Neste quadro, os pacientes afirmam
a dualidade de dois locais diferentes com o mesmo nome. Desta forma, podem
existir dois hospitais com o mesmo nome, o falso, onde o paciente está
internado, e o verdadeiro, localizado em outro lugar totalmente diferente, onde
o paciente alega ter estado anteriormente. O paciente pode dizer que existem
duas ruas com o mesmo nome, a falsa, onde ele se encontra, e a verdadeira, por
onde, com freqüência, ele circula. Pode ocorrer também duplicação de
localizações geográficas: uma, onde ele se encontra e que diz ser muito
parecida com a verdadeira, e a correta que está localizada em outro local bem
distinto (Gil, 2002). Este delírio foi descrito por Arnold Pick em 1903.
Arnold Pick (1851-1924) |
É um quadro que revela uma
dificuldade de identificação (hipoidentificação), associada a um comprometimento
no sentimento de familiaridade e conhecimento, vindo acompanhado de um delírio,
que é a idéia da duplicação de pessoas e coisas. Esta patologia pode se
relacionar a pessoas, objetos, animais domésticos, partes do corpo (ter mais de
duas pernas, dois troncos, duas cabeças, etc.). Roane e colaboradores (1998)
descreveram que o paciente pode dizer que está em dois lugares ao mesmo tempo,
o que pode ser visto como a união de dois lugares diferentes no mesmo local
(sua residência e o hospital), o que é chamado de delírio de ubiqüidade. Gil
(2002) relata que a reduplicação do próprio paciente é a idéia firmemente
consolidada de que há uma outra pessoa que é ele mesmo, que o verdadeiro eu-mesmo foi substituído ou que outras
pessoas mudaram de aparência para assumir a sua própria.
A síndrome delirante de má
identificação, descrita por Roane e colaboradores (1998), tem sido associada a
vários transtornos neurológicos. Foram relatados três casos em Parkinson e
demência, tratados com medicação dopaminérgica. Essa associação da síndrome com
parkinsonismo pode resultar da combinação de psicose dopaminérgica e disfunção
cognitiva que envolve especialmente o lobo frontal. Essa associação delirante
com parkinsonismo pode ser mais freqüente do que se imaginava antes.
Em situações de traumatismo
crânio-encefálico (Gil, 2002), pode ocorrer a paramnésia de reduplicação, como
naquele em que um indivíduo que sofreu um acidente de carro, declarar que
sofreu vários acidentes semelhantes.
Gil (2002), relata que a
apresentação clínica pode não ser igual em pacientes portadores da demência de
Alzheimer, que não se reconhecem num espelho e identificam a própria imagem
como a de outra pessoa (prosopagnosia).
Este quadro pode ser difícil de
ser distinguido da heautoscopia.
Autoscopia, alucinação especular ou heautoscopia é uma alucinação cujo objeto é
o próprio sujeito: ele acredita ver a si mesmo como num espelho, como uma cópia
dele mesmo. Em outras situações, o paciente pode ter a impressão de sair do
corpo, que ele pode ver, geralmente de cima, como se estivesse sobre um telhado
ou em um andar mais elevado com vista para baixo. Esta síndrome pode ocorrer em
pacientes epilépticos, com crises parciais ou complexas e generalizadas. O EEG
revela descargas na região temporal direita ou esquerda. Foram observadas
lesões nas regiões temporal, parietal ou occipital. Pode também ser encontrada
nas enxaquecas, bem como em estados confuso-oníricos. Não é raro serem também
observadas em quadros psicóticos, como a esquizofrenia, associada ou não a
alucinações. Por fim, podem ser observadas em estados ansiosos, situações de
estresse e fadiga intensa e mesmo como alucinações hipnagógicas em indivíduos
normais vivendo sob estresse. Este quadro foi muito descrito na literatura universal
por autores como Goethe, Dostoievsky, Maupassant, Musset e outros (Gil, 2002).
As paramnésias de reduplicação
também podem ser encontradas na esquizofrenia e outras psicoses, porém isso não
elimina uma patologia orgânica associada. Podem surgir mesmo quando não há uma
síndrome amnésica. Geralmente são decorrentes de uma vasta conjunção de
patologias orgânicas cerebrais: traumatismos crânio-encefálicos, AVC isquêmico,
demências, e como seqüela da eletroconvulsoterapia.
As paramnésias de reduplicação
ambientais, conhecidas como delírios espaciais (Gil, 2002), combinariam
comprometimento no tratamento espacial da informação, decorrente de lesão no
hemisfério direito, com um desconhecimento desse déficit, decorrente de lesão
ou hipofuncionamento no lobo frontal.
O quadro se complica quando se
sabe que, num mesmo paciente, podem estar presentes várias formas de
paramnésias de reduplicação. Em decorrência disto, levantou-se a hipótese de
uma desconexão entre várias estruturas neurais. Uma desconexão entre o
hipocampo e outras áreas envolvidas na armazenagem da memória poderia acarretar
dificuldades de associar novas informações a lembranças antigas, o que levaria
à reduplicação (Staton et al., 1982; in:
Gil, 2002). Desconexão entre áreas têmporo-límbicas direitas e o lobo frontal
comprometeria a coerência das percepções, da memória, dos contextos emocionais,
do sentimento de familiaridade das pessoas e lugares (Alexander et al., 1979; in: Gil, 2002). Ruptura
inter-hemisférica também foi aventada como possível origem desses quadros.
Lesão no hemisfério direito liberaria o hemisfério esquerdo, que também ficaria
privado de informações corretas, o que poderia estar subjacente às idéias
delirantes (Vighetto, 1992; in: Gil, 2002).
Para saber mais :
CORREA, A.C.O. Memória, Aprendizagem e
Esquecimento. A memória através das neurociências. (2010). Rio de Janeiro. Editora
Atheneu.
GIL, R. (2002). Neuropsicologia. São Paulo. Livraria Santos Editora.
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