Foto: Scientific American, nov. 1999. |
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas, e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por conta desta mudança
tão simples, tão certa, tão fácil
Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Cecília Meirelles (“Retrato”). In: Flor de Poemas.
“Vieillir, c’est encore le seul moyen que l’on ait
trouvé pour vivre longtemps”.
Sainte-Beuve
“Vieillir, c’est encore le seul moyen que l’on ait
trouvé pour vivre longtemps”.
Sainte-Beuve
(“Envelhecer, é ainda a única forma
encontrada para se viver longamente”).
Envelhecimento
Normal
O
tema do envelhecimento tem sido no decorrer dos séculos um dos mais penosos
para a humanidade. Quando jovens, nos julgamos eternos, jamais pensamos em
nosso próprio envelhecimento. Quando ultrapassamos a barreira dos 40 anos, já
começamos a nos preocupar com os primeiros cabelos brancos, as primeiras rugas,
os esquecimentos que teimam em nos rodear e passam as nos acompanhar como
sombras malignas. Sentimo-nos fragilizados e impotentes. Muitas vezes, a reação
é a negação. Negamos que estamos envelhecendo. Negamos que nossa musculatura
vai lentamente se atrofiando e se transformando em massas de gordura. Negamos a
queda de nossa resistência física e de nossa performance sexual. Negamos que
nossa capacidade intelectual vai se reduzindo, lentamente mas vai, que nossa
agilidade mental, nossos reflexos, também vão se reduzindo. Recusamo-nos a
olhar para a frente na tentativa de vislumbrar uma luz lá no fim do túnel, pois
não se trata de uma luz: lá se encontra a morte. E, acima de tudo, muitos de nós, além de negar,
voltamos ao passado, tentando, em vão, buscar uma juventude perdida há algum
tempo. E aí mora o perigo. Podemos nos tornar ridículos e hilários. O mundo
está repleto de exemplos que tais.
O
enfrentamento do processo de envelhecimento, um fenômeno universal, requer
certa dose de sabedoria para que seja bem sucedido. É preciso humildade e
aceitação para que não enveredemos por um mundo de depressão, um mundo sem luz,
que pode não ter retorno.
Mas,
o que é o envelhecimento? Filósofos, cientistas, artistas têm tentado
retratá-lo no decorrer dos séculos. Principalmente nas últimas décadas, quando
o mundo passa por um vertiginoso processo de envelhecimento populacional, o
tema tem se tornado recorrente. Tornou-se uma das peças de resistência de
diversas áreas, principalmente da Gerontologia, a ciência que estuda o
envelhecimento.
Várias
são as definições do envelhecimento. Vamos a algumas das mais conhecidas,
formuladas por autores consagrados da Gerontologia internacional.
Para
Kane e colaboradores (1985, apud
Vargas, 1994), envelhecer é um tempo de perdas, perda do papel social
(geralmente através da aposentadoria), perda de dinheiro, perda de amigos e
parentes (através da morte e mobilidade). Pode ser também uma época de temor:
medo pela segurança pessoal, pela insegurança financeira, de dependência.
Para
a maioria dos biólogos que estudam o envelhecimento, ele é o fenômeno
biopsicossocial que atinge o homem e sua existência na sociedade. Manifesta-se
em todos os domínios da vida, inicia-se pelas células, passa aos tecidos e
órgãos e termina nos processos extremamente complicados do pensamento.
O
prof. Heber Soares Vargas, pioneiro da Psicogeriatria no Brasil, dizia, em
1994, que o envelhecimento se inicia com o término do desenvolvimento e se
estende por dois terços da vida e, principalmente, através da perda funcional
de todos os sistemas.
Desde o início do século XX os estudiosos dividem o
envelhecimento em dois tipos:
Senescência (ou envelhecimento
primário);
Senilidade (ou envelhecimento
secundário).
De
acordo com um dos mais importantes estudiosos da segunda metade do século XX, o
prof. Ewald Busse (1994), renomado psiquiatra geriátrico norte-americano, o
envelhecimento primário (senescência) é um fenômeno universal,
intrínseco ao organismo e os fatores decrementais são determinados por
influências inerentes ou hereditárias. A taxa de envelhecimento varia
amplamente entre os indivíduos. Cada pessoa tem um envelhecimento diferenciado
dos seus contemporâneos. Uns envelhecem de forma mais saudável que outros, mas
sem que se possa identificar qualquer doença entre eles.
Para
o prof. Busse, o envelhecimento secundário (senilidade) é
caracterizado pelo aparecimento de defeitos e incapacidades que são causados
por fatores hostis no ambiente, incluindo traumatismo e doença adquirida.
Distingue
o cientista, entre aqueles que passam pelo processo do envelhecimento normal,
duas modalidades: o bem sucedido e o usual.
O envelhecimento bem sucedido é
composto por um grupo de pessoas que demonstram perdas mínimas associadas à
idade em uma determinada função fisiológica (função imunológica, densidade
óssea, tolerância a carboidrato, função renal, função cognitiva, etc.). É
também conhecido como “Envelhecimento com sucesso”. É um grupo que representa uma porção pequena,
mas potencialmente crescente da população global em processo de envelhecimento (Busse,
1994).
Já o grupo que passa pelo
envelhecimento usual é composto por
pessoas que apresentam prejuízos significativos comparado com o das pessoas
mais jovens, mas não são qualificados como doentes. Eles apresentam grandes diferenças entre os
indivíduos. As pessoas com o maior
“efeito da idade” têm risco aumentado para o surgimento de uma doença ou
incapacidade específicas (Busse, 1994).
Nos
estudos dessas questões uma das mais importantes áreas é a que avalia a
psicologia do envelhecimento. É uma área fronteiriça à Gerontologia e à
Psicologia conhecida como Psicologia do Desenvolvimento
ou Evolutiva. Desde a Antiguidade, filósofos têm escrito sobre esse
fenômeno. E para seu conhecimento, já afirmavam que se faz mister que vejamos o
homem como uma unidade, corpo e mente. Sócrates foi um deles, no quarto século
a.C. É conhecida sua afirmação de que “Em um aspecto estão os bárbaros trácios
mais adiantados que os civilizados gregos: no saber que o corpo não pode ser
curado sem curar-se a alma. Eis a razão por que os médicos da Hélade
desconhecem a cura de muitas enfermidades: porque ignoram o homem como um todo”
(apud Vargas, 1994).
Segundo
o gerontólogo J. Pikunas, em seu clássico livro Desenvolvimento
Humano – Uma Ciência Emergente, de 1979, a Psicologia do
Desenvolvimento ou Evolutiva teve seus alicerces teórico-científicos formulados
no século XIX, com o objetivo de estudar as mudanças físicas, morais,
intelectuais e emocionais no organismo e a personalidade humana como função da
idade. Ela dedica-se a um aspecto desta busca de conhecimento; procura o
entendimento e o controle dos processos básicos e da dinâmica subjacente ao
comportamento humano nos vários estágios da vida (apud Vargas, 1994).
Um
dos estudos mais fascinantes na Psicologia do Desenvolvimento é o que se refere
ao desenvolvimento da personalidade. Para o psicólogo e estudioso do
desenvolvimento humano norte-americano K. Warner Schaie, autor de outro livro
clássico intitulado Human Development and
Family Studies, de 1978, o desenvolvimento psicológico da personalidade se
dá em etapas bem definidas:
1- aquisitivo
(infância, adolescência),
2- realizador (adulto
jovem),
3- responsável e
executivo (meia idade),
a- componente
responsável
b- capacidades
executivas
4- reintegrativo
(velhice).
Schaie
diz que durante o período de vida há uma transição de: “o que devo saber”, passando
por: “como devo usar o que sei”, para: “por que sei”, configurando uma passagem
gradativa para padrões mais elevados de maturidade.
Esta
é uma área do conhecimento de avanços muito recentes. Foi na década de 1980 que
houve uma consolidação nos estudos da psicologia do envelhecimento, quando as
pesquisas se aprofundaram em áreas como a memória e a personalidade. Tais
avanços coincidiram com o boom de conhecimentos na psiquiatria geriátrica,
inicialmente na Europa Ocidental, posteriormente nos Estados Unidos e Canadá.
Também coincidiu com espetaculares avanços no conhecimento de ciências como as
das neuroimagens, da neuropsicologia e na psicologia da saúde.
Dois
dos maiores pesquisadores da área do envelhecimento e personalidade foram o
basco, naturalizado suíço, Julian de Ajuriaguerra, da Universidade de Genebra,
e U.M. Vischer, da Universidade de Basiléia. Após detalhados estudos na
psicologia do envelhecimento, estes autores concluíram que as necessidades
básicas do idoso são as mesmas do adolescente: necessidade de amor, calor familiar,
segurança interior e exterior e necessidade de ser útil aos demais.
Conforme
dois dos grandes gerontólogos da atualidade, os norte-americanos J. Birren e W.
Cunningham, em 1985, que publicaram um capítulo em obra clássica: Research on the psychology of aging,
principles, concept and theory (In: J. Birren e K. Shaie. Handbook on the Psychology of Aging. Van Nostrand
Heinhold Company. New
York, 1985), a psicologia do envelhecimento está envolvida com o estudo das
diferenças e modificações no comportamento que ocorrem com a idade e com os
padrões de comportamento que pessoas distintas, em diferentes idades e períodos
de tempo, apresentam. Entretanto, como assinala Paul Baltes, outro dos grandes
gerontólogos contemporâneos, todas as teorias existentes sobre o envelhecimento
e desenvolvimento psicológico são incompletas e consideradas “prototeóricas”.
Psicologia involutiva
A
involução é um processo que pode reduzir e/ou ampliar os recursos psicológicos,
os traços de personalidade e as necessidades biológicas do indivíduo. O
organismo busca, de uma forma global, a auto-regulação e controla as
transformações de funções e órgãos, além de avaliar a fragilidade progressiva e
crescente de algumas áreas, em particular da performance psicológica.
Segundo
Jiménez Herrero, em decorrência das interações entre o indivíduo e seu meio
ambiente, há uma contínua elaboração da personalidade, não estritamente
biológica e nunca estática. Em função disso, a atividade mental é sempre
modificada, intimamente ligada à saúde do indivíduo e de seu interesse. Para
ele, as bases dessa transformação se apoiam nos eventos de vida passados, nos
acontecimentos e nos comportamentos da infância, adolescência e vida adulta
(apud Vargas, 1994). Isso pode ajudar ou não a adaptação e o ajustamento do
indivíduo na velhice. Pode-se concluir daí que o homem é na velhice o que foi
na juventude na idade adulta.
Quanto
à questão crucial e preocupação básica, tanto das pessoas voltadas para o tema,
quanto dos pesquisadores, acerca das modificações da personalidade no
envelhecimento, muito conhecida é frase lapidar de Julian de Ajuriaguerra:
“Envelhece-se como se viveu” (On vieillit
comme on a vécu). Nada mais correto para se expressar todo o processo
psicológico que acompanha o envelhecimento, já que as mudanças surgidas durante
esse longo período não ocorrem porque o indivíduo ficou velho ou está velho,
mas pelo que viveu, como viveu e como vive.
A
personalidade no envelhecimento
Existem
muitos dados importantes no desenvolvimento da personalidade do indivíduo senescente
que devem ser observados. Os traços de personalidade e as capacidades
fisiológicas podem aumentar ou diminuir com o passar dos anos. Os que aumentam,
ou se acentuam, podem chamar mais a atenção das pessoas, mas podem ser
positivos ou negativos, conforme a situação. Devemos estar atentos também para
os que se reduzem. Christian Müller e Wertheimer (1968), da Universidade de
Lausanne, na Suíça, apontaram os traços que se acentuam com o tempo:
1-
Os traços de caráter fundamentais não podem
mais ser integrados harmoniosamente em um conjunto;
2-
O indivíduo, que antes era prudente,
torna-se, muitas vezes, com a idade, avarento e desconfiado;
3-
Indivíduos extrovertidos e brincalhões
podem, frequentemente, tornar-se faladores e inconvenientes;
4-
Indivíduos tímidos podem tornar-se
hipocondríacos.
Entre
os traços que se reduzem com o passar dos anos são apontados os seguintes:
1-
Diminui o interesse do indivíduo pelo
ambiente;
2-
Diminui a força para se interessar pelas
coisas novas, limitando-se o indivíduo à sua força interior;
3-
Há uma deterioração intelectual gradual e
progressiva, o que compromete mais as funções executivas que as verbais;
Um
dos mais importantes estudiosos da psicologia do envelhecimento foi o brilhante
psicólogo britânico-americano Raymond Bernard Cattell (1905-1998). Em 1987, ele
formulou sua teoria, hoje conhecida em todo o mundo, da existência de duas
personalidades: a fluida e a cristalizada. Na personalidade fluida encontramos uma boa adaptação a novas
situações, boa formação de novas relações associativas e conceituais, boa
capacidade na execução de atividades que exijam força e rapidez, facilidade em
conceber novos modos de relacionamentos e adquirir novos conhecimentos. É a
personalidade típica das pessoas jovens. Na personalidade
cristalizada ou estável encontramos boa utilização da experiência e dos
hábitos, ampliação de associações em torno de um núcleo conceitual
preexistente, boa conservação das capacidades para enfrentar os trabalhos que
requerem paciência e precisão, boa capacidade para aplicar com sucesso os
conhecimentos e hábitos adquiridos. É a personalidade típica das pessoas
idosas.
Raymond Cattell (1905-1998) |
Para
Cattell, com o envelhecimento há um declínio da atitude de fluência e
preservação ou aumento da atitude de cristalização. Ocorre uma transformação da
personalidade que se estende aos sentimentos, aos interesses e aos valores. O
mundo interior adquire maior interesse e valor, ao passo que o mundo exterior
deixa de ser interessante e valioso. Isto, no dizer de Lopez-Ibor, é a “criação
de um novo mundo interior”.
A
personalidade cristalizada, segundo Cattell, apresenta algumas peculiaridades,
tais como: o pensamento criativo e a faculdade de aprendizagem diminuem; as
motivações tornam-se mais monótonas; desaparece a faculdade de se concentrar por
muito tempo sobre um tema; a emotividade e a afetividade se enfraquecem; na
presença de situações novas o idoso reage de forma rígida e estereotipada; tudo
isso pode acarretar apatia e egocentrismo. O gerontólogo alemão, Schindler,
definiu estas mudanças como “reagrupamento econômico das forças”.
Para
que o idoso não seja submetido a situações muito difíceis e estressantes na sua
rotina do dia-a-dia, o gerontólogo argentino Merval Rosa (apud Vargas) sugere: “A preservação da identidade psicológica do
indivíduo é de fundamental importância, pois é ela que ajuda o homem a
adaptar-se às demandas do mundo externo e a enfrentar com serenidade a perda
progressiva da capacidade física e todas as outras limitações impostas pelo
processo do envelhecimento”.
No
Brasil, na década de 1970, o psiquiatra pernambucano José Lucena (apud Othon Bastos, 1979) relacionou os
principais traços psicológicos positivos e negativos que ocorrem no envelhecimento,
que relacionamos abaixo.
Traços psicológicos positivos e
ascendentes no envelhecimento
Diminui
a memória mecânica, instalando-se um sistema mnêmico mais completo que facilita
o agrupamento de dados e a comparação dos mesmos. O velho procura evitar o não-essencial;
A
percepção perde a rapidez e a agudeza, porém ganha em exatidão, por estar menos
exposta às influências das emoções;
Há maior habilidade e/ou capacidade de
enfrentar trabalhos que requeiram paciência e precisão;
Ocorre
maior sagacidade no manejo de experiências acumuladas e ampliação das relações
já existentes;
Aumenta
a habilidade para compensar qualquer mudança desfavorável em sua atividade profissional;
Ocorre
boa ordenação automática e inconsciente de suas atividades, permitindo uma
utilização adequada das capacidades existentes;
Observa-se
maior capacidade de aprendizagem em situações práticas;
Observa-se
uma capacidade de compensação e estratégias mais aguçadas;
Ocorre
aumento de objetividade, ponderação, equilíbrio e fidelidade;
Ocorre
expansão da espiritualidade;
Ocorre
aumento da fase sexual plateau,
isto é, um prolongamento do período que antecede o orgasmo, aumentando a
percepção prazeirosa no relacionamento sexual.
Traços psicológicos negativos e
descendentes
Os
traços que vamos apresentar abaixo não são necessariamente encontrados em todos
os idosos, mas a frequência de seu achado nesta população é elevado.
Observa-se
atitude hostil ante o novo (misoneísmo), lentidão de todos os processos
fisiológicos e fadiga, diminuição da vontade, das aspirações e da atenção, enfraquecimento
e diminuição da consciência em relação ao ambiente e com a consequente redução
dos interesses, observa-se grande apego ao conservadorismo e ao passado, com uma
grande tendência em idealizá-lo, observa-se deterioração gradual da memória, diminuição
global do rendimento intelectual, acompanhado da percepção das próprias
dificuldades na aquisição de conhecimentos novos, aumento da desconfiança, susceptibilidade,
irritabilidade, autoritarismo, avareza, indocilidade, rigidez e isolamento, observa-se
estreitamento da afetividade, retardamento da fase sexual de ereção, redução da
capacidade de controle dos afetos, a depressão ocorre com mais frequência que
em outras etapas da vida, maior propensão ao isolamento, observa-se tendência
em ocupar-se perseverativamente dos mesmos temas e a recusa em aceitar o próprio
envelhecimento e em reduzir seu estilo de vida a suas possibilidades.
Estágios do desenvolvimento segundo
Jean Piaget
Jean Piaget (1896-1980) |
Os
estudos de Julian de Ajuriaguerra sobre o envelhecimento levaram-no a propor a
teoria de que ocorre na velhice um processo inverso àquele apresentado no
desenvolvimento da personalidade da criança. À medida que o indivíduo vai se
tornando mais idoso, ele vai regredindo para situações que vivenciou quando de
sua evolução infantil. A regressão é gradual. A título de sumário, bem
simplificado, recordemos as fases da evolução da personalidade da criança:
1-
Estágio sensoriomotor (do nascimento até 2
anos) -
Coordena
a informação sensoriomotora com os movimentos corporais. Observa-se que a maior
realização é a permanência do objeto no campo visual (a criança acompanha com
interesse o que vê e manifesta-se emocionalmente). Observa-se a compreensão de
que um objeto continua a existir mesmo quando não pode ser visto ou tocado.
2-
Estágio pré-operacional (de 2 a 7 anos) –
É focalizado nas limitações do pensamento da criança. Nesta
idade, a criança não pode raciocinar e não realiza certas operações. Observa-se
que certas ações mentais são cognitivamente reversíveis. A criança é
egocêntrica. Vê o mundo somente através de seu ponto de vista. Apresenta incapacidade
de perceber o mundo do ponto de vista de outra pessoa e ainda não desenvolveu o
conceito de conservação. Observa-se a compreensão de que as propriedades
físicas dos objetos podem permanecer as mesmas até quando suas formas físicas
mudam. No exemplo abaixo podemos acompanhar o raciocínio de uma criança neste
período:
Tarefa
da “Conservação do líquido”
Tarefa
da “Conservação de substâncias e números”
Estágio
de operações concretas: de 7 a 12 anos -
O
pensamento das crianças continua a se robustecer com experiências concretas e
conceitos, mas elas não podem entender a conservação, reversibilidade, causa e
efeito.
Estágio
de operações formais: de 12 anos até a vida adulta -
Os
adolescentes são capazes de raciocínio abstrato, como, por exemplo:
-
Compreensão de que as idéias podem ser comparadas e classificadas.
-
Raciocínio sobre situações que não foram pessoalmente experimentadas.
-
Pensar sobre o futuro.
-
Busca sistemática pela solução de problemas.
Para
Ajuriaguerra, este último estágio da teoria de Piaget seria o primeiro afetado
quando ocorre o envelhecimento. Os demais seriam afetados sucessivamente de
forma regressiva.
Outro
grande psicólogo a desenvolver uma teoria da evolução do psiquismo, em todo o
ciclo da nossa vida, foi o germano-americano Erik Erikson (1902-1994). Tendo
recebido sua formação dentro dos princípios psicanalíticos, mas com forte
enfoque intercultural, Erikson desenvolveu sua interessante teoria ao
acompanhar a evolução da personalidade como um eterno confronto (conflito)
entre princípios contrários. A vitória de um princípio ou outro determinará o
grau de maturidade e superação da fase anterior. Em todo o desenvolvimento
humano há uma interação entre indivíduo, sociedade e história. O
desenvolvimento do psiquismo foi dividido em oito etapas, cada uma com seu
conflito básico a ser solucionado. Muito sinteticamente vamos aqui rememora-los:
1-
Conflito: Confiança x desconfiança (até 18
meses).
A
criança deve passar a acreditar que todas as vezes em que precisar receberá
cuidado proveniente de seu cuidador (geralmente a mãe).
Virtude:
Esperança.
Resultado
positivo: Confiança > Desconfiança.
Resultados
negativos: Desconfiança > Confiança; ausência da desconfiança.
2-
Conflito: Autonomia x vergonha e dúvida
(até 3 anos de idade).
A
criança aprende a guiar o próprio comportamento ou se torna insegura ou
passiva.
Virtude:
vontade.
Resultado
positivo: autonomia > vergonha e dúvida.
Resultado
negativo:
Vergonha
e dúvida > autonomia.
Ausência
de vergonha e dúvida.
3-
Conflito: Iniciativa X Culpa (até 6 anos)
Virtude:
Propósito.
Resultado
positivo - desenvolvimento de comportamentos ativos e dinâmicos.
Resultado
Negativo:
-
crença de que é “ruim”, comportamento inibido ou moralmente rígido em relação a
si mesmo.
-
comportamento audacioso e de risco.
4-
Produtividade x Inferioridade (até a puberdade)
Virtude:
Competência.
Resultado
positivo: crença nas próprias habilidades e competências.
Resultado
negativo: senso de inferioridade.
5-Identidade x confusão de
identidade (até a fase adulta)
O
indivíduo confronta as crenças que tem sobre si mesmo com as crenças que seus
pares tem a seu respeito.
Período
de mudanças biológicas, psicológicas e sociais intensas.
Necessidade
de assumir posturas ideológicas, profissionais, etc.
Virtude:
fidelidade.
Resultado
positivo: o indivíduo é congruente com as posturas que assume.
Resultado
negativo: o indivíduo não é fiel e estável com relação às suas posturas.
6-Conflito: Intimidade x isolamento
(jovem adulto)
Envolvimento
em relacionamentos que exigem compromisso e sacrifício de posições pessoais.
Virtude:
amor.
Resultado
positivo: envolvimento amoroso, relações pessoais profundas.
Resultado
negativo: envolvimento superficial e isolamento.
7-
Conflito: Geratividade x estagnação (adulto intermediário).
O
adulto se envolve com a formação e educação das próximas gerações.
Geratividade:
força motriz da sociedade.
Virtude:
cuidado
Resultado
positivo: cuidado, altruísmo, solidariedade.
Resultado
negativo: auto-piedade, improdutividade.
8-
Conflito: Integridade x desespero (terceira idade).
Avaliação
do que foi feito ao longo da vida (revisão da vida).
Virtude:
Sabedoria.
Resultado
positivo: reavaliação positiva da vida.
Resultado
negativo: desespero, necessidade de ter mais uma chance, medo da morte.
Tendências
atuais: aumento da fase 7 e diminuição da fase 8 (Erikson & Hall, 1987).
Erik Erikson (1902-1994) |
Algumas observações sobre os conceitos
de Erikson (Vargas, 1994)
Conceito
de integridade:
Aceitação
do próprio ciclo pessoal da vida do indivíduo e das pessoas do seu mundo significativo
como algo que tinha que ser e que, por necessidade, não permitia substituição.
Significa, pois, um novo e diferente amor aos próprios pais, amor que não exige
que os pais sejam diferentes; amor caracterizado pela aceitação do fato de que
a vida de cada um é assunto de sua própria responsabilidade.
Parece
que a implicação fundamental desse conceito de Erikson é que a integridade do
eu se refere à responsabilidade moral perante a vida e uma atitude racional
para com a existência de cada um.
O
indivíduo que alcançou a integridade do eu tem consciência do fato de que os
seus próprios padrões de vida mudaram ao longo do percurso de sua existência,
mas, apesar dessa contingência, ele está certo de que sua filosofia de vida é
válida para ele.
Embora
consciente da relatividade de todos os vários estilos de vida que têm dado
significação à luta dos seres humanos, aquele que alcançou a integridade do eu
está pronto a defender a dignidade do seu próprio estilo de vida contra todas
as ameaças físicas e econômicas, pois ele sabe que a vida de um indivíduo é a
coincidência acidental de apenas um ciclo de vida com apenas um segmento da
história; e que, para ele, toda a integridade humana permanece de pé ou cai com
o estilo de integridade do qual ele participa.
Segundo
Erikson, a integridade do eu surge como processo natural resultante dos
adequados ajustamentos nas fases anteriores da evolução do homem. Se em cada fase crítica anterior do processo
evolutivo o homem faz os necessários e adequados ajustamentos psicossociais, na
velhice a integridade do eu seria o fruto que naturalmente se poderia esperar.
É como se a integridade representasse uma espécie de prêmio pelo viver correto
e satisfatório do indivíduo.
Quanto
às conseqüências da integridade do eu, além do sentimento de orgulho pessoal e
de dignidade da vida que ela proporciona ao indivíduo, a coragem de enfrentar a
morte sem medo ou rancor seria um dos frutos mais expressivos desse ajustamento
emocional. (Merval Rosa, Psicologia Evolutiva, 1982, apud Vargas, 1994).
A
integridade do eu sugere a existência de uma espécie de consolidação da
personalidade segundo a qual o indivíduo se torna capaz de enfrentar a própria
morte com o máximo de naturalidade. A criança sadia não terá medo de enfrentar
a vida, se os mais velhos em quem ela confia tiverem suficiente integridade
para não ter medo de enfrentar a morte (Merval Rosa, Psicologia Evolutiva,
1982, apud Vargas, 1994).
OS DEZ MANDAMENTOS DO ENVELHECER BEM
Prof. M. Audier (Geriatra - Paris)
Prof. M. Audier (Geriatra - Paris)
Ativo
você ficará a fim de envelhecer agradavelmente.
Você
envelhecerá alimentando-se bem para conservar suas forças por muito tempo.
Você
usará a cama somente à noite, exclusivamente.
Você
se ocupará dos seus lazeres, para se distrair sadiamente.
Você
andará o mais frequentemente possível para que seu sangue circule livremente.
Na
companhia de alguém você envelhecerá mais agradavelmente.
Você
conservará o prazer de viver a fim de viver alegremente.
Você
fará projetos para conservar a fé na renovação.
Você
se ocupará dos outros a fim de ajudá-los moralmente.
Você
consultará o médico duas vezes por ano, assiduamente.
(Extraído de “Pour Rester Jeune” - Centro de
Gerontologia do Limusine, França, 1987).
Envelhecer: a visão da psicanálise
Envelhecer
não é, portanto, em caso algum, seguir um caminho já traçado, mas pelo
contrário construir esse caminho. Antes de tudo, envelhecer não é o “problema”
específico de uma faixa etária, envelhecer diz respeito a todas as idades. Em
qualquer idade, não devemos nos esquecer disso, a urgência da vida, pelo menos
nesse ponto, é a mesma: trata-se de manter-se vivo, ou seja, em especial, de
encontrar “vias” de expressão adequadas às exigências de um desejo cuja
ilimitação, porém, deve ser combatida sem cessar.
“No Id, não há nada que corresponda ao
conceito de tempo, não há sinal do escoamento do tempo (...) não há modificação
do processo psíquico no curso do tempo. Os desejos que nunca surgiram fora do
Id, assim como as impressões que nele ficaram enterradas devido ao
recalcamento, são virtualmente imperecíveis” (Sigmund Freud, 1932. In: Henri
Bianchi, O Eu e o Tempo, 1991.
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