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Jorge Paprocki (1925-2015). Foto: Antônio Costa Guimarães. |
Jorge Paprocki foi um dos mais importantes personagens da história da psiquiatria mineira. Há mesmo quem separe a psiquiatria mineira em dois períodos: antes e depois de Paprocki. Exageros à parte, posso, seguramente, afirmar que Paprocki teve participação fundamental em nossa história psiquiátrica.
Nascido na Polônia e vindo criança para o Brasil, Jorge Paprocki se graduou em medicina pela Faculdade de Medicina da UFMG em 1955. Mudou-se para Juiz de Fora, onde iniciou sua prática psiquiátrica ao mesmo tempo em que se dedicava às pesquisas na área da psicofarmacologia e terapêuticas biológicas. Até o seu falecimento, em 17 de agosto de 2015, aos 90 anos, manteve-se lúcido e continuou sua prolífica carreira de grande clínico, psicoterapeuta, pesquisador e professor. Formou diversas gerações de psiquiatras que lhe serão eternamente agradecidos pela imensurável quantidade de conhecimentos transmitidos e pelo simpático apoio em suas carreiras.
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Paprocki no exercício da atividade que mais gostava como hobby: a pintura. Foto: Antônio Costa Guimarães. |
Tive o privilégio de estudar e trabalhar com Paprocki no Hospital Galba Velloso, de agosto de 1966 a janeiro de 1971, onde dei meus primeiros passos na especialidade da psiquiatria, e de quem recebi apoio fundamental nos estudos e nos trabalhos de edição de livro e revista e na produção de artigos científicos. A tristeza pela sua perda não pode ser descrita em palavras. Ficará para sempre um eterno sentimento de gratidão e o desejo sincero que descanse em paz!
Para pontuar esta carreira de sucesso como médico, clínico, professor e orientador, transcrevo abaixo parte do texto que escrevi há alguns meses, quando do renascimento da Revista do Centro de Estudos Galba Velloso, sobre a história da psiquiatria mineira, onde enfatizo o papel representado por Paprocki nesta história e que está também em outras postagens neste blog. Há quase cinquenta anos fui o fundador e primeiro editor de seus quatro primeiros números. Nesta bela cerimônia, em dezembro de 2014, eu estava presente, ao lado de Jorge Paprocki, José Raimundo da Silva Lippi e Francisco Paes Barreto, alguns dos sobreviventes daqueles tempos.
Composição da mesa na cerimônia de relançamento da
Revista do Centro de Estudos Galba Velloso: da esquerda para a direita:
Francisco Paes Barreto, Antônio Carlos Corrêa e Jorge Paprocki.
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Ao final da cerimônia de refundação da Revista do Centro de Estudos Galba Velloso, Antônio Carlos Corrêa e Jorge Paprocki, em dezembro de 2014. |
Nos últimos tempos trocávamos mensagens por email sobre variados temas. Minha última participação em um evento com Jorge Paprocki foi no dia 13 de junho de 2015, quando sete dos fundadores da Associação Mineira de Psiquiatria receberam o título honroso de Membro Honorário.
Da psicodinâmica às
neurociências: meio século de psiquiatria em Minas Gerais:
Senti-me muito
honrado com o convite para escrever um texto sobre os primórdios do Centro de
Estudos Galba Velloso que completa agora meio século de existência. De repente,
olho para trás e parece-me que aqueles tempos se passaram, na realidade, há um
mês ou, no máximo, no ano passado. O tempo corre muito rápido e não nos
apercebemos disso. Só de pensar que há mais de 30 anos a maioria da população
brasileira não existia é eu me arrepio. Essa transitoriedade cria um
compromisso para aqueles que, como eu, testemunharam esses tempos pioneiros e
nos dá quase que uma obrigação de relatar o acontecido então. Difícil missão, pois nossa memória nos trai
mais do que nos é fiel. Outra dificuldade é que vemos o passado com o nosso
olhar, que pode estar contaminado por nossos princípios, formação e ideologia. De
qualquer forma, aceitei o convite quase que como um desafio. Reconstruir os
fatos ocorridos não é fácil, que o digam os historiadores. Mas é um desafio que
merece ser encarado, pois o passado não pode ser simplesmente esquecido ou
negado, como se jamais existira. Posso, neste relato, estar equivocado,
contaminado por lembranças pessoais em que a angústia de um tempo de
inquietudes e incertezas, de expectativas quanto ao futuro profissional ainda
incerto, distorce os fatos, interpreta erroneamente as falas e os escritos dos
personagens, numa catatimia sem valor. Preferi correr o risco de errar do que de
me omitir. Eu me permiti dar minha versão dos fatos, mesmo que ela não coincida
com a de outros. Melhor errar do que nada fazer. Assim, perdoem-me aqueles que,
certamente, não foram incluídos nesta história. Como já apontado, nossa memória
nos prega peças, fazendo-nos cometer injustiças ao não incluir este ou aquele
personagem, ou interpretando os fatos dessa ou daquela maneira catatímica,
fazendo-nos desviar do que realmente ocorreu. Assumo este risco e, desde já, me
penitencio. Mas, julgo que é um dever colocar no papel minha visão das coisas
ocorridas e vividas. Assim, vamos lá!
Quando iniciei meus
primeiros contatos com a psiquiatria corria o mês de agosto de 1966. Era eu,
então, um jovem estudante na Faculdade de Medicina da UFMG. Havia recém
concluído a disciplina de farmacologia, cujo professor titular (então era
conhecido como professor catedrático) era o prof. Santiago Americano Freire, um
cientista que, após sua aposentadoria, dedicou-se a trabalhar em áreas muito
próximas à psiquiatria. Tanto é que desenvolveu uma técnica própria de enfoque
à psicoterapia, chamada “neurosanálise”, publicada em livro em 1977. Logo após
concluir a disciplina de farmacologia, fui submetido a avaliações, com
entrevistas e testes, e fui admitido como interno acadêmico no Hospital Galba
Velloso, então um foco polarizador de ideias que estavam renovando a
psiquiatria mineira. Na ocasião, existia a figura do interno acadêmico, isto é,
o estudante de medicina que, a partir do terceiro ano da faculdade, após
concluir algumas disciplinas fundamentais, entre elas a farmacologia, podia ser
admitido em hospitais, após avaliações ou concursos, com o fim de estagiar,
trabalhar como plantonista, atender a enfermarias e ambulatório. Em troca, caso
o desejasse, poderia ali residir, o que foi o meu caso.
A psiquiatria
mineira passava por algumas transformações importantes. Em 1963, a direção do Hospital
Galba Velloso fora transferida para as mãos do Dr. Jorge Paprocki, então um
nome em ascensão em Minas Gerais em função de suas pesquisas e publicações em
revistas científicas acerca do uso de anestésicos e narcose na
eletroconvulsoterapia (ECT). Paprocki trabalhava ao lado do psiquiatra Ivan
Ribeiro e do anestesiologista Petrônio Boechat. Paprocki também se tornava
conhecido nacionalmente em função de suas pesquisas e publicações na área de
psicofarmacologia, então um setor da psiquiatria em franco desenvolvimento. A
partir de 1952, uma verdadeira revolução na psiquiatria ocorria desde a
publicação, por dois psiquiatras franceses, Jean Delay e Pierre Deniker, da
ação terapêutica nas psicoses esquizofrênicas e na psicose maníaco-depressiva
(então o nome adotado para o atual Transtorno Bipolar do Humor) da
clorpromazina, cujo nome comercial ainda hoje é Amplictil.
A administração de
Jorge Paprocki foi uma grande e impactadora novidade na psiquiatria mineira e
brasileira. Trouxe ideias novas, bafejadas pela onda internacional que adotava
terapêuticas menos rígidas para os doentes mentais, tais como: reduzir ao
mínimo as contenções físicas, priorizar a utilização de psicofármacos sobre
outros métodos biológicos mais invasivos ou traumáticos do ponto de vista
psicológico, priorizar as terapêuticas de ressocialização através de
comunidades terapêuticas, ambientoterapia, socioterapia, suporte psicoterápico
institucional, terapia ocupacional e outras. Os resultados logo começaram a
surgir. Aliado a tudo isto, num gesto audacioso para aqueles tempos (e ainda
para os dias atuais), Paprocki instituiu o chamado “open-door integral”,
isto é, as enfermarias não eram trancadas com grossas portas com barras de
ferro para evitar a fuga de pacientes. Em vez disto, não havia portas. Era
colocada na entrada das enfermarias apenas uma das pacientes, já em boas
condições psíquicas e próxima a receber alta hospitalar, sentada numa cadeira, a
controlar a entrada e saída das demais pacientes. Não é de se espantar que o
burburinho tenha logo corrido pelos meios clínicos, científicos, acadêmicos,
profissionais e até leigos da Capital. Mas os resultados foram extremamente
animadores, o que incentivou esta política de lidar com os pacientes
psiquiátricos.
Outra política
adotada por Jorge Paprocki foi a de abrir as portas do hospital para jovens
estudantes de medicina que desejassem seguir a especialidade da psiquiatria,
acolhendo-os como internos acadêmicos. Grande parte deles passou a residir no
HGV, em um setor reservado para área residencial dos médicos e estudantes, que
trabalhavam nos plantões, nas enfermarias e no serviço de internação
hospitalar, ao mesmo tempo em que recebiam treinamento e supervisão dos
psiquiatras mais experientes do hospital. A notícia desta novidade correu como
um raio pela cidade e pelo estado e atraiu uma plêiade de jovens estudiosos e
sequiosos de conhecimento e treinamento especializado. Isso foi o berço de uma
grande geração de futuros psiquiatras que iriam se destacar, e continuam se
destacando, nas mais diversas áreas da psiquiatria, da psicanálise, da
psicoterapia, da neuropsiquiatria e das neurociências. Deste berçário surgiram
grandes profissionais, grandes pensadores, grandes clínicos e pesquisadores e
muitos continuam ainda atuando em todo o País. Infelizmente, muitos já se
foram, deixando um rastro de saudades.
Jorge Paprocki,
como diretor, era severo, respeitado e, de certa forma, temido, mas, ao mesmo
tempo, era bondoso, compreensivo e incentivador das habilidades e qualidades
individuais de cada um de seus orientandos. Ele tinha consciência disso e se
esmerava em seu papel, no que, aliás, se revelou uma conduta por demais correta
e que lhe rende reverências e homenagens até os dias atuais.
Alguns
profissionais experientes já haviam sido arrebanhados sabiamente por Jorge
Paprocki. Entre eles podemos citar (não psiquiatras): Benítez Emílio Conde, experiente
neurologista, Dalton Lintz de Freitas, também experiente neurologista e
eletroencefalografista, Emílio Grimbaun, grande clínico e cardiologista,
excepcional figura humana, um dos pioneiros da medicina psicossomática em Minas
Gerais, extremamente culto e sempre prestativo a qualquer um que lhe buscasse
os conselhos e orientação, Geraldo Ribeiro, conhecido como Geraldo Cegonha,
ginecologista e obstetra de fama nacional, um dos pioneiros da
fertilização in vitro no
Brasil, Belces de Paula, também um excelente clínico geral, com
especialização nos Estados Unidos, em endocrinologia, Edson Rasuk, grande
cardiologista, José Luiz de Amorim Ratton, clínico, e muitos outros médicos,
cuja memória me trai neste momento.
Dentre os
psiquiatras mais experientes e grandes mestres da prática diária de um hospital
posso citar: Helênio Coutinho Guimarães, Neusa Magalhães Carneiro, Pedro Lopes
de Oliveira, José Pedro Salomão, José James de Castro Barros,
José Domingues de Oliveira, Aldorando Ricardo do Nascimento, Mário Catão
Guimarães, José Raimundo Lippi e a onipresente Eunice Rangel, braço direito de
Paprocki, que, com sua atenção durante as 24 horas do dia, tornou-se
indispensável para o sucesso de todas as realizações e para com as necessidades
e cuidados no hospital.
Quando cheguei ao
HGV, como dito, pela primeira vez, como exigido pelo protocolo de avaliação de
futuros internos acadêmicos, eu havia concluído a disciplina de farmacologia na
Faculdade de Medicina da UFMG, onde eu iniciara meu curso médico em abril de
1964. Era agosto de 1966. Eu estava extremamente ansioso e na expectativa de
conseguir uma vaga naquele templo de conhecimento e ensino psiquiátrico. Fui
entrevistado por Eunice Rangel e me submeti aos testes de personalidade no
mesmo dia. Éramos eu e um colega de turma, Ângelo Pezzuti, que mais tarde se
destacaria na luta armada contra a ditadura militar do Brasil. Pouco depois,
ele entraria para a clandestinidade e, tendo sido preso pelo governo militar,
se exilaria na Europa, onde veio a ter um fim trágico.
Na ocasião, já
havia um considerável número de internos acadêmicos que ali trabalhavam e estudavam
há, pelo menos, dois ou três anos. Posso citar: Marco Aurélio Baggio, César
Rodrigues Campos, Odília Miguel Pereira, Francisco Juarez Ramalho Pinto,
Virgílio Bustamante Rennó, Francisco Paes Barreto, Francisco Xavier, Vicente
Santos Dias, José de Assis Corrêa, Eudes Ramón Paredes Montilla (venezuelano),
José Carlos Pires Amarante e Arlindo Carlos Pimenta. No mesmo período em que
fui aprovado como novo interno acadêmico, outros dois colegas de minha turma de
faculdade, Javert Rodrigues e Rodrigo Teixeira de Salles, também o foram.
Constituíamos, assim, quatro colegas da mesma turma de faculdade a estagiar no
Galba. Deles, o único que passou a residir no hospital fui eu. Um ano mais
tarde, recebemos a companhia de mais três colegas de nossa turma da faculdade:
Lélio Marcio Dias, Maria Muniz Passos (Lia) e Maria Auxiliadora Athayde
(Dodora).
Outros estagiários,
de turmas da faculdade anteriores à minha, logo se incorporaram a este
multifacetado grupo de jovens idealistas e estudiosos, como José Ronaldo
Procópio, Claudio Pérsio Carvalho Leite e Hélio Roscoe. Também havia se
incorporado um grupo de psicólogos estagiários e estudantes de psicologia,
inteligentes e dedicados, como: Welber Braga, Elizabeth Clark, João Mascarenhas, Flávio José de Lima Neves e outros. Formou-se também, aos poucos, um grande
grupo de enfermeiras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, todos a
enriquecer o grupo com seu dedicado trabalho. Também havia uma equipe de professoras
para o curso fundamental que ministravam aulas de cuidados pessoais, higiene,
auxílio à leitura e escrita, para as pacientes internadas, como um complemento
às diversas terapias disponíveis. Esta foi uma experiência única e pioneira no
estado que durou por não mais que três anos.
Pouco após minha
inclusão na “turma do Galba”, como o grupo era conhecido fora da instituição, iniciei
meu trabalho no Centro de Estudos Galba Velloso (CEGV). No princípio como
bibliotecário, depois como diretor de publicações e, finalmente, em 1969,
sucedendo à gestão de José Carlos Pires Amarante, como presidente. O CEGV fora
criado em 1964 e tivera como presidentes, em gestões sucessivas, os acadêmicos
César Rodrigues Campos, Francisco Paes Barreto e José Carlos Pires Amarante.
Como diretor de publicações, em 1968, idealizei a publicação de um livro sobre
psicofármacos, já que nada havia sido publicado no Brasil, até aquela data. Pensei
numa obra escrita a várias mãos, na qual cada um dos membros do corpo clínico
se encarregaria de escrever um capítulo. Combinei com o grupo uma reunião no
Centro de Estudos, quando apresentei meu projeto, tendo o mesmo sido aprovado.
Foram escolhidos os temas farmacológicos e distribuídos segundo a predileção de
cada um. Por unanimidade, tornei-me o editor desta obra que, jamais
imaginávamos, marcou época na psiquiatria brasileira. Passaram-se seis meses de
trabalho intenso e profícuo. Trabalhamos muito, mas os resultados foram
extremamente compensadores.
Nesta época, antes
da era das residências de psiquiatria, a “turma do Galba” realizava estudos
auto-didáticos, geralmente em grupos e utilizando os tratados de psiquiatria
famosos do período. Um deles era o do psiquiatra argentino Juan Beta, Manual
de Psiquiatria, livro considerado por demais organicista numa época em que
a psicanálise já dominava amplamente a psiquiatria brasileira e mundial. Também
o Manual de Psiquiatria, de Mayer-Gross, em que pese sua orientação
organicista, era mais aceito que o do Beta. Em contrapartida, Iracy Doyle, com
sua Nosologia Psiquiátrica, tinha profundas raízes psicodinâmicas.
Era um livro que praticamente decorávamos por inteiro. Outros autores e obras
importantes estudados com afinco, em que noites eram varadas sobre suas
páginas, em particular na sala do CEGV: Psiquiatria Dinâmica, de
Henri Ey, Psiquiatria Clínica Moderna, de Noyes e Kolb, Psicopatologia,
de Kurt Schneider, Tratado de Psiquiatria, de Manfred
Bleuler, História da Psiquiatria, de Franz Alexander, Psicopatologia
Geral, de Karl Jaspers, Temas Psiquiátricos (um extenso
tratado de psicopatologia), de Cabaleiro-Goás, Psicologia Médica,
de Juan-José Lopez Ibor, os livros de Weitbrecht e Tellembach, Estratégias
em psicoterapia, de Jay Haley, e muitos outros, dos quais não me lembro no
momento. Tomávamos também conhecimento, a partir de 1968, do trabalho do grande
psiquiatra espanhol, Francisco Alonso-Fernandez, com sua obra, considerada
“supra-sumo” da psiquiatria e aguardada com ansiedade muito antes de seu
lançamento: Fundamentos de la Psiquiatría
Actual. Somente no final da década de 1970 surgiu o também muito
aguardado Psiquiatria, do Prof. Nobre de Melo. Mas, então, todos
nós já estávamos longe do Galba.
Além dos estudos
livrescos, com frequência eram convidados grandes experts e profundos
conhecedores da psiquiatria para proferirem palestras no CEGV: prof. Clóvis de
Faria Alvim, um dos psiquiatras mais cultos que conheci, prof. Paulo Saraiva,
que não ficava atrás com seu conhecimento enciclopédico, prof. Hélio Durães
Alkmin, prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, Fernando Megre Velloso, Joaquim
Affonso Moretzsohn, Ivan Ribeiro da Silva, Francisco Hugo Badaró, Geraldo Megre
de Resende, Aspásia Pires de Oliveira e o prof. José Elias Murad, com suas
aulas memoráveis sobre psicofarmacologia.
As tendências entre
os internos acadêmicos já se faziam esboçar, a maioria com pendores para os
estudos de psicanálise. Alguns foram tomados de verdadeira afeição pela teoria
freudiana e pela psicoterapia analítica. No meu caso, em particular, apesar de
ter feito análise de grupo por seis meses com o prof. Célio Garcia e quase um
ano e meio de análise individual com Jarbas Moacir Portella, o meu namoro com
as teorias pavlovianas e sua neurofisiologia aplicada à psiquiatria e
psicologia, demonstrou possuir uma força mais vigorosa e suas teorias
científicas tiveram para mim o gosto da “verdade”. Éramos todos muito jovens,
idealistas e radicais. Não havia espaço para o meio-termo, para a síntese, para
o holismo.
Enquanto isso, me
formei em Medicina pela UFMG, em dezembro de 1968. Candidatei-me à residência
de psiquiatria, criada um ano antes, em convênio da Secretaria de Estado da
Saúde de Minas Gerais com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Foi
a primeira residência de psiquiatria no estado. Fui aprovado, para meu gáudio e
glória e participei, com muita honra, da segunda turma dessa residência. Não
poderia ter dado passo mais acertado em minha vida.
A obra Psicofármacos ficou
pronta em maio de 1969. Tiragem de dois mil exemplares. Estávamos todos nós radiantes
e transpirando felicidade e autoconfiança. Os recursos vieram das economias
feitas pela tesouraria do CEGV, durante mais de um ano. Tornou-se uma obra
bonita, apesar de simples. Como editor, a dediquei a Jorge Paprocki, com as
seguintes palavras: “Ao Dr. Jorge Paprocki. Mestre e amigo”. Meu irmão,
Dilermando Corrêa Filho, artista plástico, desenhou a capa, em nanquim, mas
tive antes o cuidado de submetê-la à avaliação de todos, quando foi aprovada. O
livro rapidamente passou a ser vendido em grande quantidade na Cooperativa
Editora e de Cultura Médica. Como enviamos inúmeros exemplares, em forma de
permuta, para bibliotecas de universidades, hospitais, instituições
psiquiátricas pelo Brasil afora, logo o livro se tornou bastante conhecido. Foi
uma obra que marcou época na psiquiatria brasileira e, por mais de seis anos,
foi a única sobre psicofarmacologia publicada no Brasil. Apenas em 1975 o prof.
José Caruso Madalena, do Rio de Janeiro, publicaria um outro livro na área, com
um teor um pouco diferente. Mas uma obra maior e mais atualizada somente foi
publicada pelo mesmo Caruso Madalena em 1979, portanto, dez anos após o
trabalho da “turma do Galba”.
Em julho de 1969
ocorreu o IX Congresso Brasileiro de Neuropsiquiatria, Neurologia e Higiene
Mental, no Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro. Lá fomos nós, a turma do
Galba, capitaneados por Fernando Megre Velloso e Jorge Paprocki, para fazer o
lançamento nacional do livro no congresso. Sucesso absoluto. A edição, primeira
e única, se esgotou em pouco tempo. Hoje quem possui um exemplar tem uma
relíquia nas mãos.
Poucos meses
depois, em agosto de 1969, lançamos a Revista do Centro de Estudos
Galba Velloso. Era uma idéia que acalentávamos há mais de um ano,
paralelamente ao livro Psicofármacos. Mais uma vez, contamos com a
colaboração de todos e, principalmente, de Paprocki e Eunice Rangel para
viabilizar o sucesso do empreendimento. Contamos com o patrocínio de alguns
laboratórios farmacêuticos, o que nos pavimentou o caminho da plena realização
da obra. O lançamento do primeiro número se deu nos salões da Associação Médica
de Minas Gerais, quando a iniciativa foi saudada por Jarbas Moacir Portella,
analista didata do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Muitos de nós
fazíamos análise com o Dr. Jarbas, eu inclusive, como já relatado.
A residência de psiquiatria
fora criada em 1968, tendo a primeira turma os seguintes residentes: Arlindo Carlos Pimenta, José
Carlos Pires Amarante, José Ronaldo Procópio, José de Assis Corrêa, Eudes Ramon
Paredes Montilla, João Luiz da Silva Toni, Claudio Pérsio Carvalho Leite, Hélio
Roscoe e Virgílio Bustamante Rennó. A segunda turma, de 1969, contava com:
Rodrigo Teixeira de Salles, Javert Rodrigues, Maria Auxiliadora Athayde, Maria
Muniz Passos (Lia), Maurício Sartori, Vicente Santos Dias, Lélio Marcio Dias e
Antônio Carlos Corrêa. A terceira turma, de 1970, era composta por: Adelgício José Melo de Paula, Aluísio Caldas de Azevedo, Antônio Leite Rangel, Argileu Pereira dos Santos, Clovis Figueiredo Sette Bicalho, Delcir Antônio da Costa e Marcos de Melo Couri.
A residência havia
sido enriquecida com o aporte de jovens profissionais ao corpo docente. Alguns
haviam feito sua formação no Rio de Janeiro, com o prof. Leme Lopes, como foi o
caso de André Faria d’Azevedo Carneiro, dono de sólidos conhecimentos da
psicopatologia fenomenológica alemã clássica. Os estudos de Karl Jaspers eram
obrigatórios, bem como dos filósofos Husserl, Dilthey, Martin Heidegger e
outros da escola analítico-existencial alemã. E eram motivos de debates
frequentes.
O Galba estava em
seu apogeu e era considerado uma das referências da psiquiatria brasileira.
Havia inúmeros candidatos à residência de diversas localidades de Minas e de
outros estados. Ao mesmo tempo, o prestígio nacional de Jorge Paprocki atingira
alturas inimagináveis. Era convidado para eventos pelo País afora. Havia também
o interesse da indústria farmacêutica em promover lançamentos de seus produtos
no HGV. Tal ocorreu em março de 1970, quando o laboratório Ciba-Geigy planejou
lançar o Anafranil injetável, um importante antidepressivo da época, e propôs
que o lançamento se realizasse durante um Simpósio Nacional sobre Depressão no próprio
HGV. Todos se mobilizaram para o evento, que foi um sucesso, em março de 1970.
Personalidades de renome nacional da psiquiatria e de outras especialidades
médicas prestigiaram o evento, que também teve o patrocínio da Associação
Brasileira de Psiquiatria, então uma jovem de apenas quatro anos de idade. A
ABP foi criada em 1966, com a participação ativa de Fernando Megre Velloso e
Jorge Paprocki.
Antes, em 1969, por
inspiração de Jorge Paprocki, a equipe do HGV começou a aventar a hipótese da
realização do I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Era um evento jamais tentado
antes, em função das divisões internas da psiquiatria mineira. Para não
melindrar susceptibilidades, todas as grandes figuras da psiquiatria do estado
foram convidadas a participar, sem exceção. Houve um apoio maciço de nossa
comunidade psiquiátrica que atendeu ao apelo de forma entusiástica e
incentivadora. Houve algumas exceções, como de praxe em tudo que se faz em
qualquer área.
Foi planejado o congresso para ocorrer entre 26 e 29 de junho de 1970, no Grande Hotel de Araxá. Tudo foi cuidadosamente planejado e preparado um ano antes do evento. Não tínhamos nenhuma experiência em tais atividades e enfrentamos inúmeras dificuldades, com sacrifício, mas com grande orgulho e satisfação. Este congresso foi um divisor de águas na psiquiatria mineira. Aglutinou um numeroso grupo de psiquiatras de Minas e de outros estados, com ênfase em participantes do Estado de São Paulo, mas vieram profissionais até do Nordeste e do Sul do País. Foi um sucesso. O Dr. Fernando Megre Velloso foi convidado para ser seu presidente de honra. O I Congresso Mineiro de Psiquiatria teve a seguinte composição de suas várias comissões:
Foi planejado o congresso para ocorrer entre 26 e 29 de junho de 1970, no Grande Hotel de Araxá. Tudo foi cuidadosamente planejado e preparado um ano antes do evento. Não tínhamos nenhuma experiência em tais atividades e enfrentamos inúmeras dificuldades, com sacrifício, mas com grande orgulho e satisfação. Este congresso foi um divisor de águas na psiquiatria mineira. Aglutinou um numeroso grupo de psiquiatras de Minas e de outros estados, com ênfase em participantes do Estado de São Paulo, mas vieram profissionais até do Nordeste e do Sul do País. Foi um sucesso. O Dr. Fernando Megre Velloso foi convidado para ser seu presidente de honra. O I Congresso Mineiro de Psiquiatria teve a seguinte composição de suas várias comissões:
Comissão
Organizadora
Presidente de
honra: Fernando Megre Velloso
Presidente: José
Raimundo da Silva Lippi
Vice-Presidente:
Francisco Paes Barreto
Secretário: Antônio
Carlos Corrêa
Tesoureiro: Marcos
Otávio Gonçalves
Comissão de Divulgação e Imprensa
Eunice Rangel
Paulo Saraiva
Mário Catão
Guimarães
Javert Rodrigues
Antônio Leite
Rangel
Comissão Científica
Jorge Paprocki
Jarbas Moacir
Portela
Sebastião Abrão
Salim
César Rodrigues
Campos
Maria Auxiliadora
de Souza Brasil
Comissão de
Finanças
Marcos Otávio
Gonçalves
Armando Leite Naves
Rodrigo Teixeira de
Salles
João Luiz Silva
Toni
Comissão de
Recepção e Alojamento
Maria Muniz Passos
Vicente Santos Dias
Marco Aurélio
Baggio
Arlindo Carlos
Pimenta
Assistente Social Izabel Izilda
Assistente Social Izabel Izilda
O temário do
Congresso, de acordo com as necessidades básicas da época, foi “O Hospital
Psiquiátrico”. Tema candente, mas ainda sem as conotações anti-nosocomiais dos
anos que viriam a seguir. O congresso se realizou no esquema de “grupos de
discussão”, onde os temas propostos eram debatidos e as conclusões apresentadas
em relatório nas sessões plenárias. Os temas abrangeram os seguintes tópicos:
1- Política
Assistencial e o Hospital Psiquiátrico em Minas Gerais
1.1 O
papel da Comunidade em relação ao hospital psiquiátrico.
1.2 O
papel do hospital psiquiátrico em relação à Comunidade.
1.3 O
papel do hospital de agudos no plano de assistência psiquiátrica
pública.
1.4 O
papel do hospital de crônicos no plano de assistência psiquiátrica
pública.
1.5 O
papel do hospital-dia-noite no plano de assistência psiquiátrica pública.
1.6 O
papel do ambulatório no plano de assistência psiquiátrica pública.
1.7 O
hospital de agudos como unidade de tratamento intensivo.
1.8 Organização
do hospital psiquiátrico sob o ponto de vista técnico.
1.9 Organização
do hospital psiquiátrico como fator terapêutico.
1.10 Critérios de avaliação de eficácia de
um plano de assistência psiquiátrica.
2- O
Ensino e Pesquisa no Hospital Psiquiátrico em Minas Gerais
2.1 O
hospital psiquiátrico como centro de ensino.
2.2 O
papel do hospital psiquiátrico na formação de pessoal
de nível superior.
2.3 O
papel do hospital psiquiátrico na formação de pessoal
de nível médio.
2.4 O papel
do hospital psiquiátrico como centro de pesquisa.
2.5 Critérios
de avaliação da eficácia de um plano de ensino e
treinamento.
3- Posição
Atual de Terapêuticas no Hospital Psiquiátrico
3.1 Posição
atual das terapêuticas biológicas no hospital
psiquiátrico.
3.2 Posição
atual das terapêuticas farmacológicas no hospital
psiquiátrico.
3.3 Posição
atual da psicoterapia individual no hospital
psiquiátrico.
3.4 Posição
atual da psicoterapia de grupo no hospital
psiquiátrico.
3.5 Posição
atual dos grupos operativos no hospital
psiquiátrico.
3.6 Posição
atual da praxiterapia no hospital psiquiátrico.
3.7 Posição
atual da arteterapia no hospital psiquiátrico.
3.8 Posição
atual da ambientoterapia no hospital psiquiátrico.
4- Definição de
Papéis Dentro do Hospital Psiquiátrico em Minas Gerais
4.1 O papel do psiquiatra em um hospital psiquiátrico.
4.2 O papel do psicanalista em um hospital psiquiátrico.
4.3 O papel do psicólogo em um hospital psiquiátrico.
4.4 O papel do assistente-social em um hospital psiquiátrico.
4.5 O papel da enfermeira em um hospital psiquiátrico.
4.6 O papel do praxiterapeuta em um hospital psiquiátrico.
4.7 O papel do administrador em um hospital psiquiátrico.
4.8 O papel do estagiário em um hospital psiquiátrico.
4.9 Conceituação e liderança de equipe psiquiátrica.
Como se pode
observar pelo temário, as preocupações da psiquiatria brasileira, em fins da
década de 1960, eram semelhantes às preocupações da psiquiatria mundial, em que
o exercício do papel dos diferentes profissionais era frequentemente
questionado. Havia a preocupação em acompanhar a evolução dos grandes centros
mundiais da psiquiatria e sua adaptação à nossa realidade mineira. De certa
forma, pode-se dizer que esses temas são questões, na maioria das vezes, ainda
não resolvidas entre nós, passados 44 anos do evento que deu início a uma
psiquiatria mineira mais consciente de seus objetivos, mais pertinaz na busca
da realização de seus sonhos, mais transparente e com melhores definições do
trabalho de cada um dentro de uma equipe psiquiátrica.
Jorge Paprocki foi Presidente do Departamento de Neuropsiquiatria (posteriormente Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica) da Associação Médica de Minas Gerais no biênio 1965-1967. Sua gestão foi a mais profícua do período, como o atestam as atas contidas no Livro de Atas da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), entidade que sucedeu o Departamento. Todos os meses convidava, como palestrantes, os mais ilustres psiquiatras mineiros do período: professores Clóvis de Faria Alvim, Paulo Saraiva, Austregésilo de Mendonça, José Elias Murad, Fernando Megre Velloso, Joaquim Affonso Moretszohn, Haley Alves Bessa, além dos psicanalistas Malomar Lund Edelweis (o fundador do Círculo Mineiro de Psicologia Profunda, posteriormente Círculo Psicanalítico de Minas Gerais), Hélio Pellegrino (mineiro que morava no Rio de Janeiro), Jarbas Moacir Portella, Antônio Ribeiro, Célio Garcia e Eunice Rangel. Foi ele um dos mais influentes profissionais que batalharam pela fundação da Associação Mineira de Psiquiatria, que se deu em novembro de 1970.
Paprocki foi um dos líderes regionais que fundaram a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em agosto de 1966. Desde então, se manteve como um de seus mais respeitáveis e prolíficos membros, sendo frequentemente convidado para participar de eventos nacionais e internacionais. Na área de pesquisas, sempre foi a grande referência da psiquiatria mineira. Atuou na entidade, como assessor informal ou conselheiro honorário, até recentemente.
Jorge Paprocki foi Presidente do Departamento de Neuropsiquiatria (posteriormente Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica) da Associação Médica de Minas Gerais no biênio 1965-1967. Sua gestão foi a mais profícua do período, como o atestam as atas contidas no Livro de Atas da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), entidade que sucedeu o Departamento. Todos os meses convidava, como palestrantes, os mais ilustres psiquiatras mineiros do período: professores Clóvis de Faria Alvim, Paulo Saraiva, Austregésilo de Mendonça, José Elias Murad, Fernando Megre Velloso, Joaquim Affonso Moretszohn, Haley Alves Bessa, além dos psicanalistas Malomar Lund Edelweis (o fundador do Círculo Mineiro de Psicologia Profunda, posteriormente Círculo Psicanalítico de Minas Gerais), Hélio Pellegrino (mineiro que morava no Rio de Janeiro), Jarbas Moacir Portella, Antônio Ribeiro, Célio Garcia e Eunice Rangel. Foi ele um dos mais influentes profissionais que batalharam pela fundação da Associação Mineira de Psiquiatria, que se deu em novembro de 1970.
Paprocki foi um dos líderes regionais que fundaram a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), em agosto de 1966. Desde então, se manteve como um de seus mais respeitáveis e prolíficos membros, sendo frequentemente convidado para participar de eventos nacionais e internacionais. Na área de pesquisas, sempre foi a grande referência da psiquiatria mineira. Atuou na entidade, como assessor informal ou conselheiro honorário, até recentemente.
Em junho de 1971, o grupo
do HGV e FEAP, em conjunto com a AMP, o Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da UFMG mais uma vez tendo Jorge Paprocki à frente, organizou o II Congresso
Mineiro de Psiquiatria, no Hotel Glória de Caxambu. Foi praticamente uma
sequência do anterior, com uma temática muito próxima. Houve avanços sim, na
definição de papéis, no aprimoramento dos métodos de ensino da psiquiatria, no
desenvolvimento de pesquisas clínicas e psicofarmacológicas, na melhora do
relacionamento com as especialidades a ela ligadas para a conformação de uma
adequada equipe interdisciplinar. Foi uma constante a preocupação com o
aprimoramento técnico dos profissionais. Na época, como já sabemos, a psicanálise
predominava esmagadoramente como método de abordagem psicológica do paciente,
tanto intra como extra-muros. Mas não havia uma
ruptura, uma quebra na linha de condutas profissionais, como acabou ocorrendo
poucos anos depois.
Entretanto, as divisões dentro da psiquiatria mineira se acentuaram em fins da década de 1960. O que ocorreu, em
1971, foi uma fratura dentro do próprio grupo do HGV, motivado por forças
destrutivas decorrentes de vaidades pessoais, competição, luta por poder e
disputa política. Como sempre acontece nas instituições bem sucedidas e formam
uma grande equipe de pessoas com mentes e filosofias de vida diferentes e
distintos propósitos profissionais.
Em 1968, havia sido
criada pelo Governo Israel Pinheiro, a Fundação Estadual de Assistência
Psiquiátrica (FEAP), baseada na Lei 4.953, de 25 de setembro de 1968 e, pelo
Decreto 11.531, de 12 de dezembro de 1968. Era Secretário de Saúde o prof.
Clóvis Salgado da Gama (1906-1978). Essa política de se criar “Fundações”
decorreu das dificuldades enormes de administração de diferentes instituições,
na mesma área, sem uma política unificada, um sistema gerencial único, que
reduzisse os gastos financeiros enormes e pulverizados, e que otimizassem os
recursos materiais e de pessoal que nelas trabalhavam, já que o sistema
anterior passara a se tornar inviável para o estado. Foram diversas as
fundações criadas no período, tanto na área médica quanto em outras áreas da
administração estadual.
Em 1971, a FEAP
estava em crise. Não sei detalhar exatamente em quais setores. Provavelmente
questões de má gestão administrativa, financeira e de recursos humanos. Esse
seria um tema muito interessante para pesquisadores investigarem no futuro.
Nesse período, a maioria dos membros da equipe do HGV, da década de 1960, já
havia deixado o hospital, tanto os diplomados pela residência como os que a ela
antecederam. Todos foram tentando alçar novos voos, lançando-se em novos
projetos, alguns solo, outros formando distintas equipes para atuação em diferentes
instituições, onde a perspectiva de melhor renda financeira e projeção
profissional era um fator real. Houve uma dispersão em massa, uma verdadeira
explosão de uma estrela supernova, que irradiou astros luminosos para todos os
lados da galáxia psiquiátrica mineira e brasileira. Muitos deixaram o estado em
busca de novas oportunidades. A maioria aqui permaneceu, formando pequenos
grupos de atuação em equipes de distintos hospitais, clínicas particulares,
novos empreendimentos e nos consultórios. Novos sonhos, vida nova. Quase todos
se deram muito bem em suas novas funções, em razão da excelente formação tida
em todos esses anos no HGV.
O ano de 1971
começou com uma ferrenha disputa eleitoral pela presidência do Departamento de
Psiquiatria da Associação Médica de Minas Gerais, futura Associação Mineira de
Psiquiatria. No páreo estava César Rodrigues Campos, apoiado por parcela da
“turma do Galba” e, como adversário político, o prof. Paulo Saraiva, apoiado
maciçamente pelos psiquiatras dos diversos hospitais e clínicas de Minas
Gerais. Sentia-se um temor no ar, um clima de receio de que os discípulos de
Jorge Paprocki assumissem o poder numa entidade de classe que congrega os
colegas de todo o estado e de que tentassem impor seus métodos de trabalhos a
todos. Nos hospitais e clínicas havia muitos profissionais que não adotavam a
psicanálise como sua prática profissional. Venceu, por ampla margem de votos, o
prof. Paulo Saraiva. Iniciava-se aí o racha na psiquiatria mineira que persiste
até os tempos atuais.
Em fins de 1971, Jorge
Paprocki deixou a direção da FEAP, num rompimento com Fernando Megre Velloso. No ano seguinte, em 1972, Jorge Paprocki, já
desligado de suas atividades médicas no serviço público, associa-se a Luis
Bustamante e funda o Grupo de Estudos de Psicofarmacologia Clínica. A partir daí a carreira de Paprocki sofreu uma profunda inflexão, pois prosseguiu solo em sua brilhante atividade profissional. Continuou até o século XXI com suas pesquisas em psicofarmacologia clínica, suas supervisões na clínica psiquiátrica de jovens psiquiatras que desejavam iniciar atividades em experimentação e pesquisas, como palestrante brilhante e sofisticado escritor, tanto de textos científicos quanto em outras áreas do conhecimento. Paprocki continuou sendo uma referência na psiquiatria nacional até o fim. Era constantemente convidado para dar palestras e cursos em eventos pelo País. Foi um dos mais premiados e prolíficos psiquiatras da História da psiquiatria no Brasil. Era admirado por todos, inclusive por aqueles que seguiram rumos opostos quando a psiquiatria mineira foi politizada a partir da década de 1980. Foi uma das maiores referências da psiquiatria brasileira por mais de meio século. Enfim, ao perdermos Paprocki perdemos uma personalidade única e insubstituível.
Que descanse em paz!
Que descanse em paz!