e surpreendente. Marcio Pinheiro percebeu, na
ocasião, que a psiquiatria americana passava por fortes mudanças. Da influência
psicodinâmica ela abraçava abertamente uma psiquiatria cada vez mais biológica,
com um aumento considerável na prescrição de psicofármacos. Quando voltou para
Belo Horizonte, em 1974, Marcio Pinheiro, associado a alguns colegas, fundaram
o Centro Psicoterapêutico, no bairro do Carmo,instituição modelada pela psiquiatria psicodinâmica
norte-americana. Havia uma unidade de internamento e um hospital-dia. O sucesso
de seu trabalho foi imediato e uma leva de sucessivos estagiários por lá passou,
recebendo sua influência teórica e prática. Ao mesmo tempo, ele observava que
em Minas Gerais ocorria o contrário dos Estados Unidos: enquanto lá a psicanálise
reduzia, cada vez mais, sua influência sobre a psiquiatria, aqui ocorria
justamente o contrário. Observou que a
velha neuropsiquiatria, de base marcadamente biológica, que ele conhecera antes
de se mudar para a América do Norte, sofrera um forte refluxo dando amplo
espaço para a influência psicanalítica. Só muito mais tarde, constatou ele, a
psiquiatria em Minas Gerais começou uma lenta e progressiva marcha em uma
direção mais biológica, já influenciada pelas neurociências. Marcio de Vasconcelos
Pinheiro marcou época em nossa psiquiatria deixando um exemplo de trabalho que
foi seguido por vários de seus discípulos, entre eles Zuleide Abijaodi e Hélio
Lauar de Barros que, mais tarde, fundaram a Central Psíquica, uma unidade de
atendimento nos moldes que ele trouxera dos Estados Unidos.
A era das neurociências
A influência das neurociências sobre a psiquiatria mineira tardou mas aconteceu. Suas
primeiras manifestações em Minas Gerais datam do fim da década de 1970. Alguns profissionais já utilizavam em suas práticas clínicas conhecimentos advindos da neurofisiologia que se desenvolvera muito nas décadas de 1960/70. No início da década de 1980, surgiu e começou a ser divulgada no Brasil a psiquiatria biológica, decorrente dos avanços da neurofisiologia, da neuroquímica e da neuroanatomia das décadas anteriores. Delcir Antônio
da Costa, associado a psiquiatras mineiros, como João Eduardo Vilela, Vicente
Santos Dias, Ronan Rego, Lúcio Rezende Alves, também em associação a psiquiatras de outros estados, fundou a
Associação Brasileira de Psiquiatria Biológica, em 1983, no modelo da Federação
Internacional de Psiquiatria Biológica, que havia sido criada durante congresso
internacional, em Buenos Aires, em 1974. Desde então, passaram a promover encontros
e congressos nos quais a temática biológica era a tônica. Pouco depois, iniciaram
a publicação da Revista Brasileira de Psiquiatria Biológica, que contribuiu
sobremaneira para a divulgação desta orientação psiquiátrica no Brasil.
Com o avanço
progressivo das neurociências no mundo desenvolvido, uma área científica ainda pouco conhecida e
divulgada em Minas Gerais, uma nova geração de psiquiatras, surgida nas décadas
de 1970 e 1980, se destacou ao injetar sangue novo no ambiente psiquiátrico. Alguns dos mais significativos são: Maurício Viotti Daker, Dirceu Campos Valadares, Almir Tavares,
Fábio Lopes Rocha, Juarez de Oliveira Castro, Gustavo Julião de Souza, Humberto Campolina, Sérvulo Duarte, Salvio Penna, Mercedes Jurema Alves, Fábio
Munhoz, Ronan Rego, Samir Melki, Maria Goretti Lamounier, Maria Cristina Palhares, Claudio e Lucas Moretzsohn, Gislene
Valadares, Maurício Leão de Resende, Carlice Moreira, Alan Passos, Adilson Cabral, Maria Arlete Andrade, Domingos Savio Guerra e muitos outros. Todos mantiveram acesa a chama do conhecimento científico
na psiquiatria. Fábio Lopes Rocha teve uma esmerada formação em psiquiatria e
psicopatologia, além de desenvolver pesquisas em psicofarmacologia com Jorge
Paprocki e logo se tornaria uma das estrelas mais fulgurantes de nosso universo
mineiro. Tornou-se também figura importante na psiquiatria brasileira.
No
início da década de 1990, o DNP-FMUFMG, sob a coordenação de Maurício Viotti
Daker, criou uma das mais importantes e duradouras promoções científicas em
Minas, os Sábados de Formação Continuada. Os palestrantes
convidados eram luminares da psiquiatria nacional. Começou, então, a ser
introduzido entre nós o conceito de "medicina baseada em evidências",
hoje um dos pilares da medicina contemporânea e, como consequência, da psiquiatria.
Nas décadas de 1990/2000 também integraram o corpo docente do Departamento: José Lorenzato de Mendonça, Juarez de Oliveira Castro, Mario Villefort de Bessa, Maurício Viotti Daker, Almir Tavares Júnior, José Carlos Cavalheiro da Silveira, Eduardo Antônio de Queiroz e Betty Liseta de Castro Pires.
A partir da primeira década do século XXI, este Departamento foi sendo
renovado. Atualmente, é denominado de Departamento de Saúde Mental da FMUFMG.
Seu corpo docente é composto pelos seguintes professores: Marco Aurélio
Romano-Silva (titular), Maurício Viotti Daker, José Carlos Cavalheiro da
Silveira, Almir Ribeiro Tavares Júnior, Humberto Corrêa da Silva Filho, Tatiana
Tcherbakovsky Lourenço, Rodrigo Nicolato, Cíntia Satiko Fuzikawa, Breno Satler
de Oliveira Diniz, Arthur Melo e Kummer, Fernando Silva Neves, Frederico Duarte
Garcia, Maila de Castro Lourenço das Neves e Leandro Fernandes Malloy-Diniz. A
orientação predominante no Departamento é da medicina baseada em evidências e
nas neurociências cognitivas.
Por volta de 1989,
os psiquiatras de orientação clínico-científica, quando as neurociências estavam já em
pleno voo de desenvolvimento, sem espaço para se aglutinar e se manifestar
em torno de uma associação que os representasse, já que a Associação Mineira de
Psiquiatria, estava impregnada de manifestações ideológicas e partidárias, decidiram
criar uma nova entidade. Depois de inúmeros encontros e debates, foi criada
a Sociedade de Psiquiatria do Estado de Minas Gerais (SPEMGE),
cujo primeiro presidente foi Sylvio Magalhães Velloso. Esta entidade teve uma
vida curta, porém intensa e produtiva. Dentre alguns de seus eventos mais
marcantes destacou-se a promoção da vinda a Belo Horizonte do prof. Francisco
Alonso-Fernandez para dar um curso sobre depressão. Aceito o convite, o prof.
Alonso-Fernandez, um mito na história da psiquiatria mundial, nos brindou com
três dias de brilho e ciência humanística, com seu saber universalista e
enciclopédico. Foi uma convivência riquíssima para todos que, tiveram o
privilégio de compartilhar de algumas horas com esse luminar, situado no panteão da glória da psiquiatria universal. Deixou-nos o original
de uma de suas obras: La Depresión y su Diagnóstico – Nuevo modelo
clínico, da Editorial Labor S.A., de Barcelona, publicado em 1988.
Outro evento
marcante, promovido pela SPEMGE, foi o I Simpósio Brasileiro sobre
Personalidade, ocorrido no Instituto Hilton Rocha, em 1989. Organizado por
Dirceu de Campos Valadares Neto, com a participação ativa de Maurício Viotti
Daker, este foi também um evento de cunho internacional, quando compareceu o
mundialmente renomado cientista norte-americano, especializado no estudo sobre
a personalidade, Robert Cloninger. Sua estada foi muito rica e o simpósio um
retumbante sucesso. Tanto que, pouco depois, Dirceu Valadares organizou um
livro, com a participação de diversos colaboradores ilustres, intitulado As
Várias Faces da Personalidade, pela Libru Editora, em 1991. A obra fez tanto
sucesso que teve sua edição rapidamente esgotada.
Nas décadas de 1980
e 1990 e na primeira do século XXI, diversos psiquiatras mineiros tiveram
trabalhos seus publicados em revistas científicas nacionais e internacionais,
enriquecendo nossa psiquiatria com resultados de pesquisas de grande
importância clínica. A bibliografia é extensa e os interessados podem consultar
o site sobre este tema do psiquiatra Walmor J. Piccinini, que participou da
equipe do HGV, no fim dos anos 60. Destacam-se os trabalhos de
Jorge Paprocki, Fábio Lopes Rocha, José Raimundo da Silva Lippi, Joaquim
Affonso Moretzsohn, Sylvio Magalhães Velloso, Almir Tavares, Uriel
Heckert, Antônio Carlos de Oliveira Corrêa, Luiz Carlos Calil, Marco Aurélio
Baggio, Hilbene Galizzi, Delcir Antônio da Costa, Marcio Pinheiro, André
Stroppa, Fernando Madalena Volpe, Antônio Lúcio Teixeira Jr., Humberto Corrêa,
Maurício Viotti Daker, Rodrigo Nicolato e tantos outros que citá-los tornaria
este texto extremamente enfadonho. É uma prova evidente de que, apesar de tudo,
a psiquiatria mineira nunca faltou com seu dever, mantendo-se em plena
atividade e dentro da tradição de ser uma das mais importantes do País.
Dirceu
Valadares, após estudos na Califórnia, no início da década de 1990, foi um dos
pioneiros da medicina do sono em Belo Horizonte, um acontecimento marcante numa
época em que a polissonografia somente era utilizada em São Paulo, Rio de
Janeiro e Porto Alegre. As neuroimagens foram introduzidas em Minas no mesmo
período, por diferentes grupos de médicos, como a Ressonância Nuclear
Magnética, a Tomografia por Emissão de Fóton Único, também conhecido como
Cintilografia Cerebral ou SPECT, o Eletroencefalograma Computadorizado,
conhecido como Mapeamento Cerebral. Em 2011, foi introduzida a Tomografia por
Emissão de Pósitrons (PET-CT) em Belo Horizonte. Inicialmente, no Instituto Nacional em Ciência e
Tecnologia (INCT) de Medicina Molecular da UFMG, com
benefício direto de pacientes em tratamento e nas pesquisas efetuadas no
HC-UFMG. Destacam-se em pesquisas nessa área Marco Aurélio Romano-Silva, Fernando Madalena Volpe, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato. Posteriormente, esta extraordinária técnica foi introduzida em
serviços particulares da Capital. A
neuropsicologia começou a ser estudada, ensinada e aplicada à prática clínica a
partir do ano de 2000. As pesquisas adotaram o método das entrevistas
estruturadas e semi-estruturadas, os estudos passaram a adotar o método duplo-cego e tratamento dos dados por métodos estatísticos
sofisticados, utilizando recursos da informática, começaram estudos longitudinais e de metanálise, estudos de campo mais apurados. Todas essas técnicas trouxeram enormes subsídios para uma
melhor prática psiquiátrica e para investigações.
Desde o início da década de 1990, tem sido publicado regularmente o Jornal Mineiro de Psiquiatria, organizado e dirigido por Humberto Campolina. Inicialmente suas tiragens eram impressas, aproximadamente duas vezes por ano. Posteriormente, passou a ser divulgado na Web. Sua temática preponderante é a apresentação de entrevistas com psiquiatras representativos da especialidade em Minas Gerais. Todos seguem uma linha clínica dentro da fenomenologia clássica e da psicopatologia alemãs. Também têm sido apresentados textos relevantes sobre a psiquiatria baseada em evidências e a importância das neurociências no seu avanço. Surgiu como um contraponto ao jornal O Risco, da Associação Mineira de Psiquiatria, cuja temática é totalmente dominada por textos psicanalíticos lacanianos e numa linha antimanicomial e antipsiquiátrica. Humberto Campolina, um grande polemista e exímio debatedor, tem representado, no último quarto de século, uma voz altissonante e combativa em prol da psiquiatria como uma especialidade médica. Seu papel na defesa dos princípios científicos na psiquiatria tem tido um papel extremamente relevante.
Desde o início da década de 1990, tem sido publicado regularmente o Jornal Mineiro de Psiquiatria, organizado e dirigido por Humberto Campolina. Inicialmente suas tiragens eram impressas, aproximadamente duas vezes por ano. Posteriormente, passou a ser divulgado na Web. Sua temática preponderante é a apresentação de entrevistas com psiquiatras representativos da especialidade em Minas Gerais. Todos seguem uma linha clínica dentro da fenomenologia clássica e da psicopatologia alemãs. Também têm sido apresentados textos relevantes sobre a psiquiatria baseada em evidências e a importância das neurociências no seu avanço. Surgiu como um contraponto ao jornal O Risco, da Associação Mineira de Psiquiatria, cuja temática é totalmente dominada por textos psicanalíticos lacanianos e numa linha antimanicomial e antipsiquiátrica. Humberto Campolina, um grande polemista e exímio debatedor, tem representado, no último quarto de século, uma voz altissonante e combativa em prol da psiquiatria como uma especialidade médica. Seu papel na defesa dos princípios científicos na psiquiatria tem tido um papel extremamente relevante.
A era das residências
Um capítulo
especial deve ser dedicado à história das residências de psiquiatria em Minas
Gerais, particularmente em Belo Horizonte. Só o farei en passant. A primeira residência, como visto, foi a da FEAP-FCMMG,
no HGV, que funcionou de 1968 a 1971. Em seguida, foi transferida para o IRS,
onde se mantém até os dias atuais. No IRS, até 1977/78, constituiu-se ela no
principal centro de formação de psiquiatras de Minas Gerais. Sua orientação
médica era excelente e contava com a presença de preceptores das mais variadas
tendências e correntes do pensamento psiquiátrico da época. Foi, durante alguns
anos, coordenada por Sylvio Magalhães Velloso, que imprimiu em sua gestão
acadêmica impulso dinâmico e eclético, dada sua formação no IP-UFRJ, dirigida
pelo prof. José Leme Lopes. Sylvio Velloso contava com uma equipe dedicada de
preceptores que incluíam nomes consagrados da psiquiatria mineira, tais como
Ivan Ribeiro, José James de Castro Barros, Newton Figueiredo, Geraldo Megre de
Resende, Mário Catão Guimarães e Ataulpho da Costa Ribeiro, que deixaram a
marca de sua sabedoria, ciência, seriedade e ética. A residência também contou
com jovens psiquiatras, oriundos do HGV, tais como Rodrigo Teixeira de Salles,
Vicente Santos Dias, José Ronaldo Procópio, Francisco Paes Barreto, César
Rodrigues Campos, Maria Muniz Passos, Antônio Carlos Corrêa e muitos outros. À medida
em que novos residentes foram se graduando no IRS, muitos deles tornaram-se
também preceptores, como Gustavo Julião de Sousa, Maria Goretti Lamounier, Antônio
Áureo Benetti, Zuleide Abijaodi, Gislene Valadares e outros.
Com o passar do
tempo, a ideologia predominante na residência foi se assentando na temática
psicanalítica lacaniana e nos princípios da antipsiquiatria. Os antigos preceptores
foram deixando suas funções, permanecendo Francisco Paes Barreto e César
Rodrigues Campos. A residência passou a contar com a colaboração de Ronaldo
Simões Coelho. Por volta de 1978, a orientação lacaniana, antipsiquiátrica e
antimanicomial predominou amplamente, mantendo-se por quase duas décadas. Posteriormente,
esta residência foi coordenada pelo prof. Hélio Alkmin cuja profícua gestão
levou a moderada abertura dando aos residentes a chance de melhor contato com a
medicina moderna e a psiquiatria clínica. Em seguida, Hélio Lauar de Barros,
oriundo desta residência, assumiu sua coordenação, mantendo essa orientação.
Após o encerramento do convênio entre a FCMMG e a FEAP, a Residência, já no IRS, foi transferida integralmente para a FHEMIG.
Entretanto, a disciplina de psiquiatria na FCMMG, no curso de graduação, se
mantém até os dias atuais, abrigando nesses últimos 50 anos um elenco de
psiquiatras de renome e reconhecido saber. A disciplina era coordenada pelo
prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, até sua aposentadoria, no final da
década de 1980. Seu corpo docente era composto pelos seguintes psiquiatras: Clóvis
de Faria Alvim, Paulo Saraiva, José de Assis Corrêa, Antônio Carlos Corrêa,
Solange de Mendonça Campos, Austregésilo Ribeiro de Mendonça Filho, Domingos
Sávio Guerra Lages e outros. Na disciplina de Psicologia Médica estavam: Eunice
Rangel, Antônio Leite Rangel e Roberto Rangel.
Em 1975, foi criada
a residência de psiquiatria no Hospital Universitário da Universidade Federal
de Juiz de Fora. Destacaram-se como seus preceptores os psiquiatras Uriel
Heckert, Alonso Augusto Moreira Filho, Adelgício José Melo de Paula, André
Stroppa e outros, com um significativo número de trabalhos publicados em revistas
científicas nacionais e internacionais.
Em 1977, quando
começava a ebulição dos movimentos antimanicomiais, foi criada a residência de
psiquiatria CHPB. Logo se tornou um influente polo de difusão de conhecimentos psiquiátricos de
Barbacena para todo o Estado. Entre seus preceptores destacaram-se Carlos Eduardo
Leal Vidal e Dirceu de Campos Valadares. Durante anos, destacou-se em Barbacena
e Juiz de Fora o psiquiatra Rubens Metello de Campos, já falecido, grande
intelectual e teórico, que influenciou considerável número de profissionais, e
foi possuidor da maior biblioteca particular da região.
Ainda na década de 1970,
foi criada no Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em
Uberaba, a disciplina de psiquiatria e, posteriormente, a residência.
Destacam-se entre seus professores Carlos Alberto Nico e Luiz Carlos Calil.
Este com uma longa lista de trabalhos publicados em revistas de psiquiatria no
Brasil e no exterior, o que o fez objeto da estima e respeito de seus pares.
Para contornar as
dificuldades na formação de psiquiatras em Belo Horizonte, constituíram-se
grupos de estudos em hospitais como a Casa de Saúde Santa Clara, Casa de Saúde Santa
Maria e Clínica Pinel, depois transformados em residências médicas em
psiquiatria. Inúmeros médicos tiveram sua formação nesses grupos, onde se
recebia uma instrução psiquiátrica esmerada.
Outras residências surgiram
em instituições oficiais como a do HC-UFMG, graças aos esforços de Juarez de
Oliveira Castro, José Lorenzato de Mendonça e Maurício Viotti Daker. Rapidamente
ela se desenvolveu e passou a contar com um corpo de preceptores que acumulava
grande e rica experiência no ensino e na clínica. Entre os anos de 1986 e 2006,
esta residência contou com a participação de preceptores do gabarito de: Adauto
Silva Clemente, Adelaide Duarte Ubaldino, Almir Ribeiro Tavares Jr., Antônio
Carlos de Oliveira Correa, Fábio Lopes Rocha, Gislene Cristina Valadares,
Guilherme Silva Bastos, Gustavo Fernando Julião de Souza, Hélio Lauar de
Barros, Hugo Alejandro Cano Prais, José Soares Mól Filho, Jussara Alvarenga de
Mendonça, Karla Maria Barbosa Miranda, Lécio Marques Dias, Lúcio de Guimarães
Mourão, Maria Goretti Pena Lamounier, Maria Tereza Lanna de Oliveira, Magda
Maria Campos Pires, Marluce Maria de Godoy e Silva, Rodrigo Nicolato, Ronan
Rego, Samir Melki, Sandra Maria Carvalhais, Sérgio Kehdy, Sérgio Martins,
Tatiana Tscherbakowski de Guimarães Mourão. A supervisão clínica em enfermaria
ocorria no HGV e também no IRS.
Um serviço que assumiu importância primordial no ensino da psiquiatria em nosso estado é a residência de psiquiatria do Instituto de Previdência (IPSEMG). Foi coordenado por Fábio Lopes Rocha, atualmente por Paulo José Ribeiro Teixeira, tem formado também uma geração de jovens e competentes psiquiatras. A residência promove, há vários anos, as reuniões clínicas da residência, às quartas-feiras pela manhã, aberta a todos os profissionais da área interessados nos mais diversos temas. Com isso, tem dado uma contribuição substancial para o desenvolvimento da psiquiatria mineira.
Um serviço que assumiu importância primordial no ensino da psiquiatria em nosso estado é a residência de psiquiatria do Instituto de Previdência (IPSEMG). Foi coordenado por Fábio Lopes Rocha, atualmente por Paulo José Ribeiro Teixeira, tem formado também uma geração de jovens e competentes psiquiatras. A residência promove, há vários anos, as reuniões clínicas da residência, às quartas-feiras pela manhã, aberta a todos os profissionais da área interessados nos mais diversos temas. Com isso, tem dado uma contribuição substancial para o desenvolvimento da psiquiatria mineira.
A chegada das neurociências cognitivas
A partir de meados
da década de 1980, já se observava nitidamente o envelhecimento de nossa
população. Cada vez mais, nos consultórios, ambulatórios e hospitais, eram
atendidas pessoas com mais de 60 anos. Até então, estávamos inteiramente
despreparados para o atendimento psiquiátrico desse público. No final da década
de 1980, Almir Tavares Jr., do DNP-FMUFMG, acompanhou, por longo período, os
serviços de psiquiatria geriátrica da Universidade Johns Hopkins e do National
Institute on Aging, em Bethesda, Maryland, Estados Unidos da América. Ao
voltar, introduziu na FMUFMG os primeiros estudos sobre gerontologia e
psicogeriatria. Ao mesmo tempo, divulgava com palestras e trabalhos científicos
seus conhecimentos. Tem atuado em eventos, congressos, pesquisas e publicações
nesta área. Em 1996, foi um dos
fundadores da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Geriátrica.
O
primeiro serviço de atendimento público em psiquiatria geriátrica (psicogeriatria)
no Estado, e um dos primeiros do País, se deu entre 1990 a 1994, no antigo posto de atendimento médico (PAM)
Padre Eustáquio, do Instituto Nacional de Previdência Social (INAMPS), por mim
coordenado. A idéia surgiu após um curso que fiz na Universidade de Limoges, França, em 1988, onde tive contato profundo com a psicogeriatria européia. O envelhecimento europeu levou ao necessário desenvolvimento da psicogeriatria que atingiu níveis de excelência. Ao voltar, ministrei um curso de psicogeriatria, em 1989, no PAM Padre Eustáquio, para mais de oitenta profissionais da área de saúde, incluindo muitos psiquiatras. Em 1990, constituímos uma equipe multiprofissional composta por 17 pessoas da área de saúde. Os psiquiatras que participaram da equipe eram: Adelaide Duarte Ubaldino, Carlos Moretzsohn e este autor. O trabalho se desenvolveu bem e logo a demanda aumentou rapidamente. Havia uma média de duzentos atendimentos pela equipe a pacientes idosos, por mês, neste ambulatório. Infelizmente, com a mudança da política municipal, o atendimento pioneiro foi desativado, assim como o próprio PAM. Os psiquiatras foram impositivamente transferidos para postos de saúde da prefeitura na periferia, ocasião em que alguns se aposentaram ou se demitiram do Serviço Público. Muitos psiquiatras, funcionários públicos federais, obtiveram transferência para outras instituições, igualmente federais, incluindo as de ensino, onde puderam continuar a desenvolver o seu trabalho. Com isso, desapareceu o atendimento psiquiátrico público, em postos de saúde, para a população idosa. Este é um exemplo maléfico do que é possível fazer para destruir um trabalho frutífero a troco de nada. É a política da "terra arrasada" que se tornou tão em voga no nosso País.
A partir de 1997, coordenado por Maurício Viotti Daker, foi constituído
o setor de psiquiatria geriátrica, ou psicogeriatria, no terceiro ano da residência
de psiquiatria do HC-UFMG, do qual fiz parte. Era a primeira vez no estado de
Minas Gerais que se tomava tal iniciativa. Em 1997, fundou-se o Núcleo de
Estudos em Geriatria e Gerontologia, coordenado por Anielo Greco, do
Departamento de Clínica Médica. Pouco depois, foi fundado o Centro de
Referência do Idoso prof. Caio Benjamin Dias, associado depois ao Instituto
Jenny de Andrade Faria de Atenção à Saúde do Idoso, que funciona em moderna
sede, ao lado do Hospital Bias Fortes. Tornou-se um centro de referência de
renome nacional e internacional. É dirigido por Edgar Nunes de Moraes, em um
trabalho próximo ao serviço de Neurologia Cognitiva, fundado pelo pesquisador Paulo
Caramelli, em parceria com a residência de psiquiatria do HC-UFMG, coordenada
por Maurício e Rodrigo Nicolato. A participação dos membros desse grupo na
publicação de livros e trabalhos científicos tem sido de relevância.
A residência de psiquiatria do HC-UFMG, desde o seu início, tem formado
novas gerações de psiquiatras de elevado nível, dentro da formação em
neurociências cognitivas e da medicina baseada em evidências. Os residentes
também recebem algum treinamento em psicoterapia analítica freudiana e na terapia
cognitivo-comportamental. Os novos psiquiatras nela formados têm impulsionado a
psiquiatria mineira com suas publicações e pesquisas colocando-a no nível nacional
e internacional. Destaca-se entre os inúmeros psiquiatras daí oriundos, Antônio
Lúcio Teixeira Júnior, também neurologista, onde é professor adjunto no
Departamento de Neurologia. Autor de mais de 500 trabalhos relacionados a essas
especialidades, atualmente desenvolve pesquisas clínicas e experimentais na
área de imunofarmacologia, investigando, em particular, a associação entre
processos inflamatórios e alterações do comportamento e da cognição.
Aqui estão relacionados todos os residentes do HC-UFMG no período 1986-2006: 1986 - Adão Edson Dayrell, Angélica Braga Stheling Portela, Antônio Márcio Morelli, Fátima Sueli Cioffi de Oliveira. 1987 - Márcia Teixeira de Freitas, Oswaldo França Neto, Roseane Barros Petrucci Falcão, Saulo Cançado Magalhães Ribeiro, Watson Helvécio Freitas de Queiroz, Sérvulo Santos de Oliveira. 1988 - Cláudia Regina Faria Felicíssimo, Emerson Ribeiro dos Santos, Glauco Correa de Araújo, Sotírios Theophane Pegos, Simone Cláudia Facuri Lopes, Paulo José Teixeira. 1989 - Juliana Rodrigues Cunha Teixeira, Humberto Figueiredo do Nascimento, Karla Vanessa Souza Soares, Luisa de Marillac Nilo Terroni, Luzmarina Morelo. 1990 - Frederico Martins Machado, Denilson Cavalcante Pinto, Marcelo Quintão e Silva, Patrícia Costa de Amorim. 1991 - Ana Paula Souto Melo, Carlos Reif Miranda, Fernando Casula Ribeiro Pereira. 1992 - Adriana Braga de Andrade, Eva Missine. 1993 - Humberto Correa da Silva, Maria Flávia de Mourão, Sérgio Caffaro Almeida. 1994 - Adriane Rooke Ribeiro, Fernando Madalena Volpe, Heloisa Andrade Maestrini, Junea Luiza Rodrigues de Paula Chiari. 1995 - Ana Cristina Bittencourt Fonseca, Frederico Porto Fonseca Theodoro, Jussara Mendonça Alvarenga. 1996 - Anna Karla Rocha Santanna, Carmelita Magalhães Nunes, Cíntia Satiko Fuzikawa, Flávia Fernandes Dias, João Luiz Pinto Coelho, Rodrigo Nicolato. 1997 - Érico de Castro e Costa, Fernando José Loureiro, Luis José de Lima, Sérgio de Figueiredo Rocha. 1998 - Antônio Lúcio Teixeira Jr., Fabiano Gonçalves Nery, Henrique Alvarenga da Silva, Rodrigo Barreto Huguet. 1999 - Adriana Camello Teixeira, Fátima Darlene Martins Rocha Guilherme Assumpção Dias, Luciana Vale Cipriano, Silas Prado Souza, Marco Aurélio Romano Silva, Ramon Cosenza. 2000 - Cléber Naief Moreira, Cristina Peixoto Jardim, Ester Assumpção Dias, Leandro Augusto Paula da Silva, Mariany Souza Gomes. 2001 - Adauto Silva Clemente, Alessandro da Silveira, João Vinícius Salgado, Luis Augusto dias Malta, Hugo Alejandro Cano Prais. 2002 - Jovana Sério Veiga Lima, Oscar José Grossi Santiago Lima, Robson Kazunori Tokuda, Rosana Fortes Zschaber Marinho. 2003 - André Luiz Nunes, Bruno Copio Fábregas, George Augusto Guimarães Lodi, José Mauro Barbosa Reis, Helbert Antoniazi Salem Campos. 2004 - Carla Fonseca Zambaldi, Fabrício Meyer Godoy, Janaína Matos Moreira, Eduardo Guimarães Ferreira, Júlio Santa Rosa da Silveira. 2005 - Fernando Machado Vilhena Dias, Frederico Duarte Garcia, Leonardo Freitas e Silva, Priscila de Siqueira Ramos, Vinicius Expedito Martins Gomes. 2006 - Felipe Filardi da Rocha, Flávia Mello Soares, Karla Cristhina Alves Souza, Pedro Braccini Pereira, Renata Cristiane Marciano.
Ao término da
década de 1990, em plena vigência da Década do Cérebro, instituído
pela OMS, surgiu em Minas Gerais a Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas
Gerais (AAP-MG), que, apesar do nome, foi aberta para todos aqueles
profissionais que não exercem a carreira universitária. Tornou-se uma filiada
da ABP e congrega hoje um expressivo número de psiquiatras de elevado calibre
científico, cultural, humanístico e filosófico, incluindo vários pesquisadores
e escritores. Desde então, essa entidade tem promovido eventos de grande
interesse para a categoria.
Novas técnicas
psicoterápicas têm se incorporado ao arsenal do psiquiatra mineiro,
particularmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Esta tem tido grande
aceitação entre nossos profissionais tendo em vista sua grande eficácia frente
aos quadros psiquiátricos agudos, seu tempo breve de tratamento e seus custos
bem mais reduzidos, aliviando sobremaneira os sofrimentos de nossos pacientes.
Os atuais congressos
mineiros de psiquiatria retornaram aos trilhos da psiquiatria como
especialidade médica, ao divulgar os espetaculares avanços da genética, da
biologia molecular, das neuroimagens, da neuropatologia, da clínica, da
psicofarmacologia, da medicina do sono, do progresso e desenvolvimento de novas
técnicas psicoterápicas, como a TCC, e das neurociências cognitivas. Prova
disto foi a realização do XVI Congresso Mineiro de Psiquiatria, em setembro de
2014, evento de sucesso ímpar na história de nossa psiquiatria, coordenado por
Humberto Corrêa e patrocinado pela AMP, sob a direção de Maurício Leão de
Resende. Ao receber especialistas nacionais e estrangeiros de elevada
categoria, a entidade tem dado mostras de seu amadurecimento e avanço
científico. O aprimoramento e a
qualificação dos profissionais da psiquiatria em Minas Gerais nos últimos anos
é notável. Quase não se fala mais no hospital, pois cada vez menos se internam
pacientes graças ao arsenal terapêutico à disposição do psiquiatra do século
XXI. As discussões hoje ocorrem em elevado nível científico e não são mais
ideológicas. Há um nítido retorno à psiquiatria de bases médicas e à psicopatologia
fenomenológica. Indo além do DSM-V, ocorre um retorno a Kraepelin e aos
clássicos. Cada vez mais, publicam-se trabalhos, livros e teses baseados nas
neurociências cognitivas e na sua interface com as disciplinas de áreas
humanistas.
As discussões hoje
ocorrem em elevado nível científico e se baseiam nos avanços tecnológicos que
impulsionam a medicina e, em particular, a psiquiatria, e já não são mais
ideológicas ou antipsiquiátricas. O movimento antimanicomial envelheceu rápido,
mais parecendo um morto vivo. Vemos mais movimentos de rua, bem ao estilo do
populismo de massa, em que um número elevado de pessoas pouco cientes do tema
mobilizado e que servem mais como massa de manobra de líderes sectários movidos
por interesses político-partidários, fazem passeatas com seus cartazes
agressivos, com seus apitos, com suas camisas vermelhas e suas velhas palavras
de ordem, num chavão já desmoralizado, a perturbar o trânsito de nossas
metrópoles. Espasmos de um moribundo, ainda alimentado artificialmente
pelo soro da ideologia sectária, radical e (por que não?) fanática.
Com este clima
benfazejo e estimulante, diversos de nossos colegas publicaram livros de grande
repercussão nos meios psiquiátricos e das ciências afins de Minas Gerais. Posso
citar: Marco Aurélio Baggio, recentemente falecido, autor de mais de duas
dezenas de obras cujo espectro abrange temas que vão da história, à crônica e à
clínica psiquiátrica; Sebastião Abrão Salim, com importante obra que aborada a interface entre a psicanálise e a clínica médica; Almir Tavares Junior, que organizou e escreveu diversos
capítulos de um tratado sobre Psiquiatria Geriátrica, que logo se
tornou referência no tema; Antônio Lúcio Teixeira Júnior, clínico, neurologista
e neuropsiquiatra, um dos mais brilhantes psiquiatras da nova geração, autor de
mais de quatro centenas de trabalhos científicos e co-autor de um livro de
neurologia (Exame neurológico: bases anatomofuncionais) e organizador de
dois livros (Neurologia Cognitiva e do Comportamento e Neuropsiquiatria
Clínica), têm expressado o real valor de nossa psiquiatria mineira
contemporânea. A modesta contribuição que tenho dado à literatura médica
foi a publicação de outros três livros: Depressão, Envelhecimento e Doença de Alzheimer, Auto-avaliação em
Psicogeriatria, ambos pela Editora Health, de Belo Horizonte, em 1996, e Memória,
Aprendizagem e Esquecimento – A memória através das neurociências cognitivas,
pela Editora Atheneu, do Rio de Janeiro, em 2010. Tenho a certeza de que muitos
outros livros importantes e trabalhos científicos de grande impacto estão sendo
gestados em nosso meio, principalmente produzidos por esta gama de grandes
psiquiatras e pesquisadores desta nova geração da qual tenho grande orgulho.
Como testemunha
ocular da história da psiquiatria mineira há quase meio século eu a observo com
os olhos da esperança e da confiança de que alçaremos voos maiores e melhores. Observo
a Fênix ressurgida das cinzas. E tenho a certeza de que nossos pacientes terão
à sua disposição cada vez mais tratamentos humanos e mais avançados para o
alívio de seus sofrimentos.
Eis como vejo a
História da Psiquiatria Mineira neste último meio século.
O professor Antônio Carlos Correa fez um destacado estudo sobre a psiquiatria mineira.Parabéns.Forte abraço, Rodrigo Nicolato, seu ex-aluno e eterno aprendiz.
ResponderExcluirSou neto do Dr. Paulo Saraiva e fiquei muito feliz em encontrar esse artigo porque sei que meu avô foi um grande psiquiatra e sinto uma certa tristeza com o fato de seu nome pouco a pouco está sendo esquecido. Obrigado, um abraço! Antônio Saraiva
ResponderExcluirQuem agradece sou eu, Antônio Saraiva, por ter tido o privilégio de ter conhecido e convivido com seu avô. Uma das figuras mais marcantes em minha vida. Grande abraço para você!
ResponderExcluirEU SOU MAE DE UM RAPAZ DE 18 ANOS HOJE MAIS AOS SETE ANOS CDENTRO DESTE DOCUMENTARIO OMECOU COM VARIOS COMPORTAMENTOS CONSEGUIR LEVA LO PARA ESTADOS UNIDOS E AQUI FOI DIAGNOSTICADO COM TOURETT SYNDROMY TUDO QUE ESTAR DENTRO DESTE DOCUMENTARIO MEU FILHO PASSOU E PASSA AGORA MAIS BRANDO EU TINHA UMA VONTADE DE ESCREVER UM RELATO .ESTE POR SUA VEZ IRIA AJUDAR ALGUMAS MAES COM SEUS FILHOS .EU ESTOU PROUCURANDO UM GRUPO DE APOIO EM GOVERNADOR VALADARES MAIS NAO ENCONTRO SE ALGUEM PODER ME INFORMAR neuzaamota@gmail.com watzap 8574179377 face book neuza motta
ResponderExcluirOlá Prof. Antonio Carlos. Gostei muito do panorama da psiquiatria mineira. Completo e interessante. Com muita satisfação vi a foto do meu avô (Lucas Machado) em uma das mesas de um congresso. Parabéns pelo trabalho. Flávia Machado (ex-aluna e sempre fã).
ResponderExcluirGrande amiga, Flávia Machado! Muito obrigado! Desejo-lhe todo o sucesso em sua brilhante carreira. Um grande abraço!
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