Leonardo da Vinci. Estudo de Cabeças Grotescas, 1490.
Museu do Castelo de Windsor.
Para os interessados, aqui vai um resumo da aula para os cursos de Psicogeriatria, que venho lecionando há alguns anos. O tema é Psicoses Tardias (que ocorrem durante o envelhecimento).
Introdução
Qual termo usar? Esquizofrenia Tardia? Parafrenia Tardia? Psicose Tardia?
Picasso. Moça com o círculo, 1919.
O termo refere-se a uma síndrome insuficientemente estudada, heterogênea e de
avaliação fascinante. Deve ser distinguida das psicoses tardias que cursam com
doenças cerebrais (Alzheimer, patologia microvascular, etc.) Para alguns, a esquizofrenia de início precoce e a tardia
seriam apenas pólos opostos de um mesmo eixo, de uma mesma doença. É um quadro relativamente comum: 10% das admissões em hospitais
psicogeriátricos (Bridge & Watt, 1980; Kay & Roth, 1961; Roth, 1955;
Siegel & Goodman, 1987).
É possível que todas as psicoses, incluindo as formas
tardias, representem um final comum da expressão de diversas etiopatogenias. Isso é especialmente observado nas psicoses tardias (Holden,
1987; Post, 1966). Esta diversidade pode estar relacionada ao aumento geral na
heterogeneidade biológica relacionada à idade (Jeste & Caligiuri, 1991),
bem como à emergência na velhice de várias doenças neurodegenerativas nas quais
os sintomas psicóticos são comuns (Pearlson, 2000). São distúrbios classicamente definidos tendo por base a fenomenologia clínica, mas os médicos também definem casos, de forma algo inconsistente, na base de entidades patológicas diversas (DA) e de descrições etiológicas (psicose anfetamínica) (Pearlson, 2000).
Hyeronimus Bosch. Comendo (detalhe), 1490.
Para o diagnóstico, podemos fazer uso de dois enfoques
úteis:
¨ Avaliar o mais amplamente
possível (incluir todos os pacientes que tiveram delírios e alucinações com
início na velhice).
¨ Examinar um grupo
definido, mais limitado de pacientes que apresentem delírios e alucinações na velhice, mas na evidente ausência
de transtorno de humor, comprometimento cognitivo progressivo, ou que tenha uma
óbvia causa orgânica (resultado de uma patologia cerebral discreta).
Este segundo grupo tem mais probabilidade de ser incluído
nos termos esquizofrenia de início tardio ou parafrenia tardia. Dependendo de qual desses enfoques seja o escolhido, e qual
idade de início seja utilizada, surgirá uma enorme quantidade de pacientes com
diferentes etiopatologias, genética, mudanças cerebrais e respostas ao
tratamento (Jeste et al., 1988, 1991). É exatamente devido a esta heterogeneidade que os estudos na
área ainda não apresentam clareza suficiente para esclarecer a questão. A heterogeneidade desses quadros na velhice (mesmo aqueles
casos considerados similares à esquizofrenia de início precoce) contrasta com
achados mais homogêneos em grupos similares de pacientes portadores de
esquizofrenia de início precoce (Rabins & Pearlson, 1994).
Histórico
Emil Kraepelin (1856-1926)
Quem introduziu o conceito de Esquizofrenia Tardia na psiquiatria foi Emil Kraepelin. Ele estudou medicina nas universidades de Würzburg e Leipzig, onde se graduou sob a orientação de Wilhelm Wundt, o pai da psicologia contemporânea. Eis aqui algumas datas significativas em sua vida:
1883 - escreveu o Compêndio de Psiquiatria, no
qual apresentou, pela primeira vez, sua nosologia (classificação) psiquiátrica,
que veio a clarificar as idéias sobre os diversos tipos de doenças mentais.
1883-1885 - trabalhou em Munique e Breslau.
1885 - casou-se e foi nomeado diretor de clínica
psiquiátrica em Tartu (Estônia), sucedendo a Hermann Ebbinghaus.
1891 - veio para Heidelberg, onde estabeleceu laboratório de
fisiologia quando recebeu colaboração de Franz Nissl e, a partir de 1902, de
Alois Alzheimer.
Universidade de Heidelberg.
Univ. de Heidelberg, entrada.
Alzheimer, Kraepelin, Gaupp e Nissl, grandes cientistas,
nos jardins da Universidade de Heidelberg. Foto de 1912.
1904 – transfere-se para a Universidade de Munique onde se
torna professor de psiquiatria e chefe de clínica. Foi acompanhado por
Alzheimer. Aí ficou até sua morte em 1926.
1905 – começa a fazer estudos histológicos em psicoses,
influenciado pelo trabalho de Oskar Vogt (1870-1959) e Korbinian Brodmann
(1868-1918) sobre a estrutura cortical e sua função. 1911 – criou o epônimo de doença de Alzheimer para uma demência pré-senil, descrita pelo amigo Alois Alzheimer .
Sua nosologia psiquiátrica inspirou as modernas
classificações da CID-10 e DSM-IV.
Como curiosidade, Kraepelin fez campanha cerrada contra o uso de álcool e fumo
e investigou os efeitos psiquiátricos do álcool. Publicou 19 trabalhos sobre o
tema. O álcool foi probido na clínica de Munique e era oferecido aos pacientes
uma limonada chamada Kraepelinsekt. Advogou o estabelecimento de instituições curativas para
alcoolistas, que não foi aprovada pelo Ministério do Interior.Sua obra mais importante foi a publicação de seu Tratado de Psiquiatria (Lehrbuch der Psychiatrie), com sucessivas edições por quase meio século. Foram elas:
1883 – 1a. Edição
1887 – 2a. Edição
1893 - 4a. Edição - Nela, ele descreve, pela primeira vez na história da medicina, a psicose
maníaco-depressiva e a demência precoce – dementia
praecox - (em 1911 o nome foi mudado para esquizofrenia, por Eugen
Bleuler).
1899 – 6a. Edição – aprimorou os conceitos anteriores
1903 – 7a. Edição –(1390 páginas). Aqui ele desenvolve os conceitos de psicoses endógenas (demência precoce e psicose maníaco-depressiva)
e exógenas, além de desenvolver o conceito de parafrenia tardia.
1909-1915 – 8a. Edição (2818 páginas – 4
volumes).
Descrição de Kraepelin para a Dementia
Praecox e Paraphrenia (1919):
Por um lado,
observamos um enfraquecimento daquelas atividades emocionais que formam
permanentemente os pilares da vontade. Em conexão com isto, a atividade mental
e o instinto para a ocupação tornam-se mudos. O resultado desta parte do
processo é o embotamento emocional, fracasso das atividade mentais, perda do
domínio sobre a vontade, do empreendimento, e da capacidade para a ação
independente. A essência da personalidade é, portanto, destruída, e sua melhor
e mais preciosa parte, como Griesinger já expressou, é arrancada...
O segundo
grupo de transtornos, que dá à demência precoce sua estampa particular, ...
consiste na perda da unidade interna das atividades do intelecto, emoção e
volição em si mesmas e umas entre as outras. Stransky fala sobre um aniquilamento
da “coordenação intrapsíquica”... Este aniquilamento apresenta-se a nós nos
transtornos de associação descritos por Bleuler, na incoerência do trem de
pensamentos, na abrupta mudança de humores, bem como nos desvios e falta de
finalidade do trabalho prático. Mas, além disso, as estreitas conexões entre
pensamento e sentimento, entre deliberação e atividade emocional, por um lado,
e o trabalho prático, por outro, são mais ou menos perdidas. As emoções não
correspondem às idéias.
Características clínicas do grupo de psicoses paranóides crônicas, segundo Kraepelin (1903):
1- Não é distinguida pela idade de início;
2- Preserva a personalidade do paciente;
3- Não se observa deterioração de longo prazo;
4- Presença de delírios elaborados proeminentes;
5- Presença de alucinações;
6- Clareza de consciência;
7- O grupo das parafrenias tardias tem características comuns com os pacientes
portadores de demência precoce, mas são distintos da mesma;
8- Transtorno muito mais leve da emoção e da volição;
9- Embotamento cognitivo e indiferença afetiva não eram vistos até as últimas fases da doença.
Em 1913, Eugen Bleuler (1857-1939) criou o termo esquizofrenia, quando pesquisava e dirigia a Clínica Burghölzli, em Zurick, na Suiça. Esta era, e continua sendo, uma das mais renomadas clínicas e centros de pesquisa em psiquiatria em todo o mundo.
Entre os grandes discípulos de Bleuler, podemos citar: Carl Gustav Jung, Karl Abraham, Ludwig Binswanger e Eugène Minkowski.
Eugen Bleuler e a
esquizofrenia
Bleuler introduziu o conceito de sintomas esquizofrênicos
primários e secundários.
▪ Associações anormais (desagregação do pensamento);
▪ Autismo (comportamento e pensamento);
▪ Autismo (comportamento e pensamento);
▪ Ambivalência;
▪ Afeto embotado;
▪ Atenção reduzida;
▪ Avolição (apagamento da vontade).
Desses
seis sintomas, Bleuler via como central à doença a perda da associação entre os
processos de pensamento e entre pensamentos, emoção e comportamento.
Ex.:
risadas tolas ao receber a notícia da morte de alguém amado, a introdução de
pensamento mágico e conceitos peculiares em uma discussão comum, a exibição
súbita de comportamento irado sem a experiência de raiva (ou uma provocação
compreensível) e outros comportamentos do gênero. (Carpenter & Buchanan, 1999)▪ Avolição (apagamento da vontade).
São sintomas secundários:
▪ delírios,
▪ delírios,
▪ alucinações,
▪ distúrbios do humor,
▪ distúrbios do humor,
▪ catatonia,
▪ agitação psicomotora,
▪ heroagressividade.
Não eram considerados
essenciais ao diagnóstico e, portanto, seriam acessórios. As maiores diferenças residem no
fato de que as descrições kraepelinianas são puramente empíricas, ao passo que
as de Bleuler são guiadas por uma teoria, na qual os sintomas fundamentais são
a expressão de uma alteração cerebral subjacente e os acessórios representam
uma reação da personalidade, com a emergência daquilo que Bleuler chamou de
"complexos afetivamente carregados".
Bleuler descreveu o que denominou de o "grupo das esquizofrenias", compostas dos seguintes subtipos: Hebefrênica
, Catatônica, Paranóide, Simples, Quadros de deterioro.
Em 1911, Bleuler
descreveu o que chamou de esquizofrenia tardia, cujas características apontou:
1- Metade dos esquizofrênicos tardios não se
distinguem dos esquizofrênicos precoces.
2- Na outra metade pode-se
distinguir três grupos:
- Esquizofrenias de tipo parafrênico (onde as idéias delirantes e as ilusões
mnésicas predominam).
- Catatonias depressivas (com tendência a atitude rígida).
- Estados confusionais com agitação aguda (que podem se parecer a estados
amenciais).
Olá, Antônio! Eu sou psicóloga aqui em BH e tenho pesquisado sobre envelhecimento a partir da psicanálise. Recentemente tenho me interessado sobre o tema das psicoses nessa fase da vida e encontrei seu texto. Poderia me indicar artigos e livros que tratem do tema das psicoses tardias não orgânicas? Achei muito interessante e creio que me auxiliarão nos estudos. Obrigada!
ResponderExcluirOlá, Antônio! Eu sou psicóloga aqui em BH e tenho pesquisado sobre envelhecimento a partir da psicanálise. Recentemente tenho me interessado sobre o tema das psicoses nessa fase da vida e encontrei seu texto. Poderia me indicar artigos e livros que tratem do tema das psicoses tardias não orgânicas? Achei muito interessante e creio que me auxiliarão nos estudos. Obrigada!
ResponderExcluirMichelle Aguilar, farei um post com as principais referências bibliográficas que utilizei para uma vasta pesquisa que terminei de empreender sobre psicoses esquizofrênicas no processo do envelhecimento. Aguarde os próximos dias. Obrigado!
ResponderExcluirQue ótimo! Aguardo, sim! Tem publicação acadêmica dessa pesquisa que eu possa utilizar como referência ao seu trabalho? Obrigada por responder! Abraço!
ResponderExcluirGGostara de ler mais sobre Psicoses esquizofrenicas no processo de envelhecimento. Você já fez o post sobre isso,como prometeu,Dr. Antonio Carlos?
ResponderExcluirOlá, Lenilde! Meus trabalhos estão sendo preparados para envio a revista especializada. Entretanto, poderei enviar-lhe a bibliografia com a qual trabalhei nestes últimos dois anos. Para tal, basta você enviar-me seu email. Um grande abraço!
Excluirlenildecordeiro@gmail.com
ExcluirAgradeço!