terça-feira, 11 de agosto de 2015

Paramnésias de reduplicação





Neste quadro, os pacientes afirmam a dualidade de dois locais diferentes com o mesmo nome. Desta forma, podem existir dois hospitais com o mesmo nome, o falso, onde o paciente está internado, e o verdadeiro, localizado em outro lugar totalmente diferente, onde o paciente alega ter estado anteriormente. O paciente pode dizer que existem duas ruas com o mesmo nome, a falsa, onde ele se encontra, e a verdadeira, por onde, com freqüência, ele circula. Pode ocorrer também duplicação de localizações geográficas: uma, onde ele se encontra e que diz ser muito parecida com a verdadeira, e a correta que está localizada em outro local bem distinto (Gil, 2002). Este delírio foi descrito por Arnold Pick em 1903.


Arnold Pick (1851-1924)

É um quadro que revela uma dificuldade de identificação (hipoidentificação), associada a um comprometimento no sentimento de familiaridade e conhecimento, vindo acompanhado de um delírio, que é a idéia da duplicação de pessoas e coisas. Esta patologia pode se relacionar a pessoas, objetos, animais domésticos, partes do corpo (ter mais de duas pernas, dois troncos, duas cabeças, etc.). Roane e colaboradores (1998) descreveram que o paciente pode dizer que está em dois lugares ao mesmo tempo, o que pode ser visto como a união de dois lugares diferentes no mesmo local (sua residência e o hospital), o que é chamado de delírio de ubiqüidade. Gil (2002) relata que a reduplicação do próprio paciente é a idéia firmemente consolidada de que há uma outra pessoa que é ele mesmo, que o verdadeiro eu-mesmo foi substituído ou que outras pessoas mudaram de aparência para assumir a sua própria.

A síndrome delirante de má identificação, descrita por Roane e colaboradores (1998), tem sido associada a vários transtornos neurológicos. Foram relatados três casos em Parkinson e demência, tratados com medicação dopaminérgica. Essa associação da síndrome com parkinsonismo pode resultar da combinação de psicose dopaminérgica e disfunção cognitiva que envolve especialmente o lobo frontal. Essa associação delirante com parkinsonismo pode ser mais freqüente do que se imaginava antes.




Em situações de traumatismo crânio-encefálico (Gil, 2002), pode ocorrer a paramnésia de reduplicação, como naquele em que um indivíduo que sofreu um acidente de carro, declarar que sofreu vários acidentes semelhantes.

Gil (2002), relata que a apresentação clínica pode não ser igual em pacientes portadores da demência de Alzheimer, que não se reconhecem num espelho e identificam a própria imagem como a de outra pessoa (prosopagnosia).

Este quadro pode ser difícil de ser distinguido da heautoscopia. Autoscopia, alucinação especular ou heautoscopia é uma alucinação cujo objeto é o próprio sujeito: ele acredita ver a si mesmo como num espelho, como uma cópia dele mesmo. Em outras situações, o paciente pode ter a impressão de sair do corpo, que ele pode ver, geralmente de cima, como se estivesse sobre um telhado ou em um andar mais elevado com vista para baixo. Esta síndrome pode ocorrer em pacientes epilépticos, com crises parciais ou complexas e generalizadas. O EEG revela descargas na região temporal direita ou esquerda. Foram observadas lesões nas regiões temporal, parietal ou occipital. Pode também ser encontrada nas enxaquecas, bem como em estados confuso-oníricos. Não é raro serem também observadas em quadros psicóticos, como a esquizofrenia, associada ou não a alucinações. Por fim, podem ser observadas em estados ansiosos, situações de estresse e fadiga intensa e mesmo como alucinações hipnagógicas em indivíduos normais vivendo sob estresse. Este quadro foi muito descrito na literatura universal por autores como Goethe, Dostoievsky, Maupassant, Musset e outros (Gil, 2002).




As paramnésias de reduplicação também podem ser encontradas na esquizofrenia e outras psicoses, porém isso não elimina uma patologia orgânica associada. Podem surgir mesmo quando não há uma síndrome amnésica. Geralmente são decorrentes de uma vasta conjunção de patologias orgânicas cerebrais: traumatismos crânio-encefálicos, AVC isquêmico, demências, e como seqüela da eletroconvulsoterapia.
As paramnésias de reduplicação ambientais, conhecidas como delírios espaciais (Gil, 2002), combinariam comprometimento no tratamento espacial da informação, decorrente de lesão no hemisfério direito, com um desconhecimento desse déficit, decorrente de lesão ou hipofuncionamento no lobo frontal.

O quadro se complica quando se sabe que, num mesmo paciente, podem estar presentes várias formas de paramnésias de reduplicação. Em decorrência disto, levantou-se a hipótese de uma desconexão entre várias estruturas neurais. Uma desconexão entre o hipocampo e outras áreas envolvidas na armazenagem da memória poderia acarretar dificuldades de associar novas informações a lembranças antigas, o que levaria à reduplicação (Staton et al., 1982; in: Gil, 2002). Desconexão entre áreas têmporo-límbicas direitas e o lobo frontal comprometeria a coerência das percepções, da memória, dos contextos emocionais, do sentimento de familiaridade das pessoas e lugares (Alexander et al., 1979; in: Gil, 2002). Ruptura inter-hemisférica também foi aventada como possível origem desses quadros. Lesão no hemisfério direito liberaria o hemisfério esquerdo, que também ficaria privado de informações corretas, o que poderia estar subjacente às idéias delirantes (Vighetto, 1992; in: Gil, 2002). 

Para saber mais :

CORREA, A.C.O. Memória, Aprendizagem e Esquecimento. A memória através das neurociências. (2010). Rio de Janeiro. Editora Atheneu.
GIL, R. (2002). Neuropsicologia.  São Paulo. Livraria Santos Editora.

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