Antônio Carlos de
Oliveira Corrêa
"É
somente pela memória que somos um mesmo indivíduo para as pessoas e para nós
mesmos. Não me resta, talvez, na idade que tenho, uma só molécula no corpo que
eu tenha trazido quando nasci".
Denis Diderot
1- Introdução
Em dezembro de 1989, em
uma reportagem de capa da revista norte-americana Newsweek, a
princesa Yasmine Khan, filha do príncipe Ali Khan com a atriz de cinema Rita
Hayworth, e fundadora da International Alzheimer Association, deu um dramático
depoimento que agora reproduzo em parte:
"Próximo do fim,
cada movimento tinha de ser conduzido para ela, como se a vida tivesse se
tornado um script que ela não podia mais ler. ‘Nós estamos indo agora para a
mesa da sala de jantar, estamos indo almoçar’, teriam dito as enfermeiras. E
quando ela tinha de subir os pequenos degraus do banheiro: ‘Agora estamos
subindo os degraus, levante seu pé esquerdo’. Algumas vezes ela não o acertava
na primeira tentativa. Mas muito frequentemente, relatou sua filha, ela era
capaz de fazê-lo".
" Não foi uma
execução brilhante para a mulher que, certa vez, sem esforço algum, girou no
cinema em danças de salão, contracenando com Fred Astaire, deslumbrantemente,
degrau por degrau. Mas para Rita Hayworth aos 65 anos, perdida na névoa do
distúrbio degenerativo cerebral, conhecido como doença de Alzheimer, isso
representou um último e bruxuleante apagar da chama da consciência. Três anos
depois, acamada e sem falar, ela morreu."
Esta descrição do fim
daquela que foi uma das estrelas mais fulgurantes do cinema mundial nos alerta
para esse inimigo silencioso que, graças ao envelhecimento populacional, a
partir da década de 1970 vem assumindo proporções assustadoras no âmbito das
famílias e da sociedade em todos os países.
A doença de Alzheimer é
a patologia mais comum no grupo das demências. Segundo o National Institute on
Aging e a Alzheimer Association, dos EUA, ela é a quarta causa de mortes de
adultos idosos nos Estados Unidos e pode atingir 14 milhões de pessoas no ano 2050.
Em 1978 foram alocados 5,1 milhões de dólares para pesquisas nessa área,
montante que subiu para 123,4 milhões de dólares em 1989. Estima-se que de 10 a
30% dos pacientes com a doença de Alzheimer tenham o tipo da doença que é
herdado. Além disso, o estresse provocado pela doença nos familiares e
cuidadores dos pacientes torna-os mais vulneráveis aos distúrbios infecciosos.
A CID-10 assim define a demência: "A demência é uma síndrome decorrente de
uma doença cerebral, usualmente de natureza crônica ou progressiva, na qual há
perturbação de múltiplas funções corticais superiores, incluindo memória,
pensamento, orientação, compreensão, cálculo, capacidade de aprendizagem,
linguagem e julgamento, Não há obnubilação de consciência. Os comprometimentos
de função cognitiva são comumente acompanhados, e ocasionalmente precedidos,
por deterioração no controle emocional, comportamento social ou motivação. Esta
síndrome ocorre na doença de Alzheimer, na doença cerebrosvascular e em outras
condições que, primária ou secundariamente, afetam o cérebro". Em outra
conceituação, que segue o modelo norte-americano, as demências podem ser
definidas como toda patologia orgânica cerebral que acomete principalmente a
memória, pelo menos um outro domínio da atividade cognitiva (linguagem,
habilidades visuo-espaciais) e distúrbios significativos no trabalho e/ou
funcionamento social decorrentes dos déficits cognitivos .
Signoret afirma que
"por seu diagnóstico e sua assistência, a doença de Alzheimer pertence ao
domínio do neurologista, do psiquiatra, do gerontólogo, mas também e, antes de
tudo, do médico clínico. Por sua frequência, a doença de Alzheimer pertence à
sociedade e à economia da saúde. Por seus desconhecimentos, a doença de
Alzheimer pertence, enfim, às neurociências, este conjunto de disciplinas que
busca explicar o funcionamento cerebral e compreender as atividades
mentais".
A última classificação
da Associação Americana de Psiquiatria, o DSM-IV quase nada modificou a
classificação anterior, de 1987, o DSM-III-R. Na Tabela 10.1 podemos ver os
critérios diagnósticos para demência do DSM-III-R. Nessa última, surgiu, pela
primeira vez, uma diferenciação entre "síndromes mentais orgânicas" e
"distúrbios mentais orgânicos". Raskind diz que síndrome mental
orgânica refere-se a um grupo de sinais e sintomas sem referência à etiologia,
enquanto que distúrbio mental orgânico descreve uma síndrome mental particular
na qual a etiologia ou é conhecida ou pode ser presumida com um grau razoável
de certeza. Ele diz ainda que o fator orgânico responsável por um distúrbio
mental orgânico na velhice é mais comumente uma doença primária do tecido
cerebral (doença de Alzheimer ou infartos cerebrais múltiplos), mas também
doenças sistêmicas que afetam secundariamente o cérebro (mixedema, uremia)
também ocorrem comumente, particularmente como agentes etiológicos no delirium. Finaliza
dizendo que o termo "distúrbio" deveria ser usado quando um distúrbio
físico subjacente à constelação comportamental de sinais e sintomas é
conhecido.
São várias as síndromes
mentais orgânicas: 1) demências, 2) síndrome amnésica, 3) delirium, 4) síndrome
orgânica de humor. Neste nosso estudo vamos nos ater somente à doença de
Alzheimer, que pertence ao grupo das demências, pela sua extraordinária
importância epidemiológica.
A Organização Mundial de
Saúde fez, há alguns anos, um importante alerta sobre essa doença cujo texto
mostramos a seguir:
"A
demência de Alzheimer constitui um dos maiores problemas de saúde no mundo
atual. A melhora dos cuidados e a extraordinária redução da incidência das
doenças infecciosas trouxeram um aumento rápido do número das pessoas de mais
de 65 anos. Em algumas regiões do mundo, 15 a 23% da população ultrapassou esta
idade; nesse grupo, 11 a 15% das pessoas apresentam um enfraquecimento
intelectual mais ou menos severo e a doença de Alzheimer representa um papel
maior em provavelmente 60 a 70% destes casos.
Entretanto,
o exame de diversas populações mostra que as lesões da doença de Alzheimer são
encontrados no cérebro de 80% das pessoas consideradas como neurologicamente
normais entre 60 e 69 anos e em quase 100% dos cérebros de tais indivíduos além
dos 70 anos. A doença de Alzheimer está tão expandida no homem que suas lesões
histopatológicas são habitualmente consideradas como uma consequência
inevitável do envelhecimento. Apesar de que não se disponha de nenhum estudo
científico que permita verificar esta hipótese, parece muito provável que as
lesões infraclínicas de tipo Alzheimer sejam um fator importante na redução das
capacidades funcionais observadas nas pessoas de mais de 65 anos. Por todas
estas razões, um aumento maior da produtividade humana total poderia ser
assegurado pela prevenção e pela luta contra esta doença. É, consequentemente,
necessário que em escala mundial um investimento maior seja feito com urgência
para elucidar os problemas que ela coloca".
Tabela
1 - Critérios Diagnósticos do DSM-IV para Demência do Tipo Alzheimer
A-Desenvolvimento
de múltiplos déficits cognitivos manifestados tanto por (1) quanto por (2):
comprometimento
da memória (capacidade prejudicada de aprender novas informações ou recordar
informações anteriormente aprendidas uma (ou mais) das seguintes
perturbações cognitivas:
(a) afasia (perturbação
da linguagem)
(b) apraxia (capacidade
prejudicada de executar atividades motoras apesar de funcionamento motor
intacto)agnosia (incapacidade para reconhecer ou identificar objetos, apesar de
funcionamento sensorial intacto) perturbação
do funcionamento executivo (isto é, planejamento, organização, sequenciamento,
abstração)
Os déficits cognitivos
nos Critérios A1 e A2 causam, cada qual, prejuízo significativo no
funcionamento social ou ocupacional e representam um declínio significativo em
um nível anteriormente superior de funcionamento.
O curso caracteriza-se
por início gradual e um declínio cognitivo contínuo.
Os déficits cognitivos
nos critérios A1 e A2 não se devem a quaisquer dos seguintes fatores:
outras condições do
sistema nervoso central que causam déficits progressivos na memória e cognição
(por ex., doença cerebrovascular, doença de Parkinson, doença de Huntington,
hematoma subdural, hidrocefalia de pressão normal, tumor cerebral) condições sistêmicas que
comprovadamente causam demência (por ex., hipotireoidismo, deficiência de
vitamina B12 ou ácido fólico, deficiência de niacina, hipercalcemia,
neurossífilis, infecção com HIV)
condições induzidas por
substâncias
E- Os déficits não
ocorrem exclusivamente durante o curso de um delirium.
F- A perturbação não é
melhor explicada por um outro transtorno do Eixo I (por ex., Transtorno
Depressivo Maior, Esquizofrenia).
Codificar com
base no tipo de início e características predominantes:
Com Início
Precoce: se o início ocorre aos 65 anos ou antes.
Com Delirium: se
o delirium está sobreposto à demência.
Com Delírios: se
delírios são a característica predominante.
Com Humor
Deprimido: se o humor deprimido (incluindo apresentações que
satisfazem todos os critérios de sintomas para um Episódio Depressivo Maior) é
uma característica predominante. Um diagnóstico separado de Transtorno de Humor
devido a uma Condição Médica Geral não é dado.
Descomplicada: se
nenhuma das características acima predomina na apresentação clínica atual.
Com Início Tardio: se
o início ocorre após os 65 anos de idade.
Com Delirium: se o delirium está
sobreposto à demência.
Com Delírios: se
delírios são a característica predominante.
Com Humor Deprimido: se
o humor deprimido (incluindo apresentações que satisfazem todos os critérios de
sintomas para um Episódio Depressivo Maior) é uma característica predominante.
Um diagnóstico separado de Transtorno de Humor Devido a uma Condição Médica
Geral não é dado.
Descomplicada: se
nenhuma das características acima predomina na apresentação clínica atual.
Especificar se:
Com perturbação do
Comportamento.
Nota para a
Codificação: Codificar também doença de Alzheimer no Eixo III.
Histórico
Desde a antiguidade as
demências são conhecidas, mas foi só muito recentemente que elas tiveram um
estudo científico mais aprimorado e fidedigno. No início do século XIX o
psiquiatra francês Jean-Etienne Esquirol descreveu o quadro da demência senil
que se aproxima muito do que hoje conhecemos pelo nome de demência senil de
tipo Alzheimer. Em meados do mesmo século, Paul Broca em Paris, descobre que
lesões na parte posterior e inferior do lobo frontal provocam um tipo de afasia
na qual o paciente não consegue pronunciar as palavras, apesar de compreender
perfeitamente seu sentido. O distúrbio recebeu o nome de afasia de Broca e
ocorre, frequentemente em certos tipos de demência. Posteriormente, já no final
do mesmo século, Karl Wernicke desenvolveu ainda mais os estudos acerca da
demência ao descobrir uma região na parte superior e posterior do lobo temporal
esquerdo, próxima ao lobo parietal, que, quando lesada, provocava fenômenos de
afasia de compreensão da palavra falada e escrita, quadro este que recebeu o
nome de afasia de Wernicke em sua homenagem. Por esta época, Emil Kraepelin, em
sua famosa classificação dos distúrbios psiquiátricos, separa as demências senis
das demências arterioescleróticas baseado em critérios clínicos. Foi um avanço
considerável no estudo da patologia orgânica do cérebro e sua classificação
constitui ainda um marco na história da psiquiatria.
Foi em 1906 que o
neuropatologista e psiquiatra alemão Alois Alzheimer, trabalhando na
Universidade de Tübingen, descreveu um paciente de meia-idade que sofria de uma
demência progressiva que afetava a linguagem, memória e comportamento. Após a
morte do paciente, aos 55 anos, Alzheimer aplicou novas técnicas histológicas
de coloração no tecido cerebral e demonstrou a presença daquilo que agora é
conhecido como neurofibrilas e placas neuríticas no neocórtex e outras regiões
cerebrais. Sua descrição apresenta uma fidelidade aos atuais conhecimentos médicos
que assombra os especialistas. A doença ficou conhecida como demência pré-senil
para diferenciá-la dos quadros senis que apresentavam uma evolução clínica
diferente e muito mais lenta. Só a partir da década de 1960 se descobriu que
tanto as demências pré-senis e as senis apresentam os mesmos tipos de lesões
histológicas.
Apresentamos abaixo a
tradução do artigo escrito por ele, onde, pela primeira vez, há a descrição de
uma doença estranha que receberia mais tarde o seu nome:
"Sobre uma Estranha
Doença da Córtex Cerebral"
"Relatório sobre
uma doença em asilo psiquiátrico de Frankfurt 1 A.M., observada e relatada pelo
seu diretor Dr. Sioli, o qual internou o caso para estudo e observação.
Mulher de 51 anos
apresentou como primeiro sintoma da doença ciúme de seu marido. Segue-se rápida
e progressiva perda de memória, não conseguindo orientar-se em sua casa,
carregando objetos caseiros de lá para cá, chegando a esconder os mesmos. Em
vários momentos acreditava que queriam matá-la, gritando por causa disso.
No somatório, o seu
comportamento de intranquilidade deixava a equipe perplexa.
A paciente encontrava-se
desorientada no tempo e no espaço. Periodicamente fazia observações de coisas
das quais nada entende e não está familiarizada. Cumprimentava o médico como se
fosse uma visita, pedia desculpas porque ainda não conseguira terminar seu
trabalho e em seguida gritava bem alto, que o médico queria cortá-la, ou ela
procurava afastá-lo dizendo que ele estava flertando com ela, atentando contra
sua honra de mulher. Muitas vezes entrava em delírio e carregava sua roupa de
cama para onde ia. Chamava pelo marido e pela filha e tinha alucinações.
Constantemente gritava horas sem parar, com voz horrível.
Na impossibilidade de
compreender uma situação ou quando examinada, entrava sempre em verdadeira
gritaria. Só com muito esforço conseguia-se orientá-la.
O seu grau de observação
estava bastante afetado. Mostrando a ela vários objetos mencionava os nomes
corretamente, mas logo a seguir não se lembrava mais de nada.
Na leitura pulava de uma
linha para outra, lia pausadamente, soletrando e sem acentuação.
Na escrita, repetia
várias vezea a mesma palavra, não escrevia outras e aos poucos parava de vez.
Na fala, repetidamente
mudava o sentido do que queria dizer e às vezes usava expressões estranhas,
como, por exemplo, "despejador de leite"para uma xícara. Subitamente
ficava muda.
Algumas perguntas não
conseguia compreender.
Não identificava a
utilidade de vários utensílios.
O andar e o uso de suas
mãos eram normais. O reflexo patelar encontrava-se presente bilateralmente. As
pupilas apresentavam-se reagentes. As artérias radiais eram rígidas. Não houve
aumento da pulsação cardíaca.
Os sintomas da paciente
variavam de intensidade.
Depois de 4 anos e meio
de doença houve o óbito.
No período final, a
doente não reagia a estímulos e apesar do bom tratamento assumiu posição
fletida.
Em sua necrópsia,
verificou-se macroscopicamente cérebro levemente atrofiado. Microscopicamente,
com o tecido cerebral preparado pelo método de prata de Bielschowsky,
observou-se estranhas modificações nas neurofibrilas no interior das células
ainda normais, devido a sua grossura e especial facilidade de impregnação. O
centro de várias células desfez-se e só um pequeno nó de fibrilas mostra o
local onde há tempos existira um neurônio.
Como as fibrilas puderam
ser tingidas por vários corantes, deve existir alguma transformação química na
substância destas, devendo ser esta a causa da sua sobrevivência à morte
celular. Esta transformação das fibrilas anda de mãos dadas com um
armazenamento de um ainda não pesquisado produto patológico das células.
Mais ou menos um terço a
um quarto de todas as células do córtex mostravam esta transformação. Muitos
neurônios, principalmente nas camadas superiores, desapareceram por completo.
Distribuídos por todo o
córtex, particularmente na camada superior, encontravam-se milhares de placas
senis. Deixando-se reconhecer sem corantes, sendo refratárias aos mesmos.
A glia produziu muitas
fibras e, junto às células, notava-se muitos depósitos de gordura. Não se notou
infiltração de vasos, ao contrário, pode-se notar no endotélio o aparecimento
de novas formações de vasos.
Em resumo, estamos
diante de um singular processo de doença. Qualquer doença clínica de causa não
definida, dentro do grupo das psicopatias, merece todo o nosso esforço para
esclarecê-la. Cremos que existam mais doenças psíquicas do que nossos atuais
livros descrevem. Nos próximos anos, em muitas delas, pesquisas biológicas
poderão exclarecer suas etiologias.
Esperamos que,
progressivamente, estes grandes grupos de doenças que nossos livros apresentam
no momento, possam ser separados e classificados de forma mais sólida, para que
melhores estudos clínicos sejam realizados."
Com os conhecimentos
atuais, as múltiplas patologias cognitivas têm recebido uma terminologia
diferenciada em função de sua etiologia, clínica e prognóstico. De acordo com
Reisberg, podemos diferenciar os seguintes distúrbios cognitivos do idoso:
1) "Distúrbios
benignos da memória na pessoa idosa", engloba os quadros onde surgem os
sintomas clínicos mais precoces do declínio das funções cognitivas associadas à
idade. Admite-se que de 5 a 15% destes diagnósticos evoluam para uma demência
grave. Foi então proposto o nome de "estágio de distúrbios da memória"
para evitar a aceitação implícita de evolução invariavelmente benigna. Esse
quadro levanta a questão de até onde vai o envelhecimento normal e a
senilidade, isto é, a presença de uma demência.
2) Demência degenerativa
primária representa uma síndrome clínica de alteração das funções cognitivas,
de início e evolução progressivos, mas sem implicar em fatores etiológicos ou
fisiopatológicos específicos.
3) Doença de Alzheimer -
designa uma síndrome clínica típica com início e evolução progressivos de alterações
das funções cognitivas e acompanhada por modificações neurohistológicas tais
como as neurofibrilas, as placas senis e a degenerescência grânulo-vacuolar.
Pode tornar-se aparente antes ou após a idade de 65 anos.
4) Demência senil - é
uma demência que surge tardiamente na vida, podendo ter como causa a doença de
Alzheimer, uma demência vascular ou ser proveniente de outras patologias.
5) Demência Senil de
Tipo Alzheimer (DSTA) - é mais preciso do que o termo demência senil porque
exclui obviamente as demências vasculares. O termo é empregado para descrever
uma síndrome semelhante à demência degenerativa primária, mas há o incoveniente
de subentender a presença de alterações histológicas idênticas àquelas da
doença de Alzheimer, quando ainda não se evidenciou uma correlação
anátomo-clínica clara.
6) Demência Pré-Senil -
é uma síndrome demencial que surge antes dos 65 anos e é devida a diferentes
processos patológicos subjacentes compreendendo a doença de Alzheimer, mas não
exclusivamente (demência de Pick).
3- Epidemiologia
A doença de Alzheimer
responde por aproximadamente 50% de todas as demências e é, depois das
depressões, o distúrbio psicogeriátrico mais frequente. Por volta dos 65 anos
ela acomete de 5 a 10% das pessoas, aos 80 anos sua prevalência está em torno
de 20% e aos 85 anos ela gira em torno de 47%. A incidência duplica a cada 5
anos adicionais e triplica a cada 10 anos adicionais acima dos 65 anos de
idade. Calcula-se que entre 17 e 25 milhões de pessoas no mundo todo seja
portadoras da doença de Alzheimer. O maior fator de risco é a idade. Dado o
envelhecimento vertiginoso da população mundial, notadamente nos países
desenvolvidos, ela tem sido chamada de a "epidemia silenciosa",
"a doença número 1 do ano 2.000" e "a Peste Negra do século
XXI".
4- Diagnóstico
4.1- Critérios
Diagnósticos da Doença de Alzheimer segundo o National Institute of
Neurological and Communicative Disorders and Stroke e Alzheimer’s Disease and
Related Disorders Association (NINCDS-ADRDA) (Critérios
de McKhan, 1984)
I- Doença de Alzheimer
Provável
A- Critérios Clínicos
1-
Demência diagnosticada clinicamente e baseada no Mini-Mental-State de Folstein,
na escala de Blessed ou outros exames idênticos e confirmada por testes
neuropsicológicos.
2-
Déficit em pelo menos 2 funções cognitivas.
3-
Alteração progressiva da memória e de outras funções cognitivas.
4- Sem
transtorno da consciência.
5-
Sobrevinda entre 40 e 60 anos, mais frequentemente após os 65 anos.
6-
Ausência de doença geral ou cerebral que, diretamente ou não poderia
ser responsável pelos déficits progressivos da memória e das funções
cognitivas.
B- O
Diagnóstico de Doença de Alzheimer se apóia em:
1-
Deterioração progressiva das funções cognitivas específicas
(afasia, apraxia, agnosia).
2-
Redução das atividades da vida diária e alteração dos modelos
de comportamento.
3-
Distúrbios semelhantes nos antecedentes familiais (principalmente
se confirmados por ex. neuropatológico).
4-
Exames de laboratório: Punção lombar normal, EEG normal ou variações
específicas como aumento das ondas lentas, atrofia cerebral progressiva
confirmada por T.C. sucessivas.
C-
Outras Características Clínicas:
1-
Platô na evolução da doença,
2-
Sintomas associados: depressão, insônia, incontinência, alucinações,
manifestações verbais, emocionais e físicas bruscas, desordens sexuais, perda
de peso.
3-
Distúrbios neurológicos sobretudo nos estágios mais avançados da doença com
sinais motores, hipertonia, mioclonias, distúrbios da marcha.
4-
Comas brutais nos estágios avançados da doença.
5-
T.C. normal para a idade.
D- Características
Aleatórias:
1- Sobrevinda brusca,
2-
Aparecimento de sinais neurológicos focais como hemiparesia, déficit sensitivo,
diminuição do campo visual, distúrbios da coordenação que aparecem precocemente
no curso da doença.
3- Distúrbio da marcha
na fase inicial da doença.
II- Doença de Alzheimer
Possível
A- Pode ser feito na
base de uma demência com ausência de outras etiologias conhecidas (doença
neurológica, psiquiátrica ou geral) e na presença de formas atípicas quanto ao
início, quadro clínico ou evolução.
B- Pode ser feito na
presença de uma doença geral ou cerebral suficiente para ser causa de
demência mas que não se considera ser "a" causa dessa demência.
C- O diagnóstico deve
ser utilizado no curso de estudos diante de um déficit cognitivo isolado
severo e gradualmente progressivo na ausência de outra causa
identificável.
III- Doença de Alzheimer
Confirmada
1- A demência possui as
características clínicas da "Doença de Alzheimer provável".
2- Prova histopatológica
foi obtida por biópsia ou autópsia.
5- Evolução Clínica
5.1- A Lentidão de
Instalação: Um Elemento Diagnóstico
Clinicamente a Doença de
Alzheimer se manifesta por uma alteração das funções cognitivas de início e
evolução progressivas. A lentidão de instalação de um quadro demencial
constituído ou de uma síndrome confusional permite excluir um certo número de
etiologias. A antiguidade dos transtornos nas demências orienta as pesquisas
etiológicas:
1. Início em Horas ou
Dias ocorre em:
- Demências metabólicas
tóxicas
- Meningite aguda
- Acidente vascular
cerebral
- Traumatismos cranianos
- Etilismo
- Estados depressivos
2. Início em Semanas
ocorre em:
- Processos expansivos
intracranianos
- Meningo-encefalites
crônicas
- Traumatismos cranianos
- Etilismo crônico
- Estados depressivos
3. Início em Meses
ocorre em:
- Afecção tireoideana e
hipofisária
- Hidrocefalia de
pressão normal
- Processos expansivos
intra-cranianos
- Meningo encefalites
crônicas
- Doença de Kreutzfeld -
Jakob
- Traumatismos cranianos
- Etilismo e suas
implicações
- Estados depressivos
4. Início em Anos ocorre
em:
- Demência senil
- Doença de Alzheimer
- Doença de Pick
- Demência + Doença de
Parkinson
- Coréia crônica de
Huntington
- Demência arteriopática
- Sífilis
5. Início em Décadas
ocorre em: - Psicoses
5.2- Evolução
Progressiva
Com a doença de
Alzheimer já instalada, o estado deficitário mental produzido se caracteriza
por:
Transtornos da Memória: São
constantes e representam, de regra, a primeira manifestação clínica da doença.
No início, a pessoa está consciente de seus transtornos e pode tentar mascarar
seu déficit, arriscando-se a desenvolver uma síndrome depressiva que poderia
atrapalhar o diagnóstico. Estes transtornos que podem ficar isolados vão, mais
frequentemente, progredir, agravar-se, produzindo um esquecimento progressivo
dos fatos recentes (amnésia anterógrada ou amnésia de fixação).
Desorientação Espacial: é
frequentemente precoce.
Tripé Semiológico
Básico: Afasia - Apraxia - Agnosia: considerado
como característico da D.A. Os transtornos são evocadores porque eles ficam
isolados, diferentemente daqueles observados nas lesões cerebrais focais. Os
transtornos da linguagem são a regra com falta de palavras, transtornos da
compreensão verbal, transtornos do discurso que está reduzido ou incoerente.
As praxias estão
frequentemente alteradas, às vezes com uma apraxia ideatória evidente na vida
cotidiana associada a uma apraxia ideomotora de intensidade variável.
A agnosia é,
às vezes, difícil de objetivar. Um dos elementos característicos é a agnosia
das fisionomias - prosopagnosia - com desconhecimento dos
familiares da pessoa, e até dela própria, que não se reconhece mais em um
espelho.
Após uma duração
variável de dois a quatro anos a sintomatologia está completa e atinge-se a
fase de estado da doença com uma demência maciça, que atinge todas as funções
intelectuais, leva a graves transtornos mnêmicos globais e a graves transtornos
da atenção. Transtornos psicóticos completam frequentemente o quadro clínico
com idéias delirantes de perseguição ou de prejuízo ou acessos oníricos.
Mesmo a forma grave da
Doença de Alzheimer é de evolução lenta e progressiva, atingindo, ao fim de
vários anos, o estágio de demência avançada. Neste estágio o quadro, mesclado de
crises comiciais de progressão contínua, leva a um estado de semi-mutismo e de
caquexia alguns meses antes da morte que sobrevem em média em 4 a 6 anos, às
vezes mais, a partir do momento em que foi diagnosticada uma demência
constituída.
Esta evolução se
caracteriza, no gráfico, por dois parâmetros:
1. Os pontos de
divergência das quedas no envelhecimento "normal"e Doença de
Alzheimer de forma pré-senil e senil. Tratam-se de pontos teóricos que seriam
sobretudo um "período". Por que toda dificuldade nesta fase de
evolução é de se fazer a distinção entre envelhecimento "normal" e o
"estágio dos transtornos da memória" de uma doença grave.
2. O grau de inclinação
das quedas de Alzheimer pré-senil e senil em relação ao envelhecimento normal.
A evolução pode ser diferente de uma pessoa a outra (queda "suave" ou
evolução rápida em direção à demência). Por outro lado, na mesma pessoa,
numerosos fatores são susceptíveis de precipitar a evolução em direção à
demência.
O Quadro
Neuropsiquiátrico Instalado
Cummings e Victoroff
descreveram as principais síndromes que ocorrem na doença de Alzheimer:
a- Mudanças na
personalidade foram descritas por Petry e cols. e Rubin e cols. e estão quase
sempre presentes, sendo as mais comuns a passividade, o desengajamento social,
os pacientes exibem resposta emocional reduzida, há decréscimo na iniciativa,
perda do entusiasmo, redução da energia e decréscimo na afetividade.
b- Delírios são também
muito comuns, afetando de 30 a 50% dos paciente conforme Cummings e cols. e
Wragg e Jeste. Os mais frequentes envolvem falsas crenças de furto,
infidelidade da esposa, abandono, sua casa não é sua morada, perseguição,
"pensionista fantasma" e o fenômeno de Capgras (descrito por Reisberg
e cols.). Os delírios não se correlacionam com a severidade da demência ou com
aspectos específicos da disfunção intelectual (Flynn e cols.)
c- Alucinações não são
uma manifestação comum na doença de Alzheimer, ficando entre 9% a 27% dos
casos. As alucinações visuais são mais comuns, seguidas pelas auditivas ou
combinadas, auditivas e visuais. As alucinações auditivas são frequentemente
persecutórias e usualmente acompanham os delírios. A presença de alucinações
visuais pode indicar a co-ocorrência de um delirium.
d- Mudanças de humor,
como depressão, elação e labilidade afetiva. Poucos pacientes preenchem os
critérios para episódios de depressão maior, mas a depressão pode ocorrer entre
20% a 40% dos casos. De acordo com Mendez a ansiedade foi relatada em
aproximadamente 40% dos pacientes com Alzheimer.
e- Distúrbios da
atividade psicomotora e do comportamento são comuns e aumentam à medida que a
doença progride. Andar sem destino e andar a passos lentos ocorrem em quase
todos os casos nas fases intermediárias e avançadas da doença. De acordo com
Swearer e cols., inquietude ocorre em 60% dos casos, explosões de raiva em 50%
e comportamentos agressivos em 20%.
f- Para Merriam e cols.
e Swearer e cols. os distúrbios do sono com frequentes interrupções do sono
noturno são comuns, ocorrendo entre 45% a 70% dos casos.
A Síndrome de
Klüver-Bucy não é um fenômeno raro na doença de Alzheimer. Consiste ela em
hiperoralidade, com ingestão excessiva de substâncias alimentares indicando
lesão hipotalâmica, o que pode levar a obesidade, e até mesmo a ingestão de
substâncias não alimentares indicando distúrbio amigdaliano bilateral, a
colocação compulsiva de alimentos na boca, hiperssexualidade, andar sem rumo e
continuamente, e rituais compulsivos sem uma finalidade específica.
Na Tabela 2 vemos um
resumo de tal quadro clínico.
7 - As Afasias
Às vezes, encontramos
fenômenos afásicos específicos, como a afasia de Broca, de Wernicke ou de
Condução, dependendo de qual área for mais comprometida do que a outra.
Entretanto, tais afasias são mais frequentes nas demências cerebrovasculares
(antigas demências multiinfartos). A seguir, apresentamos algumas das
principais características clínicas destas afasias.
7.1- Afasia de Broca
Segundo Kandel, Schwartz
e Jessell, as principais características da afasia de Broca são:
• A compreensão da
linguagem está preservada em grande parte e a produção da linguagem está
seriamente comprometida;
• Observa-se lesão do
córtex motor associativo no lobo frontal, estendendo-se para a porção posterior
do terceiro giro frontal (áreas 44 e 45 de Brodmann). Em casos severos, as
regiões pré-frontais cincunvizinhas são danificadas (áreas 6, 8, 9 e 10 de
Brodmann);
• Observam-se déficits
de linguagem: mutismo, fala lentificada, uso de palavras muito simples. Há
expressão de nomes no singular e verbos no infinitivo ou particípio, eliminação
de artigos, adjetivos e advérbios. Ex.: em vez de dizer: "Eu vi alguns
gatos cinzentos", o paciente pode dizer: "Ver gato cinzento";
• Há falha na sintaxe.
Ex.: o paciente em vez de dizer: "Senhoras e senhores, vocês são convidados
a ir para a sala de jantar", pode dizer: "Senharas, senhores,
sala". Quando foi perguntado a um carteiro sobre qual era sua profissão
ele respondeu: "Correio... correio... c.." Há dificuldade na
compreensão dessa sintaxe;
• Observa-se falha na
repetição e nomeação de palavras;
• O paciente apresenta
consciência dos erros cometidos;
• A compreensão está
menos prejudicada quanto à linguagem escrita e visual;
• Há dificuldade em ler
alto, a escrita é anormal;
• Há frequente paralisia
parcial do lado direito e perda de visão (proximidade do córtex motor e cápsula
interna subjacente).
Tabela 2- Características
Neuropsiquiátricas da Doença de Alzheimer (Cummings e Victoroff, 1990)
Alterações de
Personalidade
|
Ansiedade
Distúrbios da atividade psicomotora
|
Desengajamento
Desinibição
Delírios
Persecutórios
Furtos
Infidelidade
Capgras
Alucinações
Auditivas
Visuais
Mudanças no humor
Sintomas depressivos
Humor elevado
Reações catastróficas
Labilidade de humor
|
Agitação ou querelância
Andar sem destino
Andar a passos lentos
Atividade sem propósito
Mistos
Mudanças na sexualidade
Diminuição do interesse sexual
Aumento do interesse sexual
Distúrbios do apetite
Distúrbios do sono
Síndrome de Klüver-Bucy
|
7.2- Afasia
de Wernicke
• Há um déficit maior na
compreensão.
• A lesão afeta
primariamente a área de Wernicke (área 22 de Brodmann), mas frequentemente se
estende para as porções superiores do lobo temporal (áreas 40 e 39).
• Em caso de lesão
extensa tando a compreensão da linguagem visual como a auditiva estão falhas.
• A fala é fluente e
normal em ritmo e melodia.
• Pode haver distúrbios
na produção de linguagem: parafasias (dificuldades de
encontrar a palavra correta ou uso inadequado de palavras e combinações erradas
de frases) e neologismos;
• Há distúrbio na
condução das idéias, a chamada "fala vazia".
• Há inconsciência de
sua falha verbal;
• Encontramos distúrbios
na repetição de palavras efrases, bem como na leitura e na escrita;
• Logorréia (pressão de
fala). Pouco sentido das palavras. Ex.: quando perguntado acerca de onde mora,
o paciente pode responder: "Eu fui para lá antes daqui e voltei para
lá".
• Há ausência de outros
sinais neurológicos.
• Há menor fluência
verbal do que na afasia de Wernicke.
• Há muitos erros
parafásicos ao substituir palavras ou sons incorretos pelos certos.
• Há boa compreensão
verbal, mas a habilidade para repetir está prejudicada.
• A nomeação de objetos
está muito comprometida;
• A leitura em voz alta
está anormal, mas os pacientes podem ler silenciosamente com boa compreensão;
• A escrita pode estar
comprometida;
• O soletrar é pobre,
com omissões, inversões e substituições de letras;
• Os movimentos
voluntários estão comprometidos em algum grau em certos pacientes. Na Tabela 3
podemos observar algumas características destas três afasias.
Afasia de Condução
• A lesão, preserva as
áreas de Broca e Wernicke, mas atinge o fascículo arqueado desconectando essas
áreas.
• A lesão no giro
supramarginal do lobo parietal e, menos frequentemente, encontramos lesão dos
giros superior e posterior do lobo temporal esquerdo. Envolve, portanto a
substância braca e a cinzenta.
8- Possíveis Subtipos da
Doença de Alzheimer
1. Doença de início
relativamente precoce, com mioclono, declínio intelectual
severo e frequente
mutismo nos estágios finais.
2. Doença com sintomas
extrapiramidais, declínio intelectual e funcional severo e sintomas
psicóticos frequentes.
3. Doença em grupo
benigno com pouca ou nenhuma progressão em um período de 4 anos.
4. Doença em grupo mais
típico com progressão gradual do declínio intelectual e funcional, sem
outros aspectos característicos.
De forma geral,
observa-se que nas formas precoces ocorrem déficits severos de CAT (colina
acetil-tranferase) no córtex além de notável redução de noradrenalina, ácido
gama-aminobutírico e somatostatina. Já nas formas tardias observamos um déficit
restrito de CAT ao lobo temporal e hipocampo.
Tabela 3 –
Características de Algumas Afasias
Afasia de Broca
|
Afasia de Wernicke
|
Afasia de Condução
|
|
Pronúncia
Ritmo da fala
|
Disartria,
Tartamudez,
Esforço
|
Normal,
Fluente,
Loquaz
|
Normal
|
Conteúdo da
Linguagem
|
Omissão de sílabas,
Agramatismo,
Linguagem telegráfica
|
Uso de palavras errôneas ou inexistentes
|
Algumas palavras
equivocadas
|
Repetição de
Linguagem
|
Anormal, melhor que
espontâneo
|
Anormal
|
Anormal
|
Compreensão da
Linguagem Falada
|
Norma
|
Muito anormal
|
Ligeiramente anormal
|
Compreensão da
Linguagem Escrita
|
Anormal, mas melhor do
que a fala
|
Frequentemente normal
|
Muito anormal
|
Escrita
|
Torpe, agramatismo, falhas na ortografia
|
Caligrafia correta, falhas de ortografia e
imprecisões
|
Erros de linguagem e
ortográficos ocasionais
|
Capacidade para
Nomeação
|
Melhor que a lingaguem
espontânea
|
Números equivocados
|
Números errôneos
ocasionais
|
Outros
|
Hemiplegia, apraxia
|
Às vezes hemianopsia e
apraxia
|
Hemiparesia leve, omissão
de estímulos à direita
|
9- Os Testes e Escalas
de Avaliação
Nas duas últimas décadas
surgiram inúmeros testes e escalas para melhor avaliação da progressão do
quadro demencial. Em 1973 surgiu a Mattis Dementia Rating Scale, desenvolvida
nos Estados Unidos pelo neuropsicólogo Steven Mattis. Até hoje é uma bateria
largamente utilizada para fins de pesquisa e também na clínica de pacientes
ambulatoriais portadores de demência. Ela leva de 30 a 40 minutos de aplicação
sendo, portanto, muito prática e demostra grande sensibilidade e
especificidade.
No interesse de se
avaliar os tratamentos para a doença de Alzheimer foi desenvolvida a ADAS-Cog –
Escala para Avaliação da Doença de Alzheimer – Subescala para a função
cognitiva. Esta é uma avaliação bastante sensível baseada no desempenho do
paciente, avaliando os transtornos cognitivos e comportamentais. A subescala
para a função cognitiva avalia a memória, a orientação, o racioncínio, a
linguagem e a praxia. Leva cerca de uma hora para ser completada.
Também foi desenvolvida
nessa época o CIBIC-Plus (Impressões sobre a progressão das alterações baseadas
na entrevista médica). Esse é um instrumento subjetivo, elaborado para avaliar
a alteração nos sintomas em áreas de funções gerais, cognitivas e
comportamentais e das atividades de vida diária. Ele pretende identificar
alterações suficientemente grandes para serem detectadas durante a entrevista
com o paciente e um informante.
Em 1975 surgiram os hoje
clássicos testes de Folstein, Blessed e Hachinski. Os dois primeiros são
importantes instrumentos no diagnóstico diferencial das demências e depressões.
O último no diagnóstico diferencial entre demências degenerativas (Alzheimer) e
demências cerebrovasculares. Apresentamos na Tabela 3 o Mini-Mental-State de
Folstein e cols., considerado hoje internacionalmente método padrão de triagem
diagnóstica de demências (screening).
Em caso de dúvidas
podemos lançar mão de testes mais complexos como a Escala WAIS-Memory (Escala
Wechsler de Inteligência Modificada para pessoas idosas), ou ainda submeter o
paciente a uma bateria de exames neuropsicológicos mais completa como a Bateria
Luria ou a Luria-Nebraska, ou ainda a Bateria Reitan-Glove. Entretanto, devido
ao seu longo tempo de duração (podem chegar até a 6 horas de aplicações de
testes) estas baterias são pouco práticas e sua finalidade principal é em
pesquisa ou na elucidação de casos especiais, muito complexos ou de difícil
diagnóstico.
Com fins de pesquisa e
levantamento epidemiológico de populações foi desenvolvida no fim dos anos 80
nos Estados Unidos, através de um consórcio composto por 21 grandes
universidades, uma bateria extremamente prática com finalidade diagnóstica mais
precisa da Doença de Alzheimer. Ela foi denominada de Bateria do CERAD (Consortium
to Establish a Registry for Alzheimer’s Disease). Por sua praticidade e alta
confiabilidade, ela vem sendo usada por pesquisadores no Brasil e também por
alguns clínicos em sua atividade diária. Ela é composta por diversos testes
neuropsicológicos adaptados que são os seguintes:
Desenho do relógio; 2-
Categorias de Fluência Verbal; 3- Teste de Nomeação de Boston; 3- Mini-Exame do
Estado Mental (Folstein); 4- Memória de Lista de Palavras; 5- Praxias
Construtivas; 6- Evocação de Lista de Palavras; 7- Reconhecimento da Lista de
Palavras; 8- Evocação da Praxia Construtiva; 8- Testes de Trilhas A e B.
Esta bateria foi
traduzida para o português e validada por pesquisadores do Departamento de
Neurologia, Serviço de Neurologia do Comportamento da Faculdade de Medicina da
UNIFESP.
Com propósito
semelhante, isto é o diagnóstico precoce das demências, e no mesmo período, foi
desenvolvida outra bateria neuropsicológica na Universidade de Cambridge no
Reino Unido denominada de CAMDEX (Cambridge Examination for Mental Disorders of
the Elderly). Sua Seção B denomina-se CAMCOG e é voltada exclusivamente para a
avaliação cognitiva do paciente, já que as demais seções destinam-se ao
levantamento da vida geral do paciente e colheita de informações dos
familiares. Esta bateria foi traduzida e validada por pesquisadores do
Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Em 1988, Berg
desenvolveu uma escala de avaliação clínica da doença de Alzheimer que logo
teve grande aceitação no meio científico internacional. É conhecida como
Clinical Dementia Rating Scale (CDR). Ainda hoje é bastante utilizada em
pesquisas e no acompanhamento clínico da evolução dos tratamentos da demência.
A Escala Global de
Deterioração (GDS) foi desenvolvida por Reisberg e cols., da Universidade de
New York, em 1982. Tornou-se muito conhecida como método de avaliação dos
estágios evolutivos da doença de Alzheimer, o que pode ser um instrumental
muito útil na indicação das técnicas de reabilitação cognitivas mais
apropriadas para o momento que o paciente vive. O GDS é utilizado em estudos
para avaliar o grau de declínio nas funções cognitivas do paciente ao invés de
avaliar as funções globais. Ele tem uma escala de sete pontos e avalia o
estágio da doença e pode quantificar a severidade da mesma. (Tabela 4)
Tabela 4 - Mini-Mental-State Folstein
et al. (1975)
ORIENTAÇÃO
|
|
1.
2.
3.
4.
5.
|
Em que dia da semana estamos ?
Em que dia do mês estamos ?
Em que mês estamos ?
Em qual estação do ano estamos ?
Em que ano estamos ?
|
6.
7.
8.
9.
10.
|
Onde estamos aqui ? (Qual hospital, qual
ambulatório, qual consultório ?)
Em que andar estamos ?
Em que cidade estamos ?
Em que estado estamos ?
Em qual país estamos ?
|
REGISTRO DE DADOS
|
|
11.
12.
13.
|
Repita as seguintes palavras: "limão,
chave, balão".
(O examinador deve pronunciar estas palavras no
ritmo de uma por segundo e repetí-las por 3 vezes).
Cada resposta correta = 1. Em caso de
dificuldades, recomece até 5 vezes.
|
ATENÇÃO E CÁLCULO MENTAL
|
|
14.
15.
16.
17.
18.
|
Subtraia 7 de 100 e assim por diante.
Fazê-lo por 5 vezes.
(Cada subtração correta = 1)
|
MEMÓRIA
|
|
19.
20.
21.
|
Você se lembra das 3 palavras que falamos ainda
há pouco ?
|
LINGUAGEM
|
|
22.
23.
24.
|
O que é isso ? (mostrar um lápis)
O que é isso ? ( mostrar um relógio)
Repita: "Nem aqui, nem ali, nem lá" (cada
resposta correta = 1)
|
25.
26.
27.
|
Peça ao paciente para repetir as três ordens
seguintes:
"Tome esta folha de papel, dobre-a no meio,
e coloque-a no chão"
(máximo de 3 pontos)
|
28.
|
Leia e faça o que está escrito nesta folha de
papel ("Feche os olhos")
|
29.
|
Escreva uma frase de sua escolha nesta folha de
papel.
|
ATIVIDADE MOTORA
|
Tabela 5 5-
Escala Global de Deterioração para a Doença de Alzheimer e as Desordens Cognitivas Ligadas à Idade - Reisberg e cols. (1982) *
Escala Global de Deterioração para a Doença de Alzheimer e as Desordens Cognitivas Ligadas à Idade - Reisberg e cols. (1982) *
Grau
de Deterioração
|
Estado Clínico
|
Características Clínicas
|
1. Sem Déficit Cognitivo
|
Normal
|
Sem queixas
subjetivas.
Sem déficit evidente
quando do interrogatório.
|
2. Déficit Cognitivo Muito Leve
|
Leve
Déficit Mnêmico
|
Queixas subjetivas de
transtornos da memória particularmente frequentes nos domínios seguintes
a. Esquecimento do
local dos objetos familiares;
b.Esquecimento de
nomes próprios antes bem conhecidos. Sem transtornos mnêmicos objetivos
quando do interrogatório. Sem modificações da vida social e profissional.
|
3. Declínio Cognitivo Muito Leve
|
Transtornos
da Memória Evidentes, Baixa da Atenção e daConcentração
|
Primeiros
sinais deficitários aparentes. Manifestações em pelo menos 2 dos domínios
seguintes:
a. O
paciente pode se perder quando em um local desconhecido
b.
Os colegas de trabalho se apercebem de uma baixa da eficácia profissional;
c. A
dificuldade em encontrar palavras e nomes torna-se evidente para os que o
cercam;
d. O
paciente pode ler um capítulo de um livro mas retém poucas coisas;
e. O
paciente tem menos facilidade em reter nomes de pessoas que lhe são
apresentadas pela 1a. vez;
f. O
paciente pode perder ou não saber onde guardou um objeto de valor;
g.Dificuldades
de concentração são evidentes ao exame clínico. Um déficit mnêmico
"objetivo’ só pode ser obtido em uma entrevista com provas
psicométricas. Redução das performances em situações profissionais ou sociais
difíceis.
A
negação do transtorno pelo paciente torna-se manifesta. Ansiedade leve ou
moderada acompanha os sintomas.
|
4. Déficit Cognitivo Moderado
|
Déficit Acentuado dos
3 Ítens Anteriores
|
Déficit
nítido quando de um interrogatório cuidadoso que se manifesta nos seguintes
domínios:
a. O
paciente está menos a par da atualidade;
b.
Podem manifestar-se lacunas em seu próprio passado;
c.Transtorno
da concentração evidente no teste das subtrações em série;
d.
Diminuição da capacidade de viajar, de gerir seu orçamento.
Habitualmente
sem déficits nos seguintes domínios:
a.
Orientação no tempo e em relação à pessoas;
b.
Reconhecimento dos rostos das pessoas familiares;
c.
Capacidade de se deslocar em endereços conhecidos.
Incapacidade
de realizar tarefas complexas. A negação dos transtornos ou sua não
consciência é frequentemente encontrada. Embotamento da atividade e evitação
das situações de concorrência.
|
5. Déficit Cognitivo Moderadamente
Severo
|
Demência Inicial
|
O
paciente não pode sobreviver sem ajuda. É incapaz, na entrevista, de se
lembrar de uma característica importante de sua vida corrente (ex: endereço,
no. de telefone datando de vários anos, nome dos membros próximos de sua
família como netos, nome do colégio onde estudou).
Frequentemente
há desorientação têmporo-espacial. Uma pessoa culta poderá ter dificuldades
em contar de 4 em 4 ao inverso, a partir de 40, ou de 2 em 2, a partir de 20.
As
pessoas nesse estágio guardam a noção dos fatos maiores que os interessam ou
interessam aos outros. Sabem o seu próprio nome e geralmente o nome de seus
filhos. Não têm necessidade de ajuda para se lavar ou comer, mas podem ter
dificuldades em escolher suas roupas e ocasionalmente vestir-se de maneira
inadequada. (ex: colocar o sapato direito no pé esquerdo).
|
6.
Déficit Cognitivo Severo
|
Demência Mediana
|
Esquecimento
ocasional do nome do cônjuge (do qual depende inteiramente para sua
sobrevida). Totalmente inconsciente de todos os acontecimentos e experiências
recentes de sua vida. Retém elementos de seu passado de forma muito
imprecisa.
Em
geral, o paciente ignora seu meio ambiente (ano, estação). Pode ter
dificuldades em contar de 10 a 1 e, às vezes, até mesmo de 1 a 10. Precisa de
ajuda para as atividades da vida cotidiana (ex: pode se tornar incontinente).
Tem necessidade de ajuda para se deslocar mas algumas vezes mostra-se capaz
de ir além dos locais familiares. O ritmo nictemeral está frequentemente
perturbado. Lembra-se quase sempre de seu nome próprio. Habitualmente
continua capaz de distinguir os familiares dos estranhos em seu ambiente.
Neste estágio sobrevêm modificações da personalidade e da emotividade. Elas
são muito variáveis e associam-se a:
a.
Alucinações (ex: o paciente pode acusar seu cônjuge de ser um impostor, pode
falar com personagens imaginários ou com sua própria imagem em um espelho);
b.
Manifestações obsessivas (ex: o paciente pode repetir continuamente gestos
elementares de limpeza);
c.
Sinais de ansiedade, agitação e mesmo comportamento violento, até aqui
desconhecido;
d.
Abulia cognitiva, quer dizer, perda da vontade porque o indivíduo não pode
prosseguir um pensamento suficientemente longo para desembaraçar uma linha de
conduta determinada.
|
7.
Déficit Cognitivo Muito Severo
|
Demência Avançada
|
Todas
as capacidades verbais são perdidas e frequentemente não há linguagem,
somente grunhidos. Incontinência urinária. O paciente tem necessidade de
ajuda para a toilete e as refeições. Aparecem déficits psicomotores
fundamentais atingindo, por ex., a marcha. O cérebro parece não mais ser
capaz de ordenar ao corpo o que fazer. Todas as funções corticais são
atingidas.
|
10- Etiologia da Doença
de Alzheimer
Inúmeras são as
hipóteses atuais acerca da doença de Alzheimer. Nenhuma delas responde sozinha
pela causa da doença e hoje a teoria mais em voga é a que associa todas elas,
ou parte delas, em um mesmo conjunto que se entrelaçam e se sucedem. A seguir
apresentamos as principais hipótese atualmente em voga:
1) Hipótese
neuroquímica;
2) Hipótese virótica;
3) Hipótese imunológica;
4) Hipótese
microtubular;
5) Hipótese
glutamatérgica;
6) Hipótese filotérmica;
7) Hipótese vascular e
metabólica;
8) Hipótese do papel
tóxico do alumínio;
9) Hipótese dos radicais
livres.
10) Hipótese do trauma.
Hipótese Neuroquímica
Os seguintes dados foram
encontrados no hipocampo e córtex cerebral dos portadores da doença de
Alzheimer:
a- a concentração
de colina-acetil-transferase (CAT) pode estar reduzida em 90%
em relação ao normal da mesma idade;
b- há degenerescência do
Núcleo de Meynert, responsável pela inervação colinérgica do córtex e
hipocampo; c- Há déficit menor em noradrenalina, serotonina, somatostatina e
outros neurotransmissores.
Hipótese Genética
Vários achados estão
consoates com uma hipótese genética, talvez a mais comprovada hipótese até
agora:
a- As formas familiares
da doença de Alzheimer são muito frequentes e relacionam-se a um gene
autossômico dominante;
b- Cerca de 10% dos
pacientes afetados têm outros parentes com doença de Alzheimer;
c- A probabilidade de um
pai portador da doença de Alzheimer transmitir a doneça para um filho é de 17%;
d- As anomalias
cromossômicas são muito encontradas nos familiares (há uma alta prevalência
entre elas da Síndrome de Down);
e- Ainda não foi
estabelecido um gene único como fator de transmissão, parecendo haver, além da
já comprovada participação do cromossomo 21, a participação dos cromossomos 19,
14 e 1.
Hipótese Virótica
Foi estabelecida uma
analogia com a doença de Kreutzfeld-Jacob, demência virótica rara, que atinge
pessoas entre 55 e 70 anos, com sobrevida de 1 ano. Observou-se que a adição de
extratos de cérebro de pacientes portadores da doença de Alzheimer a animais
produz filamentos helicoidais enrolados aos pares, reproduzindo a
degenerescência da doença. Entretanto, não foi demonstrada a transmissão homem
a homem. Caso haja realmente um vírus, ele estará na dependência de substrato
genético facilitador.
Hipótese Imunológica
A doença de Alzheimer é
uma doença do idoso, havendo a presença de amilose nas placas senis o que
levanta a suspeita de ser uma doença auto-imune. O fato de haver demências
transmissíveis homem a homem (Kreutzfeld-Jacob, Kuru) é outro argumento a favor
de uma debilitação dos mecanismos imunológicos do organismo.
São encontrados déficits
imunitários com frequência na doença de Alzheimer:
a- Diminuição global de
linfócitos e anomalias na repartição de subpopulações da linhagem branca;
b- Encontra-se uma
frequência aumentada de auto-anticorpos circulantes (anti-corpos anti células
hipofisárias, por exemplo).
Esta hipótese é, por si
só, insuficiente para demonstrar a origem auto-imune da doença porque as
perturbações imunitárias são frequentes nos idosos sem demências. Parece que os
anti-corpos contra os constituintes do Sistema Nervoso Central esteja mais
relacionados com o envelhecimento em si.
Hipótese Vascular e
Metabólica
A doença de Alzheimer
vem acompanhada por uma redução importante no débito sanguíneo cerebral, por
redução da quantidade de oxigênio e de glicose extraídos desse sangue e da
energia produzida a partir do O2 e da glicose, através de
estudos com a tomografia por emissão de pósitrons (PET- Scan). As reduções mais
evidentes são aquelas que têm lugar nos lobos frontais e parietais do córtex,
onde as modificações anátomo-patológicas são as mais notáveis.
Entretanto, resta uma
indagação que a ciência ainda não tem condições de esclarecer: essa hipótese é
a causa ou a consequência da deterioração ?
Hipótese do Papel Tóxico
do Alumínio
As taxas de alumínio
estão elevadas nos cérebros de portadores da doença de Alzheimer, com acúmulo
sobretudo nos neurônio com degenerescência neurofibrilar. Entretanto, na
encefalopatia dos dializados, as concentrações de alumínio são 5 vezes aquelas
da doença de Alzheimer, sem provocar lesões neurofibrilares. A injeção cerebral
de sais de alumínio no animal provoca lesões cerebrais do tipo da
degenerscência neurofibrilar, mas com filamentos simples e jamais em pares
helicoidais, além de se formar nas zonas do Sistema Nervoso Central que jamais
são atingidas pela doença de Alzheimer.
Hipótese dos Radicais
Livres
O envelhecimento seria
devido, em parte, aos efeitos deletérios dos radicais livres com oxidação
incontrolada dos componentes celulares. Isso é verificado na Trissomia 21,
modelo de envelhecimento acelerado que se explica pelo excesso de
superoxidodismutase (SOD). O gene da SOD está no cromossomo 21.
O excesso de SOD leva a
excesso de peróxido de hidrogênio (radical livre) que ultrapassa as capacidades
metabólicas das outras enzimas ligadas à degradação dos radicais livres. O
aumento da SOD, ou um transtorno no metabolismo dos derivados do oxigênio e dos
radicais livres, poderia levar ao envelhecimento acelerado com surgimento de
sinais histopatológicos da doença de Alzheimer.
A presença do
malondialdeído (produto da peroxidação lipídica radicalar) nas placas senis
levanta a hipótese de uma intervenção dos radicais livres na doença
placas senis levanta a
hipótese de uma intervenção dos radicais livres na doença de Alzheimer.
Hipótese Microtubular
Esta hipótese propõe que
um defeito nos microtúbulos representa um mecanismo patológico comum para a
doença de Alzheimer e a Síndrome de Down. Os microtúbulos formam o fuso que
orienta espacialmente os cromossomos, faz o controle direto da migração celular
e facilita o transporte de neurotrans-missores nos neurônios).
Os achados consoantes
com esta hipótese são os seguintes:
a- a resposta
filotérmica está comprometida na doença de Alzheimer;
b- há um aumento das anormalidades
cromossômicas em portadores de doença de Alzheimer;
c- a associação entre a
doença de Alzheimer e a Síndrome de Down;
d- o reaparecimento
tardio da rede de microtúbulos que se segue a tratamento com colchicina de
fibroblastos da pele de pacientes com doença de Alzheimer comparados com
controles;
e- há presença de
conjuntos defeituosos de microtúbulos no cérebro de portadores da doença de
Alzheimer.
Hipótese Glutamatérgica
A degeneração dos
terminais nervosos glutamatérgicos ocorre nos cérebros de pacientes com doença
de Alzheimer histopatologicamente confirmada. O L-Glutamato é um aminoácido
excitatório que, acredita-se, seja utilizado nas células piramidais do córtex.
Os neurônios piramidais contribuem significativamente para aumentar a eferência
neocortical e as trilhas associativas intra-corticais. Esses neurônios
degeneram na doença de Azheimer. O conteúdo de L-Glutamato nas projeções
terminais do caminho perforante está reduzido acentuadamente na doença de
Alzheimer. Ele é o principal neurotransmissor dessa projeção eferente do córtex
entorrinal para o hipocampo.
Hipótese Filotérmica
Esta hipótese é baseada
na observação de que a migração das células da série branca em direção a
temperaturas mais quentes está comprometida em alguns pacientes com a doença de
Alzheimer. Ela propõe que pessoas com resposta filotérmica comprometida também
têm habilidade reduzida para responder a influências tóxicas, infecciosas e
outras influências nocivas através do corpo, bem como no cérebro e é
consistente com a hipótese de um defeito microtubular em portadores da doença
de Azlheimer.
Hipótese do Trauma
GURLAND e MEYERS afirmam
que em estudos dos precursores da doença de Alzheimer o trauma craniano ocorre
mais frequentemente do que seria de se esperar do acaso. O enorme número de
pugilistas que desenvolve, no decorrer dos anos, demências degenerativas faz
robustecer essa hipótese. Ainda não se sabe ao certo por qual mecanismo
neuroquímico o trauma estaria ligado às demências degenerativas.
Sabe-se que nenhuma destas
hipóteses apontadas pode explicar sozinha a doença de Alzheimer. Há cada vez
maior unanimidade de opiniões entre os pesquisadores que elas poderiam se
entrelaçar e formar um todo que predisponha determinados indivíduos a
desenvolver uma demência degenerativa. Na Figura 1 podemos ver uma dessas
hipóteses integrativas no desenvolvimento de diferentes tipos de demências.
11- Alterações
Anatômicas na Doença de Alzheimer
A doença de Alzheimer se
caracteriza por algumas lesões histopatológicas bem típicas, algumas
descobertas pelo próprio Alois Alzheimer, em 1906. As principais lesões são:
a- Degeneração
neurofibrilar,
b- Placas senis,
c- Degeneração
grânulo-vacuolar,
d- Corpos de Hirano.
Há uma perda neuronal
acentuada na substância inominada especialmente no Núcleo
Basal de Meynert o que acarreta redução da produção de
Acetil-Colina e de seus estoques cerebrais.
Figura 2 - LESÕES NEUROFIBRILARES
Fonte: BOURAS, C. & HOF, P.R., - Neuropathologie de la Maladie d"Alzheimer –
Encyclopédie Médico-Chirurgicale, 1992.
A- Lesões típicas
neurofibrilares e placas neuríticas no neocórtex, evidenciadas por
imuno-histo-química (anti-Tau).
B- Lesões
neurofibrilares da camada II do córtex entorrinal: notar seu aspecto
multipolar, típico dos neurônios que formam o fascículo perforante que se
projeta no hipocampo.
C- Lesões
neurofibrilares típicas da região CA1 do hipocampo.
D- Lesões
neurofibrilares sub-corticais (núcleo basal de Meynert). Nestas estruturas, as
lesões apresentam um aspecto acima de tudo globóide. Impregnação argêntica
segundo Globus.
Figura 3- DIFERENTES TIPOS DE
PLACAS SENIS
Fonte: BOURAS, C. & HOF, P.R. - Ibid., 1992.
Fonte: BOURAS, C. & HOF, P.R. - Ibid., 1992.
A- Placa senil clássica
que mostra um centro intensamente fluorescente à tioflavina composto de
amilóide e sua coroa.
B- Placa fibrilar
formada de neuritos anormais.
C- Núcleo da substância
amilóide sem coroa fibrilar, representando o terceiro tipo de placas (flexa).
Este último tipo se encontra mais frequentemente na camada IV do córtex visual
primário, ao passo que os dois precedentes são mais característicos do córtex
de associação.
D- Grande depósito de
preamilóide: notar a diferença de intensidade do marcador.
E- Angiopatia da camada
IV do córtex visual primário: notar a presença de amilóide na parede dos vasos.
F- Degenerescência grânulo-vacuolar
em um neurônio piramidal do hipocampo: a lesão é caracterizada pela presença de
relativamente grandes vacúolos que comportam finas granulações.
Figura 4- ASPECTOS DA ATROFIA CORTICAL NA DOENÇA DE ALZHEIMER
Fonte: BOURAS, C. & HOF, P.R. - Ibid., 1992.
Figura 5 – DISTRIBUIÇÃO DAS LESÕES HISTOLÓGICAS
Fonte: INSTITUT DE PRODUITS DE SYNTHESE ET D'EXTRACTION NATURELLE - IPSEN, Maladie d'Alzheimer. 2 eme Edition. Paris, Générable Graphique Editeur, 1987.
As zonas escuras representam regiões corticais
onde as alteracões histológicas são mais frequentemente observadas com uma
acentuada densidade.
11.1- Degeneração
Neurofibrilar
É o espessamento e
tortuosidade das neurofibrilas do pericário, inicialmente ocupando pequena
parte do citoplasma, orientadas na direção da base para o ápice celular e
deslocando levemente o núcleo. Com o progredir da lesão, quase todo o
citoplasma e o núcleo são comprimidos e a alteração toma a forma de emaranhados
em dupla hélice, com 80 nm de comprimento e 10 nm de largura. Ela é marcada por
anticorpos contra a proteína TAU. Esta proteína está associada aos microtúbulos
e contribui para manter a sua estabilidade.
11.2- Placas Senis
São pequenas áreas
arredondadas com alteração da textura do neurópilo, detectadas facilmente pelos
métodos de impregnação pela prata. Aparecem como um aglomerado de material
fibrilar distorcido, em parte granular. Pode-se notar, no centro da placa, área
intensamente argirófila, compacta, circundada por halo claro.
Ao microscópio são
constituídas por processos celulares distendidos contendo numerosas
mitocôndrias, corpos densos e estruturas membranosas. Podem associar-se às
neurofibrilas.
11.3- Degeneração
Grânulo-Vacuolar
Neste tipo de lesão
encontramos vacúolos isolados ou múltiplos (3-5 micromilímetros) de diâmetro
com grânulo central basófilo e argirófilo minúsculo. Situa-se no pericário das
células piramidais do hipocampo (setor CA4) e no subiculum e
mais raramente no córtex para-hipocampal, amígdala e substância inominada.
Observa-se autofagia de várias proteínas do citoesqueleto neuronal ou de partes
fosforiladas dessas proteínas. Ela é raramente encontrada antes dos 65 anos e
surge em 75% dos casos entre 80-90 anos.
Neuroquímica
Duas importantes
substâncias químicas foram identificadas no cérebro dos portadores da doença de
Alzheimer: a proteína beta-amilóide e a proteína TAU, esta última também
vastamente encontrada nos indivíduos normais.
12-1- Proteína
Beta-amilóide
Cadeia de 40-42
aminoácidos que se acumula no cérebro dos idosos tendo uma proteína precursora
beta-amilóide (B-APP), parcialmente localizada dentro da membrana plasmática e
outra parte para fora.
A APP é uma
glicoproteína que inclui formas com ou sem um domínio inibidor de protease
próximo da extremidade N terminal da cadeia polipeptídica. Em células não
neuronais a APP pode estimular a proliferação de fibroblastos e influenciar na
coagulação sanguínea. Sua função nos neurônios não está clara mas sugere uma
proteção neuronal.
12.2- Proteína Tau
É um dos componentes dos
enovelados neurofibrilares, vindo associada a microtúbulos. É
sintetizada no neurônio e é normalmente modificada por processo de fosforilação
de resíduos específicos de sua cadeia de aminoácidos.
Uma forma alterada
(hiperfosforilada) da proteína Tau se encontra nas neurofibrilas. Uma
consequência funcional dessa hiperfosforilação é a inabilidade da mesma em se
ligar a microtúbulos. A ausência dessa ligação provavelmente desestabiliza as proteínas das paredes dos microtúbulos.
13- Tratamento da Doença
de Alzheimer
Tendo por base os
conhecimentos atuais acerca dos tratamentos farmacológicos da doença de
Alzheimer, chega-se à não muito otimista conclusão de que praticamente não
dispomos de nenhuma droga que seja realmente eficaz no combate a esse mal. Até
poucos anos atrás ainda se acreditava que os precursores da acetilcolina, o
nootrópicos e os vasodilatadores tinham uma real atuação benéfica no curso da
doença, mas as pesquisas da última década jogaram por terra essa esperança.
Entretanto, muitas drogas novas têm sido pesquisadas em todo o mundo e uma nova
esperança é projetada para dentro de alguns anos quando, se acredita, teremos
algumas drogas realmente eficazes na prevenção de uma degeneração cerebral
muito rápida. Já estão disponíveis no mercado algumas destas drogas. A seguir
apresentaremos os principais grupos de medicamentos e outros métodos
terapêuticos utilizados no tratamento da doença de Alzheimer, com um breve
comentário sobre cada um deles. De acordo com recente revisão efetuada por
Dunningham as seguintes drogas foram ou ainda são usadas:
A- Agonistas
Colinérgicos -
1-
Arecolina - alcalóide natural - tem sido preconizada para
incrementar o aprendizado escolar em voluntários normais. Introduzida por via
venosa mostrou-se sem efeito na D.A.
2-
RS-86 - não se mostrou eficaz.
3-
Betanecol - não ultrapassa a barreira hematoencefálica.
Administração intra-tecal não produziu efeitos na D.A.
4-
Oxotremorine - sem efeitos na D.A. e com sérios efeitos
colaterais.
5-
Bitartarato de nicotina - único agente
colinomimético nicotínico avaliado clinicamente - alguns efeitos benéficos mas
com acentuados efeitos colaterais que limitam seu uso.
6-
Minaprina e Quinucledina - agentes
colinomiméticos muscarínicos M1 (pós-sinápticos) - têm melhorado amnésias
produzidas por produtos tóxicos em roedores e são relativamente eficazes em
D.A., mas promovem estimulação tônica não-fisiológica.
B) Inibidores da
Acetilcolinesterase -
Este grupo de
medicamentos tem sua base de ação na inibição da acetilcolinesterase (AChE),
enzima que degrada a acetilcolina. Eles são:
1-
Fisostigmina - não apresenta grande permeabilidade para o
S.N.C. Estudos em animais com lesões feitas no hipocampo mostram melhoras
cognitivas após injeções intra-tecais em altas doses.
2-
Tetrahidroaminoacridina (THA) - Tacrina - Utilizada
comercialmente em vários países, inclusive no Brasil, com resultados parciais
nas demências leves e moderadas. É altamente hepatotóxica o que complica sua
utilização. Requer dosagens semanais das transaminases, durante 18 semanas
devido a essa ação. Além da propriedade inibidora da AChE ela aumenta a
liberação pré-sináptica da Ach porque bloqueia os canais de potássio e aumenta
a estimulação dos receptores monoamérgicos pós-sinápticos por retardar a
recaptação e degradação da NE e da 5-HT.
3- Donepezil
– Lançada em maio de 1997 nos Estados Unidos com o nome comercial de
Aricept, esta droga inibidora da AchE apresenta inúmeras vantagens sobre a
Tacrina, notadamente a sua segurança e a boa tolerabilidade. A mais importante
é sua ausência de hepatotoxicidade o que elimina os desconfortáveis exames
hematológicos semanais. Outro elemento facilitador de seu uso é sua única
tomada diária no período noturno. O efeito colateral mais observado é de
irritação gástrica o que pode complicar o tratamento de alguns pacientes e,
eventualmente, levar à sua suspensão. Também sua eficácia tem se mostrado
superior àquela droga. Isso praticamente selou a sorte da Tacrina que
praticamente deixou de ser prescrita pelos especialistas em todo o mundo. O
Donepezil ainda não está disponível no mercado brasileiro mas pode ser
facilmente obtido através de importação.
4- Rivastigmina –
Lançada no Brasil em 1998 pelo Laboratório Novartis este é um inibidor seletivo
da AchE cerebral de segunda geração e previne a hidrólise da acetilcolina
catalisada por enzima durante prolongado período de tempo. Este produto não é
metabolizado pelas enzimas hepáticas do citocromo P450 o que facilita o seu uso
junto com outros medicamentos no paciente idoso. Como a sua meia-vida de
eliminação é curta esta droga não representa problemas para o idoso que
eventualmente necessitar submeter-se a uma cirurgia com anestesia geral (são
comuns as quedas com fraturas que necessitam de cirurgia) já que poucas horas
após a sua ingestão poderão ser ministrados anestésicos e relaxantes.
Além destas, existem
outras drogas que se acham em pesquisas cujos resultados são promissores,
requerendo ainda mais observação: Galantamina, Maleato de Velnacrina,
Metrifonato, Huperzina A e B1, Heptil-fisostigmina. Mais de 20
diferentes drogas já se encontram na Fase 3 de pesquisas e terão seus
lançamentos no mercado mundial em breve.
C- Precursores da
Acetilcolina -
1- Colina,
lecitina. Até o início da década de 1980 eram uma grande esperança.
Atualmente sabe-se que não têm nenhum efeito sobre a demência.
Existem outras drogas em
estudo que necessitam de maiores avaliações:
2-
4-Aminopiridina - aumenta a transmissão colinérgica
central por aumentar a liberação da Ach no interior da sinapse.
3-
DUP-996 - indutora de liberação sináptica da Ach,
da Dopamina e da 5-HT.
D - Agentes
não-Colinomiméticos -
1-
Drogas Monoaminérgicas - os dados, até o
momento, são pouco animadores:
a-
Agonistas adrenérgicos: clonidina e guanfacina,
b-
Associação levodopa/benzerazida.
c-
IMAO tipo B (Selegilina).
2-
Drogas que Atuam sobre os Neuropeptídeos Centrais -
os resultados são incipientes e pouco conclusivos. Dentre essas drogas podemos
citar:
a-
Análogos da Vasopressina.
b-
Fator de Liberação da Tireotrofina (TRH).
c-
Colecistocinina.
d-
Substância P.
e-
Antagonistas de opióides: (sem resultados
favoráveis)
I-
Naloxone.
II-
Naltrexone.
f-
Inibidores da enzima conversora da angiotensina
Captopril: Em
relação a ela as perspectivas são animadoras, mas precisam de maiores estudos.
3-
Nootrópicos e outras drogas ativadoras da cognição: Até
o momento são pouquíssimos os resultados experimentalmente comprovados como
benéficos. Os mais pesquisados são: piracetam, pramiracetam,
aniracetam, oxiracetam.
4-
Vasodilatadores: sem ação benéfica sobre a D.A.
E- Compostos
Glutamatérgicos -
O Glutamato é
o principal aminoácido excitador das conexões associativas córtico-corticais
que suprem os neurônios piramidais. A excitotoxicidade mediada por aminoácidos
(entre eles o glutamato) pode produzir lesões muito similares à degeneração
neurofibrilar da D.A.
Os
bloqueadores dos receptores N-metil-d-aspartato podem induzir proteção
importante contra os aminoácidos excitatórios e isquemizantes, mediadores de
agressões corticais.
Tanto
o bloqueio como a ativação de diferentes subtipos de receptores de aminoácidos
excitatórios poderão ter indicação clínica e ser úteis no tratamento das
demências.
F- Bloqueadores dos
Canais de Cálcio -
1- Nimodipina -
facilita a aquisição de reflexos condicionados em coelhos e ativa o aprendizado
e a memória em ratos idosos. No homem, parece melhorar o aprendizado e a
memória em pacientes com transtornos cerebrovasculares, o desempenho cognitivo
e o comportamento na Síndrome Cerebral Crônica de grau leve a moderado.
Entretanto, seu emprego em doença de Alzheimer requer melhores estudos.
2- Nifedipina -
protege contra algumas agressões celulares causadas pela exposição prolongada a
aminoácidos excitatórios.
G- Fatores Beta-amilóide
e Neurotrópico -
No
futuro, a prevenção da deposição amilóide e da formação da placa senil poderia
ser feita interferindo-se em alguns dos processos patogênicos como a
superprodução, ou ligação anormal e fosforilação ou degradação da proteína beta
amilóide.
H-
Substâncias com atividades neurotrópicas que
poderão ser úteis no futuro:
Fator
de Crescimento Neuronal (NGF), Fator de Crescimento Epidérmico,
Fator
Neurotrópico derivado do cérebro, Gangliosídeos.
Recentes
achados demonstram que a administração de NGF reverte parcialmente lesões
induzidas por déficit de certas atividades enzimáticas corticais e outros
efeitos positivos sobre o metabolismo neuronal em animais de laboratório.
Recentemente, o NGF humano começou a ser produzido.
I-
Outras terapêuticas
Outras terapêuticas têm
sido pesquisadas. Em estudos de animais têm sido feitas cirurgias de
transplantes de tecidos em áreas críticas como o hipocampo e amígdala. Assim
como têm sido observados resultados satisfatórios com transplantes de
substância negra, parte compacta, em animais em que artificialmente se criou
quadros parkinsonianos, são promissores os estudos em animais com lesões
hipocampais e amigdalianas. Apesar de que estas experiências em animais ainda
estarem longe de poder ser aplicadas aos seres humanos, até por questões éticas
e legais também, os seus resultados são muito promissores. Acreditamos que,
dentro de alguns anos, com o desenvolvimento da genética, em particular de
técnicas de engenharia genética, e com o avanço da biologia molecular, teremos
à nossa disposição poderosos métodos de enfrentamento e prevenção da doença de
Alzheimer.
14 - Terapêuticas de
reabilitação cognitiva
Nos últimos anos, com o
desenvolvimento de técnicas oriundas da Neuropsicologia, surgiu uma série
métodos de reeducação e treinamento da memória e das habilidades de vida
diária. Elas têm se mostrado de grande utilidade no processo de redução da
velocidade de deterioração nas demências, em particular das degenerativas
primárias. Técnicas mnemônicas são conhecidas desde um passado remoto mas
ultimamente vêm assumindo um caráter mais científico com estudos controlados e
prospectivos. São utilizados jogos, brincadeiras, exercícios de palavras e
memorização, palavras cruzadas, cartas enigmáticas e muitos outros métodos que
no indivíduo normal podem melhorar as capacidades mnêmicas. Teoricamente
poderiam beneficiar também os portadores de demência. Não se conhecem dados
mais precisos acerca de sua real eficácia na evolução das demências, entretanto
o seu uso tende a aumentar em centros de referência no tratamento da doença de
Alzheimer em todo o mundo. Podemos constatar que os pacientes que são
submetidos a técnicas de reativação de suas capacidades cognitivas
apresentam-se melhor situados no mundo e voltam a manifestar interesse em suas
atividades cotidianas da casa, acompanhar um programa pela televisão, conseguem
melhorar sua compreensão acerca do mundo que os cerca. Entretanto, os
resultados podem ser limitados se estas técnicas forem usadas sozinhas.
Aguardamos melhores estudos para avaliar o seu real alcance.
15 - Considerações
Quanto ao Paciente e sua Família
A importância do
desarranjo no contexto familiar e social provocado pela doença de Alzheimer é
de tal monta, que preocupa a todos em qualquer parte do mundo. Tendo em vista a
gravidade dessa situação, citaremos literalmente abaixo as palavras finais do
manual destinado aos profissionais da área de saúde e ao público leigo
publicado pelo Instituto de Produtos de Síntese e de Extração Natural (IPSEN),
uma entidade privada, mas com profundas relações de intercâmbio científico com
o governo francês:
"A
doença de Alzheimer, mais do que qualquer outra doença, representa uma
subversão nos hábitos de uma família. Termos vivido 30, 40 ou 50 anos de nossas
vidas com um cônjuge, pai ou avô e vê-lo progressivamente desintegrar-se sob o
ponto de vista intelectual e afetivo e, em seguida, físico, representa uma
prova fora do comum. É uma carga moral, psicológica, afetiva, emocional e
também financeira e material deprimente. Há uma semiologia específica do meio
familiar que é preciso conhecer. Em alguns casos a família reage mal. Os
esquemas de adaptação são numerosos e variados: abatimento, desespero,
depressão, ansiedade, raiva, isolamento, recolhimento, culpabilização. Em
alguns casos as atitudes são realmente patológicas ou, pelo menos,
desajustadas, até mesmo para os pacientes institucionalizados: amaldiçoamento
da doença, rejeição afetiva e precipitada o que agrava os distúrbios, negação
da realidade, conflitos, antecipação da morte. Isto é tão verdadeiro, que há
muito tempo, até o fim o paciente fica em seu domicílio. Um estudo realizado
pelo Instituto de Serviços Médicos (França) em 1981, mostrou que a situação do
suporte social para as pessoas idosas que apresentam deterioração mental é a
seguinte:
12%
somente vivem em instituição
23%
vivem com seus filhos
45%
vivem com uma pessoa da mesma idade
20%
vivem sós.
É de
capital importância o papel do clínico, além de sua responsabilidade puramente
médica. Ele deve manter contatos frequentes com os familiares para apoiá-los
psicologicamente e corrigir os desvios.
É
essencial aprender como a doença afeta o comportamento, como responder aos
distúrbios cognitivos e comportamentais do paciente, como adaptar sua própria
atitude psicológica, como modificar o ambiente materialmente e moralmente.
Existem normas fundamentais: informada da doença, a família pode antecipar e se
preparar material e psicologicamente."
De especial importância,
é a participação nos grupos que se formaram pelo mundo afora, compostos pelas
famílias em cujo seio alguém é portador da doença de Alzheimer. Estes grupos de
famílias, eventualmente dirigidos por um médico, têm uma dinâmica muito
positiva: a verbalização alivia o inconsciente e elimina a angústia, tornando o
compartilhar do sofrimento mais humano. Os participantes trocam experiências
sobre sua vida diária, comparam suas vivências, entrosam-se e ajudam-se
mutuamente para mudar uma infraestrutura sanitária e social insuficiente. Estas
experiências têm se mostrado excelentes no sentido de desculpabilizar o círculo
familiar.
Pesquisas em várias
partes do mundo têm mostrado que as famílias dos pacientes têm demandas
gregárias e informativas: conhecer como os outros resolvem seus problemas, ter
oportunidade de encontrar pessoas com os mesmos problemas, dividir suas
impressões com os outros membros do grupo.
No Brasil já existe
desde 1991 a Associação Brasileira de Azheimer, com sede em São Paulo e
representantes em todos os estados da Federação, que tem por objetivos a
promoção de eventos sobre o tema, o esclarecimento do público em geral e a
publicação de boletins informativos periódicos,com dados mais recentes das
pesquisas mundiais sobre a doença, para esclarecimento de todos.
Já se pode notar
amplamente no Brasil que o pessoal que trabalha nos serviços voltados ao
atendimento ao idoso têm necessidade urgente de orientação psicológica e
aconselhamento técnico.
16 – Custo Financeiro
O custo total com os
cuidados para pessoas portadoras da doença de Alzheimer é muito elevado e do
ponto de vista financeiro ela traz um impacto total na sociedade nos Estados
Unidos. Calcula-se que o custo anual para cerca de 4 milhões de portadores nos
Estados Unidos chegue à soma de 100 milhões de dólares. Já no Reino Unido esta
cifra sobiu a 1 bilhão de libras no ano de 1991. A maior parte do custo
deveu-se aos cuidados de enfermagem domiciliar.
Considerações Finais
A doença de Alzheimer
está se tornando um dos maiores problemas de saúde pública nas últimas décadas
e, cada vez mais, aumentará de importância no futuro. Para enfrentá-la, há
necessidade de um enfoque globalizante porque seus cuidados se situam em vários
níveis. Há uma tendência em banalizar o problema, tomando-o como uma questão de
velhice, menosprezando a gravidade da questão. Esse despreso ainda vigente pelo
problema deve, dentro de muito pouco tempo, dar lugar a um enfoque
multidisciplinar que um adequado enquadramento da questão exige. É necessário,
portanto, uma mudança de mentalidades.
Esta é uma doença que
interessa a um grande número de pessoas: paciente, família, médicos de clínica
geral e especialistas (psiquiatras, neurologistas, geriatras, etc.),
psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, cuidadores.
Como as necessidades e
carências de nosso atual conhecimento são imensas, espera-se, para um futuro
não muito distante, grandes avanços nas pesquisas. A prioridade é a resposta
imediata à demanda de informações por parte de todos os interessados. O
imperativo clínico imediato é o diagnóstico precoce e preciso da doença. Ele
deve se apoiar em elementos positivos e não ficar apenas num diagnóstico de
exclusão. Deve se basear em critérios simples e generalizáveis que permitam uma
boa investigação da doença. Isso requer uma avaliação semiológica mais precisa,
o uso de adequadas escalas de avaliação comportamentais, por testes
psicométricos ou neuropsicológicos mais simples do que os atualmente
existentes, impossíveis de serem aplicados a uma grande faixa da população
geriátrica.
Ao lado disso, os
avanços promovidos pelas neurociências trarão em breve possibilidade de
obtenção de métodos preditivos mais refinados, uma nosologia universal e uma
classificação internacional com critérios diagnósticos mais simples que possam
superar a confusão que reinava no passado. Isso nos trará em breve uma
possibilidade de encontrar fatores prognósticos e etiológicos que levem a uma
eficaz prevenção.
O futuro está nas mãos
da pesquisa básica que poderá, em breve, nos brindar com a descoberta de
marcadores biológicos específicos, fáceis de utilizar na prática clínica.
Também a pesquisa neurofarmacológica tem um papel fundamental nesse processo.
Esta mudança de
mentalidades conduz a um novo enfoque positivo, ativo e consciente desta doença
e de suas perspectivas terapêuticas. De pequenos em pequenos passos chegaremos
todos juntos, os médicos, os pesquisadores, a indústria farmacêutica a um
equacionamento do problema.
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