quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Transtorno Obsessivo-Compulsivo



O Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) pode ser definido como uma doença que apresenta sinais e sintomas de obsessões e/ou compulsões. As obsessões são pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes, invasivos e desagradáveis, reconhecidos como próprios pelo indivíduo (não são estranhos à sua pessoa nem provocados por alguma força superior) que causam ansiedade ou mal-estar relevantes, tomam tempo e interferem negativamente em suas atividade e/ou relacionamentos. As compulsões são comportamentos ou atos mentais repetitivos, que o indivíduo é levado a executar voluntariamente em resposta a uma obsessão ou de acordo com regras rígidas, para neutralizar/reduzir a ansiedade e o desconforto, ou prevenir (de forma excessiva e não realística) algum evento temido. Enquanto as obsessões geram desconforto emocional ou ansiedade, os rituais compulsivos tendem a aliviá-los, não sendo em si mesmo prazerosos. Essa função de neutralização ou atenuação imediata da ansiedade mantém as compulsões num ciclo de difícil rompimento em que, paradoxalmente, para sentir-se melhor o indivíduo se sacrifica.


O TOC não é uma doença nova. As primeiras descrições da mesma remontam á Antiguidade. Entretanto, somente há umas três ou quatro décadas é que a conhecemos mais aprofundadamente. Mas foi somente no final da década de 1990 é que as novas classificações internacionais deram-lhe um destaque maior e ampliaram o leque de transtornos englobados agora dentro do nome Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (TEOC). Na verdade, esta é uma doença heterogênea, que pode acometer alguém na sua forma clássica isolada ou com poucas doenças paralelas (comorbidades), mas pode também vir associada a outras patologias como a Síndrome de Tourette, o Transtorno Dismórfico Corporal, a hipocondria, os tiques, e os quadros definidos de compulsões, como a compulsão para o jogo, para a ingestão de álcool ou drogas, para compras, para sexo, etc. Mais freqüentemente, o TOC vem associado a transtornos ansiosos como Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), Transtorno do Pânico e Fobia Social. O TOC também pode vir associado a comportamentos do tipo grooming (movimentos repetitivos): tricotilomania (arrancar cabelos deixando falhas localizadas – alopécia, ou em extensas áreas do couro cabeludo), dermatotilexomania (escarificação da pele pelo coçar excessivo ou pela utilização de algum objeto que pode lesar a pele) e onicofagia (roer as unhas).


O TOC também não é uma doença rara e de prognóstico ruim, como era considerado até há pouco mais de 20 anos. Nos EUA, ele é visto como o quarto transtorno psiquiátrico mais freqüente, após as fobias, o abuso de substâncias psicoativas e as depressões maiores, tendo uma prevalência ao longo da vida de aproximadamente entre 1,5% a 2,5% da população em geral.  

Histórico 

Há uma série de comportamentos repetitivos observados nos animais que têm alguma semelhança com o TOC. Tais comportamentos representam um padrão fixo de ação e receberam o nome de  grooming, palavra inglesa que não tem tradução para o português mas que significa um comportamento estereotipado, próprio de cada espécie: lamber os pêlos, alisá-los, molhar o corpo com saliva, levantar as penas em aves com o bico. Têm a finalidade de limpeza, manutenção da temperatura (evaporação da saliva), e também para o estabelecimento de regras hierárquicas dentro de um grupo (os animais colocados em um nível mais abaixo dentro da hierarquia do grupo lambem os que ficam em um nível acima). Ao contrário do que se pensa, nem sempre o diagnóstico do TOC é fácil. Enquanto sintomas típicos como obsessões de contaminação e rituais de limpeza, verificação ou contagem, que são dos mais comuns, costumam ser prontamente identificados, sintomas como obsessões agressivas e somáticas, lentidão obsessiva e rituais de colecionamento, entre outros, são menos conhecidos.


É difícil estabelecer o limite entre o que é o colecionamento normal ou “mania” do verdadeiro ritual compulsivo da doença. A preocupação com a ordem e os números vem desde Pitágoras. Para ele, o cosmos (o belo) opõe-se ao “caos”, como a forma ao amorfo, como o limite a desordem. Para os pitagóricos, prevalece a equação: simetria = número = estética. A mitologia grega nos revela numerosos exemplos da atividade obsessiva, sempre repetitiva e paralisante, apesar de aderida à contínua atividade. Na Odisséia de Homero (Canto IX), o herói Ulisses assim relata seu encontro com Sísifo: “Também vi Sísifo extenuando-se e sofrendo: empurrava uma pedra enorme com as mãos. Ele a arrastava até o cume, mas quando estava a ponto de, finalmente, atingir o alto do morro, o peso excessivo o empurrava para baixo. Novamente então a pedra impiedosa rolava para o vale. Entretanto ele reiniciava o trabalho e empurrava-a, ficando com o corpo banhado de suor; e ao redor de sua cabeça pairava uma nuvem de poeira”.  Quando a idéia obsessiva ou o ritual compulsivo deixa de trazer algum prazer ao indivíduo, a lhe aumentar a carga de ansiedade e expectativa, e a prejudicar-lhe em suas tarefas do dia-a-dia, aí sim é que a ciência médica considera a idéia ou o ritual uma doença.
 
 

Desde o início do Século XIX a doença começou a ser caracterizada pelos médicos. Na França, Esquirol (1772-1840) considerava a doença uma “monomania volitiva”, caracterizada por atitudes instintivas e irresistíveis, cuja origem não estaria nem na razão nem nas emoções e que, mesmo a consciência rejeitando, a vontade não conseguiria suprimir. Morel (1809-1873) descreveu o quadro como uma doença das emoções, uma neurose resultante de um estado afetivo exacerbado, não afetando as faculdades intelectuais. A categoria “delírios emotivos” englobava idéias fixas, medos imotivados, fobias, disforias, sintomas somáticos e impulsos”.  Em 1903, Pierre Janet (1859-1947) descreveu 325 caos da “doença obsessiva”. Para ele, as obsessões, situadas no terreno das “neuroses” e causadas pela redução da tensão psicológica, constituiriam uma forma simples e rudimentar de atividade mental. Ele não acreditava que a ansiedade justificasse os problemas de volição, percepção e atenção dos pacientes, mas que era fenômeno secundário, assim como outras “agitações forçadas”, como tiques, ruminações, “manias” e fobias. Seu conceito de psicastenia, envolvendo diferentes níveis de tensão psicológica e uma hierarquia de fenômenos psicológicos, muito amplo, incluía vários desses “equivalentes da ansiedade”.


Emil Kraepelin (1856-1926) também atribuiu a um aumento da susceptibilidade emocional a gênese das idéias obsessivas, destacando que não só o intelecto não estaria comprometido, mas que poderia ser “excepcionalmente bom”. Straus, discutindo se as compulsões constituiriam perturbação do sentimento ou do pensamento, concluiu que o paciente não experimentaria alteração de uma função psicológica específica, mas uma “vivência de estar no mundo” alterada. Von Gebsattel também afirmava ser a “fobia anancástica” apenas um sintoma secundário à perturbação mais básica do paciente em suas relações com o mundo. Tal perturbação precederia o fenômeno fóbico, constituindo sua base e entregando-o ao “mundo da ansiedade”.

As teorias psicanalíticas estabeleceram para as idéias obsessivas uma função defensiva contra a ansiedade associada a desejos ou impulsos inaceitáveis. Já para as teorias comportamentais, a função redutora da ansiedade seria responsável pela manutenção da ocorrência das compulsões. Para Mowrer a ansiedade é condicionada a certos estímulos e aliviada por comportamentos compulsivos, que são assim reforçados a se repetirem, num mecanismo de condicionamento operante. As obsessões aumentam a ansiedade, ocorrendo automaticamente em resposta a um estímulo provocador, enquanto as compulsões ocorrem como reação, aliviando a ansiedade temporariamente, podendo ter caráter preventivo ou restaurativo. Uma vez que evitam ou reduzem o desconforto são, funcionalmente, comportamentos de esquiva, que tendem a não se extinguir ou a se fixar tanto mais quanto mais desagradável for o estímulo. Por limitarem o contato com o estímulo provocador de ansiedade e com isso impedirem a habituação, os rituais preservariam a resposta de medo, enquanto a imediata redução da ansiedade após os rituais produziria um ciclo difícil de ser rompido. 
 
 
 
Causas
 
Uma das hipóteses sugeridas é o modelo etológico: existem semelhanças entre sintomas obsessivo-compulsivos (OC) e vários comportamentos animais instintivos adaptativos. Compulsões de limpeza se assemelham a comportamentos de higiene (grooming) e rituais de verificação lembram estratégias de preservação da segurança e de manutenção dos limites territoriais de várias espécies, rituais de colecionamento parecem comportamentos das aves para confecção de ninhos ou de roedores para estocagem de alimentos.


As hipóteses neurobiológicas associam estes transtornos a doenças neurológicas, com alterações neuropsicológicas, neuroimunológicas, de neuroimagem e da neuroquímica. Anormalidades estruturais e funcionais nos núcleos da base (particularmente do caudado e putamen) parecem estar associadas aos sintomas do TOC, bem como transtornos auto-imunes neuropsiquiátricos relacionados a infecções estreptocócicas (infecção das amígdalas, na garganta). Observaram-se evidências de hipersensibilidade dos receptores pré-sinápticos nos neurônios localizados na via serotonérgica mesoestriatal, que pode ser responsável pela desinibição do circuito caudato-tálamo-cortical (núcleos da base) e relacionados aos sintomas OC.

Existem evidências de maior acometimento precoce dos indivíduos (principalmente na infância, com predominância de meninos) e por volta dos 17-20 anos de idade, com predominância de meninas (não se conhecem ainda bem os motivos de tal diversificação), de envolvimento genético na etiologia (estudos de gêmeos e de famílias), homogeineidade sintomatológica transcultural e trans-histórica, má resposta a psicoterapias psicodinâmicas e bons resultados com técnicas cognitivo-comportamentais e terapêuticas farmacológicas.  Nos idosos os achados são mais raros, geralmente os portadores de TOC envelhecem com uma tendência de arrefecimento dos sintomas, mas sem que desapareçam por completo. Os quadros que surgem pela primeira vez na velhice devem imediamente levantar a suspeita de que alguma patologia orgânica esteja por detrás desta sintomatologia: demências (em particular a Doença de Alzheimer), doenças cerebrovasculares (isquemias, AVCs), tumores cerebrais, doenças infecciosas ou viróticas do encéfalo, AIDS, demais doenças degenerativas, neurocisticercose, etc.
 
 
 
Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (TEOC)

Recentemente, observou-se presença aumentada de TOC, Síndrome de Tourette (ST) e transtorno de déficit de atenção de hiperatividade (TDAH) em pacientes com coréia de Sydenham (CS) e em pacientes em fase aguda de febre reumática. A febre reumática é uma complicação da infecção pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A. A hipótese mais provável para a etiologia da doença é que uma resposta humoral e/ou celular a certos elementos antigênicos da bactéria resulte em reações cruzadas com tecidos cardíacos, articular e neuronal, produzindo as três formas da doença: cardite reumática, poliartrite e coréia de Sydenham. A CS ocorre em 10 a 30% das crianças com febre reumática e se caracteriza pela presença de movimentos rápidos, irregulares e despropositados de face, tronco e membros, hipotonia muscular, dificuldades da fala e da marcha, labilidade emocional e outras manifestações psicopatológicas. Todas estas doenças têm em comum o comprometimento dos gânglios da base no cérebro.

Os transtornos de tiques são movimentos repentinos e repetitivos que mimetizam um fragmento de um comportamento normal. Eles tendem a ocorrer em crises ou com pequenos intervalos entre eles, variando em intensidade. Os tiques normalmente diminuem durante o sono ou atividades que necessitam de concentração. Ansiedade, cansaço e excitação estão associados a aumento na gravidade dos tiques. Quando os tiques são motores e vocais crônicos são chamados de Síndrome de Tourette (ST). Esta patologia pode atingir até 1% de crianças e jovens entre 6 a 17 anos. Os pacientes, além dos movimentos descoordenados, repentinos e impulsivos, podem emitir gritos, chingamentos involuntários e agressões verbais. O sucesso dos tratamentos farmacológicos de tiques e ST deu um novo alento e esperança para o prognóstico destes casos. Medicamentos antipsicóticos atípicos (de última geração), como a risperidona, ziprazidona, olanzapina, quetiapina e aripiprazol, são alguns dos mais eficazes na melhora destes quadros.

O Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é um transtorno somatoforme, caracterizado pelo sentimento subjetivo e difuso de fealdade, ou por um defeito imaginado específico na aparência, como um nariz grande, por exemplo, apesar de a pessoa ter uma aparência normal. É forte a crença ou o medo de não ser atraente, ou mesmo de ser repulsivo. Raramente este medo é aliviado por elogios ou apoio de parentes ou amigos. Na tentativa de examinar, esconder ou modificar o defeito específico percebido, a maioria dos pacientes com TDC realiza comportamentos compulsivos ou repetitivos, como se olhar freqüentemente no espelho, maquiar-se de forma excessiva ou ir com freqüência a profissionais de saúde, sobretudo dermatologistas, cirurgiões plásticos ou odontologistas. Também solicitam de forma compulsiva, a opinião de familiares e amigos sobre sua aparência. Mesmo que o defeito seja discreto na aparência, a preocupação é desproporcional ao grau do defeito. É um transtorno grave e traz prejuízo funcional em vários aspectos da vida do indivíduo, principalmente devido aos rituais para camuflagem do defeito, recusa em ir à escola ou ao trabalho ou evitação de situações sociais e relacionamentos. Estes transtornos respondem bem ao tratamento com antidepressivos como a clomipramina e os inibidores da recaptação da serotonina (fluoxetina, sertralina, citalopram e paroxetina).

A tricotilomania é um dos transtornos dos impulsos, caracterizada por episódios recorrentes de arrancar fios de cabelo, resultando em grande perda. Ocorre tensão crescente precedendo o ato de arrancar ou durante a tentativa de resistir a este impulso; gratificação, prazer ou redução da tensão associados ao ato de arrancar os cabelos; sofrimento significativo ou prejuízo social, ocupacional, ou de outra área importante do funcionamento causado pela perda de cabelo; determinação de que o ato de arrancar os cabelos não é resultado de uma condição médica geral ou outro distúrbio mental. Os tratamentos mais eficazes para esta patologia incluem a psicofarmacoterapia (antidepressivos do grupo dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina – fluoxetina, sertralina, etc.) e terapia comportamental.


Os transtornos dos impulsos englobam, entre outros, as compulsões para comprar, fazer sexo em excesso, parafilias (compulsões para certas perversões sexuais, como pedofilia), jogo patológico, ingerir compulsivamente bebidas alcoólicas ou drogas potentes, cleptomania (furtar objetos sem que haja a menor necessidade dos mesmos), piromania (atear fogo a móveis, residências, etc.), transtorno explosivo intermitente, onicofagia (roer unhas). Nestes transtornos não há cognições antecedendo as ações repetitivas, como é habitual no TOC, mas apenas uma sensação de premência incontrolável. O indivíduo experimentaria mais prazer (e não apenas alívio de tensão) durante a execução, mesmo em geral ocorrendo vergonha e arrependimento posteriores.
Os transtornos alimentares também partilham de certas semelhanças clínicas com o TOC. Enquanto a bulimia nervosa pode ser considerada um transtorno de controle do impulso alimentar, a anorexia nervosa assemelha-se a um transtorno dismórfico com grave distorção da imagem corporal, mas relacionada ao peso e vários comportamentos ritualísticos, porém com maior prejuízo da crítica.


 

 
Estas são cenas da peça de teatro Toc Toc, escrita pelo francês Laurent Baffie, que aborda de forma divertida um grupo de pacientes portadores do TOC, na sala de espera de seu psiquiatra. Com a demora do médico em atendê-las, a solução encontrada foi fazer uma terapia em grupo, realizada ali mesmo, na sala de espera, cada um falando de seu problema. O convívio leva a crises e brigas, extremamente divertidas (apesar de ser um assunto extremamente sério).
A peça tem produção de LG Tubaldini Jr, da Filmland Internacional, direção de Alexandre Reinecke e elenco formado por Andréa Mattar, Ariel Moshe, Carolina Parra, Didio Perini, Gustavo Vaz, Maria Helena Chira e Sandra Pêra. Esta peça esteve em cartaz no Teatro Anhembi Morumbi, de São Paulo, no início de 2012. 
 
 
Tratamentos Farmacológicos 

O tratamento medicamentoso constitui-se em elemento fundamental para o combate efetivo ao TOC. O tratamento psicofarmacológico se baseia no uso de antidepressivos serotoninérgicos, sejam eles tricíclicos (clomipramina) ou inibidores seletivos da recaptação da serotonina – ISRS - (fluoxetina, fluvoxamina, sertralina, paroxetina, citalopram). A resposta terapêutica independe da presença ou não de uma depressão associada. O uso destes medicamentos não é incompatível com uma abordagem psicoterápica, pelo contrário, a associação de ambos pode facilitar uma recuperação mais rápida do paciente. Os tranqüilizantes benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam, alprazolam, bromazepam, etc.) não têm papel central no tratamento e podem mesmo atrapalhar o processo de descondicionamento nas técnicas comportamentais e causar dependência, principalmente em pacientes com história de abuso de substâncias. Seu uso dese se restringir a casos ou situações excepcionais e apenas como coadjuvantes.

As doses de antidepressivos são muito variáveis, mas costumam ser mais altas do que as utilizadas no tratamento da depressão e o tempo de início de ação terapêutica dos mesmos pode chegar até a 12 semanas. Como muitos deles têm custo elevado, já podem ser encontrados em sua grande maioria na formulação genérica, com custo mais baixo. Pacientes que não respondem a um tipo de ISRS podem responder a outros.  

Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) 

A TCC é indicada em casos leves a moderados e hoje é considerada a primeira indicação no seu tratamento. A abordagem comportamental é mais indicada em quadros compulsivos com rituais e entre suas técnicas encontra-se: 1- a exposição prolongada e repetida aos estímulos ansiogênicos, com prevenção das respostas ritualizadas; 2- exposição ao objeto temido (in vivo ou por imaginação) que leva à habituação, isto é, à redução gradual até a extinção das reações de desconforto emocional frente a situações específicas, sem necessidade de recorrer às compulsões para esse fim; 3- prevenção de respostas que impede a realização dos rituais. O paciente é estimulado a fazer o oposto do que costuma como pensar aquilo que evita, e evitar o que sempre faz para se sentir melhor. Tudo isso tem por objetivo fazer com que o sofrimento gerado por essa confrontação aos poucos se amenize, até ser eliminado.

Do ponto de vista cognitivo, como os obsessivos cometem erros de inferência e avaliação da probabilidade de perigo, trabalha-se com o objetivo de substituir os pensamentos negativos disfuncionais automáticos, considerados importantes na ocorrência e manutenção das compulsões, por pensamentos mais realísticos e adequados à diferentes situações. Os aspectos cognitivos mais importantes no TOC são: estimativa de riscos, responsabilidade, perfeccionismo, hipervalorização do papel dos pensamentos e da necessidade de controle sobre eles, e intolerância à incerteza. As técnicas cognitivas são muito importantes nos casos de pacientes que não aderem ou não respondem a abordagens comportamentais exclusivas, que só apresentam obsessões, que têm maior prejuízo da crítica ou sintomas depressivos graves associados. Elas focalizarão nos pensamentos automáticos, nas crenças disfuncionais, nas antecipações catastróficas e nas tentativas de neutralização das obsessões.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Breve História da Psiquiatria Mineira

COPYRIGHT
Texto de minha autoria: todos os direitos reservados. Reprodução permitida, desde que citada a fonte.



O prof. Galba Velloso e equipe do Instituto Raul Soares na década de 1930.
Fonte: História da Psiquiatria Mineira. Joaquim Affonso Moretzsohn, 1989.


Em linhas gerais, a psiquiatria mineira seguiu a história da psiquiatria no Brasil, desde os tempos coloniais e imperiais, mas sempre manteve suas particularidades regionais, suas idiossincrasias, a presença de grupos distintos de profissionais em torno de idéias ou práticas. Contudo, sempre teve um papel relevante na psiquiatria nacional e diversos nomes de psiquiatras mineiros foram alguns dos pioneiros da medicina no País.  Inúmeros outros tiveram posição de grande destaque nacional, o que é motivo de admiração de todos,. Tudo advindo de um intenso labor e pelo acúmulo de um patrimônio teórico, científico, filosófico e humanístico de reconhecido valor.

Segundo Joaquim Affonso Moretzsohn, em sua História da Psiquiatria Mineira, de 1989, a psiquiatria passou por vários períodos históricos ou diferentes estágios a que denominou de: místico, medieval, orgânico, psicológico, etc. Considera que esses períodos têm seus correspondentes na área hospitalar com suas fases asilar, carcerária, hospício, hospital, ambulatorial, etc. Em Minas Gerais, as coisas não foram diferentes e, para ele, esses períodos podem ser classificados em:

1º. Período: “Antigo” – Anterior à criação da Assistência Psiquiátrica em Barbacena-antes de 1900.
2º. Período – “Medieval” – (Asilar) – Hospital Colônia de Barbacena: 1903.
3º. Período – “Renascentista” – (Hospitalar) – Instituto Raul Soares: 1922.
4º. Período – “Moderno” – (Casa de Saúde) – Casa de Saúde Santa Clara: 1937.
5º. Período – “Contemporâneo” – (Ambulatorial) – Introdução das drogas psicotrópicas e dos conceitos psicanalíticos: 1960.

A psiquiatria mineira no século XIX

Até quase a virada do século XIX para o XX, os doentes mentais eram recolhidos às cadeias públicas, ou enviados para Hospital Geral de Alienados (Hospício D. Pedro II), no Rio de Janeiro, já que havia um convênio do governo mineiro nesse sentido. Em Diamantina e São João Del Rei, haviam os chamados “anexos psiquiátricos” onde doentes mentais eram hospitalizados e tratados. Moretzsohn (p.9) considera que a primazia da assistência psiquiátrica em Minas Gerais pertence a São João Del Rei, já que o movimento psiquiátrico dos médicos do Rio de Janeiro foi posterior a ele. Na ocasião, faziam-se diagnósticos psiquiátricos, como a “monomania”, seguindo o modelo da escola francesa de Esquirol.

Figura de proa do período foi o Dr. Antônio Gonçalves Gomide (1770-1835). Nasceu na vila de Guarapyranga, atual Piranga, em Minas Gerais. Foi aluno do Seminário Diocesano de Mariana, quando aprendeu o latim, feito esse que lhe abriu as portas de estudos no exterior. Estudou na Universidade de Coimbra e, em seguida, diplomou-se em medicina na Universidade de Edimburgo, Escócia.

É considerado por muitos o primeiro psiquiatra do Brasil, sendo, seguramente, o primeiro de Minas Gerais. Foi autor de uma obra pioneira, em 1814, intitulada “Impugnação Analytica ao exame feito pelos Clínicos Antonio Pedro de Sousa e Manoel Quintão da Silva em uma rapariga que julgarão Santa na Capella de Nossa Senhora da Piedade da Serra“. Clóvis de Faria Alvim, citando Flamínio Fávero, (Moretzsohn, p.185), diz que este foi o primeiro documento médico-legal surgido no Brasil. Sobre Gomide, escreveu um belo artigo científico o meu caro amigo, o grande psiquiatra mineiro que há muito já se foi, Clóvis de Faria Alvim, em trabalho intitulado “Um precursor mineiro de psiquiatria brasileira”, na Revista da Universidade de Minas Gerais, em 1962. Ao abordar o caso de uma beata que teria se tornado supostamente “santa” e se instalado numa ermida no alto da Serra da Piedade, no início do século XIX, Clóvis de Faria Alvim exalta as qualidades científicas e intelectuais de Antônio Gonçalves Gomide discorrendo sobre o texto deste:

 “O opúsculo termina com uma breve exortação aos peritos, contendo ainda em apêndice, como já foi mencionado, um catálogo dos livros em que se encontram casos circunstanciados de catalepsia... Acreditamos suficientemente demonstrado que o Dr. Antônio Gonçalves Gomide, nascido em Minas, em 1770, possuía vastos conhecimentos de Patologia Mental, como era conhecido na época a nossa especialidade, podendo ser considerado, com justiça, o precursor da psiquiatria em nossa terra. Foi contemporâneo de Pinel e de Benjamim Rush, o patriarca da psiquiatria americana. Precedeu de alguns anos o famoso Dr. José Martins da Cruz Jobem, que na cidade do Rio de Janeiro, em 1830, bradou contra o modo desumano de tratamento dado aos alienados”.
In: ALVIM, Clóvis Faria. Um precursor mineiro da psiquiatria brasileiraRevista da  Universidade de Minas Gerais. Belo Horizonte. n.12, p.234-250, 1962.

Antônio Gonçalves Gomide era considerado homem de profundo saber filosófico a ponto de ser chamado de “iluminista” por Paulo Gomes Leite (Moretzsohn, p.185). Sua instigante personalidade não o limitou à prática da medicina. Foi Juiz ordinário e de órfãos em Caeté, Membro da Assembléia Nacional Constituinte e senador do Império do Brasil, entre 1826 e 1835.

A psiquiatria mineira da primeira metade do século XX

Um dos mais importantes psiquiatras do período foi Joaquim Antônio Dutra (1853-1943). Diplomado em medicina pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, tornou-se clínico muito conhecido e respeitado na Zona da Mata mineira. Apesar de ter sido Deputado Provincial e Senador por Minas Gerais, sua grande contribuição à psiquiatria foi o fato de ter sido o diretor do Hospital Colônia de Barbacena, desde sua fundação, em 1903, até 1936, quando de sua aposentadoria.

Grande destaque teve Galba Moss Velloso (1889-1952), um psiquiatra “clássico”, diplomado no Rio de Janeiro. Veio para Minas Gerais após a inauguração do Instituto Raul Soares, em 1922. Foi um grande profissional, homem culto e brilhante, dirigiu o Instituto Raul Soares (IRS) por diversos anos. Reuniu à sua volta grande número de psiquiatras, médicos, literatos e amigos, colocando-se sempre no papel do líder científico e cultural. Foi Professor Livre-Docente na Faculdade de Medicina da UFMG, com tese sobre “Malarioterapia na doença de Bayle”, tratamento este que se tornara então uma das grandes conquistas da medicina. Foi o fundador e colaborador da revista “Arquivos de Neurologia e Psiquiatria”, onde publicou diversos artigos científicos. Foi um dos signatários do “Manifesto dos Mineiros”, em 1945, e, por isso, foi demitido do cargo de diretor do Instituto Raul Soares. Contudo, manteve a altivez e independência frente às adversidades políticas e às pressões (Moretzsohn, p.186).

Um dos nomes mais fulgurantes na psiquiatria mineira do período foi o prof. Ermelindo Lopes Rodrigues (1889-1971). Homem de vasta cultura e grande participação na psiquiatria nacional, antes de vir para Minas Gerais exerceu o Prof. Lopes Rodrigues as seguintes atividades (Moretzsohn reproduz em fac-simile a página de rosto da Primeira Memória Médico-Administrativa do Instituto Raul Soares, de 1930, p.131): "Interno do Hospício S. João de Deus (Bahia, 1919), Interno do Hospital Nacional de Alienados (Rio de Janeiro, 1920), Membro da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal (1922), Docente-Livre de Clínica Psiquiátrica (por concurso) da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro (1925). Prestou concurso para professor catedrático na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (1926), tendo sido aprovado. Dirigiu esta por vários anos. Foi Diretor do Instituto Raul Soares (Belo Horizonte, 1929). Seu último cargo foi o de Diretor do Serviço Nacional de Doenças mentais na década de 1960".

Moretzsohn também reproduz em seu História da Psiquiatria Mineira (p.132-133) o prefácio que o professor Lopes Rodrigues escreveu para a Primeira Memória. Encontramos aí a expressão das mágoas do eminente professor às críticas que sofria como diretor do IRS. Em sua opinião, o esforço de um diretor pode ser dividido em três partes: a primeira "se perde no vórtice dos relatórios, dos apellos oficiais, das insinuações, dos escriptos e dos reclamos emergentes que dilataram noitadas, lavraram sobressaltos e fiaram meditações". Na segunda parte "se desfaz no vozeiro que lhe opõem as forças repulsivas onde ella se opera, isto é, o testemunho tarado que se irradia das collectividades psicopáticas, em cujos meandros parasitam aquelles que maltratam a consciência com autoridade". Na terceira, a sensação de dever cumprido "na mais difícil conduta humana: lidar com os que lidam com alienados".




Prof. Lopes Rodrigues, na década de 1960, quando era Diretor do
Serviço Nacional de Doenças Mentais, no Rio de Janeiro.
Fonte: História da Psiquiatria Mineira. Joaquim Affonso Moretzsohn, 1989.


Vê-se que os problemas que a psiquiatra atual encontra nas suas mais diversas facetas, clínicas, administrativas, políticas, culturais e sociais, não são exclusivamente obra do presente, pois existem há muito, muito, tempo.

Atribui-se ao prof. Lopes Rodrigues, um papel secundário da cátedra de psiquiatria e de seu corpo docente nos eventos psiquiátricos do Estado, durante várias décadas, em função de estar ele sempre viajando, atendendo aos seus inúmeros compromissos, deixando seus compromissos profissionais em terras mineiras para segundo plano. Seus assistentes e professores Livres-Docentes não se sentiam à vontade para imprimir ao Departamento (nome que foi adotado muito mais tarde) uma ação mais presente e de liderança na psiquiatria mineira, ao contrário do que ocorria em outros estados, quando as universidades federais ou estaduais haviam há muito assumido papéis de liderança inconteste nas pesquisas, estudos e promoção de eventos científicos em sua jurisdição.

O prof. Zoroastro Vianna Passos (1887-1945), apesar de não ter sido psiquiatra, deixou importante contribuição em nossa história. Foi Chefe da Diretoria Geral de Assistência Hospitalar do Estado de Minas Gerais, e teve sob sua orientação todos os hospitais públicos psiquiátricos do estado.  Foi um dos fundadores da revista Archivos da Assistência Hospitalar do Estado de Minas, que representou papel de fundamental importância nas décadas de 1930/40 para a psiquiatria mineira.

Grande profissional foi Iago Victoriano Pimentel (1890-1962). Homem de grande saber e erudição, dedicado aos conhecimentos da psiquiatria humanista clássica de seu tempo, escreveu importante obra sobre psicologia aplicada à educação, que foi livro básico durante muitos anos na área da pedagogia. É considerado o primeiro tradutor de Freud no Brasil.

Um dedicado psiquiatra do período foi Moacir Martins Andrade (1910-1969), grande especialista em Psiquiatria Forense, onde se destacou, tendo sido psiquiatra da Penitenciária Agrícola de Neves. Foi um entusiasta do teste miocinético de Mira y López (PMK), cujo teste original enriqueceu com dados de suas próprias observações.

A psiquiatria infantil teve na figura de Antônio Bernardino Alves (1894-1971) o seu pioneiro em Minas Gerais. Foi o primeiro diretor do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, inaugurado em 1947.

A psiquiatria clássica alemã, organicista, teve em Silvio Ferreira da Cunha (1893-1972) sua última figura exponencial. Formou-se no Rio de Janeiro e, em Belo Horizonte, foi Diretor do Instituto Raul Soares. Posteriormente, foi Chefe do Serviço de Higiene Mental da Secretaria de Saúde.

A psiquiatria mineira na segunda metade do século XX

Importantes contribuições à nossa psiquiatria deram os seguintes médicos: Geraldo Roedel (1920-1975), profissional de grande cultura e inteligência, Heleno Coutinho Guimarães (1928-1977), José Jorge Teixeira (1899-1980), Aspásia Pires (1921-1980), a primeira psiquiatra do sexo feminino em Belo Horizonte, Odilon Dias Becker (1913-1982) e Flávio Neves (1908-1984).

O próprio autor da História da Psiquiatria Mineira, Joaquim Affonso Moretzsohn foi um profissional atuante e destacado em nosso meio. Entre suas credenciais se incluíam: ex-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais; membro titular da Academia Mineira de Medicina, do Instituto Mineiro de História da Medicina e da Academia Brasileira de Administração Hospitalar; membro titular da Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e membro associado do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

Não poderíamos neste trabalho deixar de escrever algo sobre dois grandes nomes da psiquiatria mineira de meados e segunda metade do século XX, os professores Clóvis de Faria Alvim e Paulo Saraiva.

O prof. Clóvis de Faria Alvim nasceu em Itabira, MG, em 1920, neto do grande político mineiro Cesário Alvim. Formou-se na Faculdade de Medicina de Minas Gerais (ainda não era Federal) em 1945, tendo se dedicado durante trinta anos ao trabalho intelectual na área teórica da psiquiatria, com incursões na história, no folclore, na literatura, na antropologia e na crítica literária. Possuidor de cultura invejável e profundo conhecedor da psiquiatria, foi autor de várias publicações científicas. Sua tese de Livre Docência de Psiquiatria intitulou-se Introdução ao Estudo da Deficiência Mental, tendo escrito um livro sobre o mesmo assunto. Foi também o responsável por um dicionário de termos psiquiátricos e psicológicos. Foi um dos fundadores da Academia Mineira de Medicina, em 1970, titular da cadeira de número 17, cujo patrono foi Antônio Gonçalves Gomide, um dos pioneiros da psiquiatria em Minas e no Brasil no início do século XIX. Sobre Gomide escreveu um antológico trabalho relatando os estudos empreendidos por este grande pioneiro da psiquiatria, em 1814, nos quais ele analisa o célebre caso da beata, irmã Gertrudes Maria da Purificação, que apresentava surtos, entre histéricos e psicóticos místicos, vivendo reclusa, próxima ao seu confessor, no alto da Serra da Piedade. Este caso foi testemunhado e relatado pelo grande naturalista Auguste de Saint-Hilaire quando de sua passagem por Minas Gerais neste período.

Colaborador da famosa educadora Helena Antipoff, professor universitário, fundador de associações psiquiátricas e psicológicas, pesquisador, Clóvis de Faria Alvim deixou obra de imenso valor como Alguns aspectos da vida sexual dos índios brasileiros, Um caso de esclerose tuberosa, Um precursor mineiro da psiquiatria brasileira, O jovem Freud, O pensamento evolucionista em neuropsiquiatria e Assistência ao doente mental. Administrou cursos de psiquiatria infantil, tendo atuado no Serviço de Antropologia Criminal na Penitenciária Agrícola de Neves, no Instituto Pestalozzi, no Hospital de Psiquiatria Infantil e na Faculdade de Ciências Médicas.



Da esquerda para a direita: Drs. Javert Rodrigues, presidente da AMP, 
 Antônio Carlos Corrêa, prof. Neves Manta, da Academia de Medicina do
Rio de Janeiro e prof. Clóvis de Faria Alvim, da Academia Mineira de Medicina. 
Lançamento de meu primeiro livro Introdução à Psiquiatria Reflexológica
março de 1976, Casa de Saúde Santa Maria, Belo Horizonte.



Em 1971 assisti a uma de suas memoráveis apresentações na AMMG, quando o prof. Clóvis falou sobre as Psicoses Puerperais, tema que dominava em profundidade. Este trabalho foi baseado em pesquisas de campo, inéditas para um psiquiatra em nosso meio, quando o prof. Clóvis passou uma temporada em tribo de indígenas do Alto Xingu, onde estudou casos do fenômeno denominado de "couvade", termo francês que designa uma situação social na qual, após o parto, é o pai que faz o repouso e é alimentado como se ele tivesse sido a parturiente. No caso dos indígenas, o pai passa a quarentena deitado em redes e sendo alimentado com caldos e sopas pelos seus próximos, enquanto a mãe vai para a lavoura plantar e colher os mantimentos para a tribo. 

Fui grande amigo do prof. Clóvis nos seus últimos anos de vida e sempre me fascinou sua cultura enciclopédica e eclética. Em uma das últimas vezes em que nos encontramos, eu estava na varanda da Casa de Saúde Santa Maria, quando ele chamou-me a um canto e mostrou-me um livro que carregava debaixo do braço (ainda era uma obra vista com preconceito por diversos círculos mineiros). Tratava-se do Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras), uma obra que entrou para a lista das mais infames de toda a história da humanidade. Por vários séculos este livro esteve no Index da Igreja Católica, tal o descalabro de suas propostas. Escrita por dois frades dominicanos austríacos, em 1486, Heinrich Kraemer e Jacob Sprenger, ensinava a caçar bruxas, geralmente denunciadas por indivíduos que se mantinham no anonimato (os inquisidores sabiam quem eram), sem provas, com acusações infundadas contra pessoas inocentes. Na maioria das vezes, as denúncias eram motivados pela inveja ou o ciúme, e a Inquisição extraía delas confissões sob tortura. O livro descreve esses métodos de tortura destinados a “provar” com proficiência a condição de bruxas de suas vítimas, como julgá-las, e, finalmente, como entrega-las às autoridades seculares para que a sentença fosse cumprida, ou seja, para que elas fossem queimadas na fogueira. Este livro ficou em minha memória por mais de duas décadas, quando, há alguns anos, o adquiri e serviu-me como fonte valiosa em minhas pesquisas sobre os delírios na história. Faleceu o prof. Clóvis, em 1979, uma hora antes de proferir mais uma de suas memoráveis palestras na Casa de Saúde Santa Maria. Foi uma perda irreparável para a ciência mineira.

O prof. Paulo Saraiva nasceu em Belo Horizonte, em 1918, diplomando-se na Faculdade de Medicina em 1944, onde foi professor e defendeu tese de Livre-Docência intitulada O teste Rorcharch em psiquiatria infantil. Assim como seu grande amigo Clóvis Alvim, dedicou boa parte da vida ao estudo do sofrimento mental do ser humano. De cultura invejável, deixou obras como Problemas emocionais das crianças, O conceito de esquizofrenia, Estudo médico-psicológico de casos de deterioração mental, Medicina psicossomática, O teste Rorschach e a personalidade epiléptica.

Publicou vários artigos em revistas e jornais leigos como Psicologia da forma e método dialético, A Psicanálise, O complexo de Édipo, O Psicotécnico e a segurança no trânsito, A psicossomática, A memória, A narcoanálise, As psicoterapias, A personalidade epiléptica. Trabalhou em diversas instituições psiquiátricas e foi professor de psiquiatria na Faculdade de Ciências Médicas.

O prof. Paulo Saraiva foi membro destacado da Academia Mineira de Medicina, onde ocupava a cadeira de número 60, cujo patrono foi o Dr. Iago Pimentel, eminente neuropsiquiatra na história da psiquiatria mineira, entre as décadas de 1920 e 1950. Tive o privilégio de trabalhar muito próximo ao prof. Paulo Saraiva, pois lecionei psiquiatria a seu lado, na Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, por vários anos, e também fomos sócios em nosso primeiro consultório e clínica, de 1971 a 1976. Ele, já um mestre consagrado com vasta clínica particular, sempre nutrira, em segredo, simpatias pelas teorias de Ivan Petrovitch Pavlov e sua neurofisiologia aplicada à Atividade Nervosa Superior e à psiquiatria. Nossa amizade perdurou por toda a vida. Eu nutria por ele uma profunda admiração e respeito filiais. Foi o prefaciador de meu primeiro livro: Introdução à Psiquiatria Reflexológica, em 1975, registro este que cultivo com muito orgulho. Sua memória será sempre por mim reverenciada, já que ele foi um dos profissionais mais íntegros, éticos e capazes que conheci. Seu saber enciclopédico se equiparava ao de seu grande amigo o prof. Clóvis de Faria Alvim. Marcantes foram suas aulas e palestras sobre a influência da filosofia pragmática inglesa, do século XVII, notadamente dos filósofos John Locke e David Hume, sobre as correntes da psicologia contemporânea, principalmente o Behaviorismo. Faleceu em 1996, em pleno gozo de sua profícua carreira e em plena lucidez. Uma perda que gerou um vazio imensurável em toda a nossa comunidade psiquiátrica.

A tônica da assistência psiquiátrica em Minas Gerais era baseada em hospitalizações até a década de 1960. Havia inúmeros hospitais estaduais como o Hospital Colônia de Barbacena, o Instituto Raul Soares, o Hospital Colônia de Oliveira, o Hospital Galba Velloso, o Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil e inúmeras clínicas psiquiátricas particulares. A ênfase era no tratamento hospitalar tanto na capital como no interior do estado. Um grupo de médicos se unia, alguns nem eram psiquiatras, e formavam uma instituição destinada a atender doentes mentais. Segundo Moretzsohn (p.145-169) podemos citar os seguintes hospitais, com suas respectivas datas de fundação e seu corpo clínico, em quatro décadas, em Belo Horizonte:

Casa de Saúde Santa Clara (1937).

Os fundadores foram os filhos do Dr. Cícero Ferreira (1861-1920), um dos fundadores da Faculdade de Medicina da UMG (posteriormente UFMG), em 1911. Foram eles: Drs. Ary, Blair e Ivan Ferreira e Dr. Necésio Tavares, ligado a eles por laços de parentesco. Foram diretores: Drs. Blair Ferreira, Ari Ferreira, Mário Cícero Ferreira, Leopoldo de Castro Ferreira, Hélio Tavares, Orlando Campos Ferreira, Breno de Castro Ferreira, Hélio Tavares Filho e, nos últimos anos, Carlos Eduardo Ferreira. Passaram pelo Santa Clara quase todos os psiquiatras de Belo Horizonte, dos quais podemos citar os mais antigos: Drs. Sandoval de Castro, Odilon Dias Becker, Fernando Velloso, Ivan Ribeiro e Hélio Tavares. Quando o hospital fechou as portas, no início da década de 1990, seu corpo clínico era composto pelos Drs. Adilson Alves Cabral, Aluízio Batista Moreira, Antônio Coura Macedo, Arnaldo Madruga Fernandes, Antônio Porcaro de Sales, Ana Ester Nogueira Pinto, Breno de Castro Ferreira Junior, Celso Levi, Carlos Eduardo Ferreira, Edgar Mello Magalhães, Eduardo Eustáquio Andrade, Eduardo Olímpio Viegas Vargas, Fábio Lopes Rocha, Fábio Mendonça Porto, Francisco Hugo Badaró, Geraldo Borges Júnior, Geraldo Megre Resende, Guilherme Brasil Lucena, Hélio Tavares Filho, Heron Fernando Lima Lopes, Irany Silva, Jarbas Alves Loureiro, Jansen Campomizzi, José de Assis Corrêa, José Roberto Buainain, José Ronaldo Procópio, Marcelo Ribeiro Vaz, Marcos André Menezes, Mário Catão Guimarães, Marcio Sampaio, Maria Auxiliadora Viana, Maria Arlete de Castro Andrade, Newton Figueiredo, Otávio Maia Saliba, Osvaldo Martins Ferreira, Ovídio Magalhães Santeiro, Porfírio Marcos Rocha Andrade, Samuel Lansky, Sálvio Luiz Moreira Penna, Sérgio Passos Ferreira, Sylvio Magalhães Velloso, Tatiana Guimarães T. Mourão, Zuleide Sousa Carmo Abijaodi.

Casa de Saúde Santa Maria (1947).

Fundada e dirigida pelo prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, até seu falecimento nos fins da década de 1990. Atualmente é dirigida pelos seus filhos Solange Maria de Mendonça Campos e Austregésilo de Mendonça Filho. Desde o início, o Prof. Mendonça contou com a estreita colaboração de seu irmão, também psiquiatra, Dr. Antar Ribeiro de Mendonça (1911-1963). Um dos mais assíduos e íntimos colaboradores foi o Dr. Geraldo Rodrigues de Oliveira, que exerceu por muitos anos a atividade de médico clínico e psiquiatra. Também passaram pelo Santa Maria, onde internavam seus pacientes particulares, nomes consagrados da psiquiatria mineira: Drs. Galba Velloso, Silvio Cunha, Caio Líbano, José Cezarini, Fernando Velloso, Milton Gomes, Clóvis Alvim, Haley Bessa, Paulo Saraiva, Flávio Neves, Francisco Badaró, Ataulpho da Costa Ribeiro, José Pedro Salomão, Aloísio Batista Moreira e Helênio Coutinho Guimarães. Outros médicos, de outras especialidades, também fizeram história no Santa Maria: Drs. Otaviano Lapertosa Brina, Petrônio Monteiro Boechat, Manoel Bernardo dos Santos, Ari Moreira da Silva, José Araújo Barros, José Segundo da Rocha, José Rodrigues Lóes. De seu corpo clínico, por várias décadas, participaram: Drs. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, Paulo Saraiva, Francisco Badaró, Raphael Mesquita, Solange Mendonça Campos, Austregésilo Mendonça Filho, Antônio Carlos de Oliveira Corrêa, Gustavo Fernando Julião de Sousa, Hilbene Rodrigues Galizzi, José Jacinto Chaves, José Nogueira de Sá Neto, Milton Ribeiro Sobrinho, Oliveiros C. Ribeiro, Otaviano Corrêa da Veiga Lima, Aloísio Batista Moreira, Maria Cristina Palhares, Maria Cristina Contigli, Otávio Gouvea Ferreira.

Clínica Pinel (1946).

Fundada pelos Drs. Geraldo Roedel, Joaquim Affonso Moretzsohn, Sandoval de Castro e Moacir Martins Andrade. Sua direção sempre foi colegiada, composta pelas famílias dos Drs. Moretzsohn e Sandoval de Castro, que adquiriram as cotas dos outros dois colegas. Já integraram ou integram o corpo clínico os seguintes psiquiatras: Drs. Vicente Soares, José Amaral de Castro, Raul Costa Filho, Antônio Afonso Morais Moretzsohn, Francisco Alberto Laender de Castro, Francisco de Paula Victor Pereira, Feliciano de Abreu e Silva, José Pedro Salomão, Neuza Carneiro Magalhães, José Carlos Câmara, Clóvis Figueiredo Sette Bicalho, Edgar Magalhães, José Nazário Gonçalves, Carlos Moretzsohn Ildefonso, Paulo Henrique Scarpa, Roberto Lage Pessoa, Adelson Sousa Pires, Júlio Cesar Valadares Roquete, Marcelo Vaz, Guilherme Brasil Lucena, Ovídio M. Almeida Jr., Ronan Rodrigues Rego, Watercides França, José Nogueira de Sá Neto, Antônio Roberto Vieira Guedes, Alberto André Delpino Mendonça, Raimundo Cabral, Kleber Lincoln Gomes, Jansen Campomizzi, José Ronaldo Procópio, Marcondes Franco da Silva, Lilian Antunes, Marília Mariani, Mauro Passos, Ronaldo Canals, Jeferson Perez Pereira, Eliana Costa e Silva, José de Assis Corrêa, Idário Valadares Bahia, Antônio Lopes Cançado Neto, Jarbas Loureiro, Sálvio Luiz Moreira Penna, Sílvio Monteiro Resende, Narcélio Laponez Silveira, Soter Ramos Couto, Aldorando Ricardo do Nascimento, Raimundo Ferreira Maciel, Antônio Osvaldo Aquino, Flávio Luiz Moretzsohn da Silva, Luiz Carlos Braga Pires, Valéria Fátima Moreira, Humberto Campolina França, Celso Luiz Cruz, Sandoval de Castro Filho, Claudio Lage Moretzsohn, Lucas Lage Moretzsohn, Graco de Nóbrega Cesarino Filho, José Maria Morais Alvarenga.

Clínica Afrânio Peixoto (1952-1968).

Foram seus proprietários os Drs. José Pedro Salomão, Ataulpho da Costa Ribeiro e Sebastião Abrão Salim.

Clínica Senhora de Fátima (1954), fundada pelo Dr. Tasso Ramos de Carvalho. Foram de seu corpo clínico os Drs. Dolores Ribeiro Ramos de Carvalho, Djalma Teixeira de Oliveira e Alaor Rezende.

Clínica Nossa Senhora de Lourdes (1959-2000).

Foram fundadores os sócios cotistas Drs. Pedro Costa Neto, Hélio Durães Alkmin, Aspásia Pires, Lourival Alcântara Veloso, Ivan Ribeiro, José Gilberto de Souza, Eduardo Ozório Cisalpino, Wilson Mairinck e José Pio Cardoso. Foram de seu corpo clínico os Drs. Alan Freitas Passos, Amélio Porcaro Sales, Antônio Augusto F. Paulino, Dório Antônio Raggi Grossi, Guilherme B. Lucena, Helenita S. Goulart, Renato S. Oliveira, José Romualdo Oliveira, José Valmir Barrote Junior, Otávio Saliba, Antônio José Viegas e Janete Andrade.

Clínica Boa Esperança (1961-2000).

Fundada pelos Drs. Aristóteles Brasil e Armando Leite Naves. Foram de seu corpo clínico os Drs. Neide Garcia de Lima, Luiz Augusto Ribeiro, Adelaide Duarte Ubaldino e Paulo de Lima Garcia.

Hospital Espírita "André Luiz". Inaugurado em 1967.

Fundação espírita que teve seus primeiros diretores os Srs. Virgílio Pedro de Almeida, dr. Celso Dias de Avelar, dr. José Schembri, dr. Haroldo Alves Timponi. A coordenação clínica coube ao dr. Marco Aurélio Baggio. Foram ou continuam sendo de seu corpo clínico os drs. Jaider Rodrigues de Paulo, Luiz Carlos Rodrigues, Sérvulo José Duarte Vieira, Ricardo Mendes Pereira, Carlos Antônio B. Calixto, Geraldo Walter Heilbuth, Marcelo Oliveira Mundin, Henrique Marcos Cordeiro Campos, Dario D. Ferreira Pena, Osvaldo Hely Moreira, Rafic Dabien, Renato Pereira Campolina Pontes, Walter Rodrigues da Costa, Lenice A. Sousa Alves.

Clínica Serra Verde (1971-2005).

Destinada ao internamento de pacientes crônicos. Foram seus fundadores os drs. Mário Ibrahim da Silva, José Porcaro Vorcaro, Luiz Issa e Francisco Augusto Machado. Foram membros de seu corpo clínico os Drs. Antônio Carlos Calixto, Wagner Luiz Alves, Flávio Luiz M. da Silva, Carlos M. Ildefonso Silva, Celso Cruz, Ronaldo Cairo, Watercides França, Luiz Carlos Braga Pires, Maria Cristina Contigli, Euli Peixoto, Leonardo Taves, Venios Borges, Raimundo Ferreira Maciel, Humberto Campolina, Valéria de Fátima Moreira.

Centro Terapêutico Comunitário "Santa Margarida" (1974-1983).

       Fundada pelos drs. Adelson Sousa Pires, Clóvis Figueiredo Sette Bicalho, Júlio Cesar Valadares Roquete e Luiz Carlos Braga Pires. Trabalhava dentro do princípio da comunidade terapêutica, com redução no uso de psicofármacos e mais atendimentos socioterápicos e psicoterápicos.

Até o fim da década de 1960 não havia uma preparação formal do especialista em psiquiatria. Não havia as residências médicas ou cursos de pós-graduação. Quem podia, se deslocava para o Rio de Janeiro ou São Paulo, onde acompanhava cursos de extensão, na Universidade do Brasil, Universidade de São Paulo ou Serviço Nacional de Doenças Mentais. Raros eram os que podiam fazer cursos no exterior. A grande maioria tinha sua formação através de estágios em hospitais psiquiátricos (na época havia a figura do estagiário-acadêmico ou interno-acadêmico, quando o estudante de medicina era incorporado ao corpo de estagiários do hospital, onde prestava serviços de plantão e atendimento em enfermarias, em troca de aprendizagem e conhecimentos na especialidade). As clínicas e hospitais mais procurados se situavam em Belo Horizonte, Juiz de Fora e Barbacena.

No início da década de 1960 novas idéias começaram a germinar em nossa psiquiatria, como ademais em todo o Brasil. A psicanálise progressivamente se introduziu como influência marcante na prática e pensamento dos psiquiatras e essa influência somente cresceu no decorrer dos anos.

O Hospital Galba Velloso como referência psiquiátrica

Quando no governo de Minas Gerais se encontrava José Francisco Bias Fortes e seu secretário de Estado da Saúde o prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, este um ex-psiquiatra do IRS, e, portanto, consciente das deficiências desta instituição, se reuniram e decidiram pela construção de um novo hospital psiquiátrico em Belo Horizonte. Seu objetivo era substituir o “velho Raul” que seria modificado e adaptado para receber adolescentes com problemas de conduta.

O governador conseguiu um grande terreno de 12 mil metros quadrados, na zona oeste de Belo Horizonte, no bairro Gameleira. Ao fim de seu governo entregou o edifício quase pronto. A verba para tal empreendimento veio, em parte, dos cofres estaduais. Mas a maior parte veio de recursos da União, notadamente do Serviço Nacional de Doenças Mentais, então dirigido por um psiquiatra mineiro, Adauto Botelho. A conclusão da obra se deu no governo seguinte, de José de Magalhães Pinto e, segundo Moretzsohn (p. 141), quando era secretário de saúde Roberto Resende. O próprio Moretzsohn era o Chefe do Serviço de Psiquiatria da Secretaria de Saúde. Decidiu-se também que o IRS seria destinado somente a pacientes do sexo masculino e o Hospital Galba Velloso (HGV) somente para pacientes do sexo feminino.

Hélio Durães Alkmin foi o primeiro diretor do HGV, que passou a funcionar a partir de agosto de 1962. As primeiras pacientes foram 34 mulheres transferidas do IRS para lá. O corpo clínico do hospital era composto de psiquiatras transferidos do IRS e outros nomeados pela Secretaria de Saúde. Segundo Moretzsohn (p. 141) o nome do hospital foi escolhido e levado para aprovação pelo Departamento de Neuropsiquiatria da Associação Médica de Minas Gerais. O retrato de Galba Velloso foi inaugurado em 01/11/1963.


A partir de agora farei um relato do que testemunhei nesses últimos cinquenta anos da psiquiatria mineira. Iniciei meus primeiros contatos com a psiquiatria em agosto de 1966. Havia concluído a disciplina de farmacologia na Faculdade de Medicina da UFMG (FMUFMG). Submeti-me a avaliações com entrevistas e testes com Eunice Rangel, vice-diretora do HGV, fui admitido como interno acadêmico. Na ocasião, havia a figura do interno acadêmico, isto é, o estudante de medicina que, a partir do terceiro ano da faculdade, era admitido em hospitais, com o fim de estagiar, trabalhar como plantonista, prestar atendimento a enfermarias e ambulatórios e até ali residir. 

A psiquiatria mineira passava por transformações importantes. O HGV era, então, um foco polarizador de ideias que a estavam renovando. Em 1963, a direção do hospital fora transferida para as mãos de Jorge Paprocki, então um nome em ascensão em Minas Gerais, dadas suas pesquisas e publicações em revistas científicas. Paprocki se graduara em medicina em 1955 pela FMUFMG. Como não houvesse cursos de pós-graduação ou residência em psiquiatria, ele desenvolveu grande habilidade no trabalho com pacientes portadores de distúrbios mentais em hospitais e ambulatórios de Juiz de Fora, onde residiu por alguns anos, sob o enfoque de comunidades terapêuticas. Voltando para Belo Horizonte, trabalhou ao lado do psiquiatra Ivan Ribeiro e do anestesiologista Petrônio Boechat. Tornou-se conhecido nacionalmente em decorrência de suas pesquisas e publicações na área de psicofarmacologia, um setor da psiquiatria em franco desenvolvimento, e no emprego de anestésicos e narcose na eletroconvulsoterapia (ECT).

O estilo de administração de Paprocki causou grande impacto na psiquiatria mineira. Trouxe novas ideias, decorrentes da onda internacional que incentivava terapêuticas menos rígidas para os doentes mentais. Aí se incluíam a redução de contenções físicas, abolição de quartos-fortes e camisas de forças, preferência por utilização de métodos terapêuticos como os psicofármacos, ressocialização através de comunidades terapêuticas, ambientoterapia, socioterapia, suporte psicoterápico institucional, terapia ocupacional, praxiterapia e outras. Ao mesmo tempo, utilizavam-se ainda as técnicas de tratamentos biológicos como cardiazolterapia e insulinoterapia, além do já citado ECT (com e sem anestesia). Os resultados logo começaram a surgir. Aliado a tudo isto, num gesto audacioso para aqueles tempos (e ainda para os dias atuais), Paprocki instituiu o chamado “open door integral”, isto é, as enfermarias não eram trancadas com grossas portas com barras de ferro para evitar a fuga das pacientes. Não havia portas e uma das pacientes, já em melhores condições psíquicas do que os demais e com previsão de breve alta hospitalar, era colocada na entrada da enfermaria para controlar o movimento de saída dos demais. Os resultados encorajaram a manutenção desta nova estratégia.

Paprocki abriu as portas do hospital para jovens estudantes de medicina que desejassem seguir a especialidade da psiquiatria, acolhendo-os como internos acadêmicos. Grande parte deles passou a residir no HGV, em setor reservado. A medida atraiu uma plêiade de jovens estudiosos e sequiosos de conhecimento e treinamento especializado. Esse movimento constituiu o berço de uma grande geração de futuros psiquiatras que se destacaram nas mais diversas áreas da psiquiatria, da psicanálise, da psicoterapia, da neuropsiquiatria e das neurociências. Ao mesmo tempo, Paprocki incentivou a todos na realização de trabalhos de pesquisas e na publicação de seus resultados. Em grande parte dessas pesquisas ele era o líder e coordenador. O gosto pela pesquisa, pela redação de trabalhos científicos e pela sua publicação logo se tornou uma prática rotineira de toda a equipe.

Paprocki era severo, respeitado e, de certa forma, temido. Ao mesmo tempo, era bondoso, compreensivo e incentivava as habilidades e qualidades individuais de cada um dos internos. Alguns profissionais experientes trabalhavam com ele, como os neurologistas Benítez Emílio Conde e Dalton Lintz de Freitas, este também eletroencefalografista, os clínicos e cardiologistas Emílio Grimbaun, Belces de Paula, Edson Rasuk, José Luiz de Amorim Ratton e Geraldo Ribeiro, este ginecologista. 

Dentre os psiquiatras mais experientes estavam: Helênio Coutinho Guimarães, Neusa Magalhães Carneiro, Pedro Lopes de Oliveira, José Pedro Salomão,  José James de Castro Barros, José Domingues de Oliveira, Aldorando Ricardo do Nascimento, Mário Catão Guimarães, José Raimundo Lippi e Eunice Rangel. Esta foi o braço direito de Paprocki e muito contribuiu para o êxito da administração e das ações implementadas naquela época. 

Na ocasião, um considerável número de internos acadêmicos ali trabalhava havia, pelo menos, dois ou três anos. Dentre eles, assinalo: Marco Aurélio Baggio, César Rodrigues Campos, Odília Miguel Pereira, Francisco Juarez Ramalho Pinto, Virgílio Bustamante Rennó, Francisco Paes Barreto, Arlindo Carlos Pimenta, Francisco Xavier, Vicente Santos Dias, José de Assis Corrêa, Eudes Ramón Paredes Montilla (venezuelano), José Carlos Pires Amarante e, por um período mais curto, Walmor Piccinini (este, vindo do Rio Grande do Sul). Quase na mesma ocasião de minha inclusão no grupo, também foram admitidos meus colegas de faculdade Javert Rodrigues, Rodrigo Teixeira de Salles e, algum tempo depois, Maria Muniz Passos (Lia), Maria Auxiliadora Athayde, Lélio Marcio Dias e Antônio Leite Rangel.

Outros estagiários logo se incorporaram a este multifacetado grupo de jovens idealistas e dedicados, como José Ronaldo Procópio, Claudio Pérsio Carvalho Leite e Hélio Roscoe. Um grupo de psicólogos estagiários e estudantes de psicologia, também se inseriu ao grupo, como Welber Braga, João Mascarenhas, Elizabeth Clark, Flávio José de Lima Neves e outros. Formou-se, aos poucos, um grande grupo multiprofissional composto por enfermeiras, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, todos dedicados e sequiosos de conhecimento. Também havia uma equipe de professoras para o curso fundamental que ministravam aulas de cuidados pessoais, higiene, auxílio à leitura e escrita, para as pacientes internadas, como um complemento às diversas terapias disponíveis. Esta foi uma experiência única e pioneira no estado que durou por não mais que três anos.

Iniciei meu trabalho no Centro de Estudos Galba Velloso (CEGV) pouco após minha chegada ao hospital. No princípio, como bibliotecário, depois como diretor de publicações e, finalmente, em 1969, após a gestão de José Carlos Pires Amarante, o sucedi na presidência. O CEGV fora criado em 1964 e tivera como presidentes os psiquiatras Eunice Rangel e José Domingues de Oliveira, e os acadêmicos Francisco Paes Barreto e José Carlos Pires Amarante. Como diretor de publicações, em 1968, planejei a publicação de um texto sobre psicofármacos, visto que nenhum livro sobre o assunto havia sido publicado no Brasil, até aquela data. Pensei numa obra escrita a várias mãos, na qual cada um dos membros do corpo clínico se encarregaria de escrever um capítulo. Agendei com o grupo uma reunião no CEGV quando apresentei meu projeto, aprovado com entusiasmo. Escolhidos os temas e ementas, a distribuição seguiu a predileção de cada um. Tornei-me o editor desta obra.  Jamais imaginamos que o livro marcaria época na psiquiatria brasileira. Foram seis meses de trabalho intenso e profícuo e os resultados não demoraram a surgir.

Nesta época, antes da era das residências de psiquiatria, a “turma do Galba” realizava estudos auto-didáticos, geralmente em grupos e utilizando os tratados de psiquiatria famosos do período. Um deles era o do psiquiatra argentino Juan Beta, Manual de Psiquiatria, livro considerado por demais organicista numa época em que a psicanálise já dominava amplamente a psiquiatria brasileira e mundial. Também o Manual de Psiquiatria, de Mayer-Gross, em que pese sua orientação organicista, era mais aceito que o anterior. Em contrapartida, Iracy Doyle, com sua Nosologia Psiquiátrica, tinha profundas raízes psicodinâmicas. Era um livro que praticamente decorávamos por inteiro. Outros autores e obras importantes estudados com afinco, em que noites eram varadas sobre suas páginas, em particular na sala do CEGV: Psiquiatria Dinâmica, de Henri Ey, Psiquiatria Clínica Moderna, de Noyes e Kolb, Psicopatologia, de Kurt Schneider, Tratado de Psiquiatria, de Manfred Bleuler, História da Psiquiatria, de Franz Alexander, Psicopatologia Geral, de Karl Jaspers, Temas Psiquiátricos (um extenso tratado de psicopatologia), de Cabaleiro-Goás, Psicologia Médica, de Juan-José Lopez-Ibor, os livros de Weitbrecht e Tellembach, Estratégias em psicoterapia, de Jay Haley, e muitos outros. Tomávamos também conhecimento, a partir de 1968, do trabalho do grande psiquiatra espanhol, Francisco Alonso-Fernandez, com sua obra, Fundamentos de la Psiquiatría Actual, uma expressão da excelência psiquiátrica do período. Somente no final da década de 1970 surgiu o também muito aguardado Psiquiatria, do prof. Nobre de Melo. Mas, então, todos nós já estávamos longe do Galba.

Com frequência eram convidados grandes psiquiatras para proferir palestras no CEGV: prof. Clóvis de Faria Alvim, um dos mais brilhantes da história da psiquiatria mineira, prof. Paulo Saraiva, de conhecimento enciclopédico, prof. Hélio Durães Alkmin, da UFMG, prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, fundador da disciplina de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas (FCMMG), Fernando Megre Velloso, Joaquim Affonso Moretzsohn, Ivan Ribeiro da Silva, Francisco Hugo Badaró, Geraldo Megre de Resende, Aspásia Pires de Oliveira, todos grandes e consagrados nomes de nossa psiquiatria, além do prof. José Elias Murad, com suas aulas memoráveis sobre psicofarmacologia. 

 As tendências entre os internos acadêmicos já se faziam esboçar, a maioria com pendores para os estudos de psicanálise. Alguns foram tomados de verdadeira afeição pela teoria freudiana e pela psicoterapia analítica. No meu caso, em particular, apesar de ter feito análise de grupo por seis meses com o prof. Célio Garcia e quase um ano e meio de análise individual com Jarbas Moacir Portella, o meu interesse pelas teorias pavlovianas e sua neurofisiologia aplicada à psiquiatria e psicologia, demonstrou possuir uma força mais vigorosa e suas teorias científicas tiveram para mim o gosto da “verdade”. Éramos todos muito jovens, idealistas e radicais. Não havia espaço para o meio-termo, para a síntese, para o eclético ou o holismo.

Graduei-me em medicina pela UFMG em dezembro de 1968, quando me candidatei à residência de psiquiatria, criada um ano antes, um convênio entre a Secretaria de Estado da Saúde de MG e a FCMMG. Esta foi a primeira residência de psiquiatria no Estado. 

A obra Psicofármacos foi concluída em maio de 1969. Teve tiragem de dois mil exemplares. Os recursos vieram das economias feitas pela tesouraria do CEGV, durante mais de um ano. O livro teve grande aceitação e era vendido na Cooperativa Editora e de Cultura Médica. Inúmeros exemplares foram enviados, como permuta, para bibliotecas de universidades, hospitais, instituições psiquiátricas pelo Brasil afora, o que contribuiu para torna-lo bastante conhecido. A obra foi um marco na história da psiquiatria brasileira. Por mais de seis anos era única, sobre psicofarmacologia, publicada no Brasil. Apenas em 1975 o prof. José Caruso Madalena, do Rio de Janeiro, publicaria outro livro na área, com teor um pouco diferente. Uma obra maior e mais atualizada somente foi publicada pelo mesmo Caruso Madalena, em 1980, portanto, mais de dez anos após o trabalho do CEGV.










IX Congresso Brasileiro de Neuropsiquiatria, Neurologia e Higiene Mental, 
no Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, julho de 1969.
Da esquerda para a direita: César Rodrigues Campos, João Luiz Silva Tony,
Antônio Carlos Corrêa e Jorge Paprocki.


X Congresso Brasileiro de Neuropsiquiatria, Neurologia e Higiene Mental, 
no Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro, julho de 1969.
Viagem de barco pela Baía de Guanabara.
Da esquerda para a direita: Antônio Carlos Corrêa, Arlindo Pimenta,
José Raimundo Lippi, Claudio Persio Carvalho Leite,
Francisco Paes Barreto, personagens não identificados.


O livro foi oficialmente lançado no IX Congresso Brasileiro de Neuropsiquiatria, Neurologia e Higiene Mental, no Hotel Copacabana Palace, Rio de Janeiro. Para lá se dirigiu parte da “turma do Galba”, capitaneada por Fernando Megre Velloso e Jorge Paprocki. Foi um sucesso absoluto. A edição, primeira e única, se esgotou em pouco tempo. Hoje, quem possui um exemplar tem uma relíquia nas mãos.



Lançamento da Revista do Centro de Estudos Galba Velloso,
na Associação Médica de Minas Gerais, em 16 de setembro de 1969.
Na ocasião o Dr. Jarbas Moacir Portella proferiu sua palestra intitulada:
"Por que uma Revista de Psiquiatria em Minas Gerais".
Da esquerda para a direita: Dr. Jarbas Portella, Antônio Carlos Corrêa, 
Francisco Paes Barreto.


Poucos meses depois, em agosto de 1969, foi lançada a Revista do Centro de Estudos Galba Velloso. Era um projeto acalentado há mais de um ano, paralelamente ao livro Psicofármacos. Mais uma vez, contamos com a colaboração de todos e, principalmente, de Paprocki e Eunice Rangel, para viabilizar o sucesso do empreendimento. Houve o patrocínio de alguns laboratórios farmacêuticos, o que nos pavimentou o caminho da concretização da obra. O lançamento do primeiro número se deu nos salões da Associação Médica de MG, quando a iniciativa foi saudada por Jarbas Moacir Portella, analista didata do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. 


















A residência de psiquiatria, que fora criada em 1968, teve em sua primeira turma os seguintes residentes: José Carlos Pires Amarante, José Ronaldo Procópio, José de Assis Corrêa, Eudes Ramon Paredes Montilla, João Luiz da Silva Toni, Claudio Pérsio Carvalho Leite, Hélio Roscoe e Virgílio Bustamante Rennó. A segunda turma, de 1969, contava com: Rodrigo Teixeira de Salles, Javert Rodrigues, Maria Auxiliadora Athayde, Maria Muniz Passos (Lia), Maurício Sartori, Vicente Santos Dias, Lélio Marcio Dias e Antônio Carlos Corrêa. A terceira turma, de 1970, era composta por: Antônio Leite Rangel, Adelgício José Melo de Paula, Clovis Sette Bicalho, Marcos de Melo Couri, Argileu Pereira dos Santos e Delcir Antônio da Costa.

Os docentes eram membros do próprio HGV, com aporte de alguns contratados. Entre eles destacava-se André Faria d’Azevedo Carneiro que recém concluíra sua residência no Instituto de Psiquiatria da FMUFRJ, então sob a orientação do prof. José Leme Lopes, um dos mais consagrados psiquiatras brasileiros. Além dos clássicos da psiquiatria, da fenomenologia e da analítica existencial alemãs, como Kraepelin e Jaspers, estavam incluídos nas leituras dos residentes os filósofos Husserl, Dilthey e Martin Heidegger.



Março de 1970 - Simpósio Nacional sobre Depressão.
Parte da "turma do Galba". Da esquerda para a direita:
Cristina e Rodrigo Teixeira de Salles, Marcio Sampaio,
Roberto Rangel, Eunice Rangel, José Ronaldo Procópio,
Antônio Leite Rangel, Jorge Paprocki, Maurício Sartori,
Maria Muniz Passos (Lia), Delcir Antonio da Costa
e Antônio Carlos Corrêa.



O HGV estava em seu apogeu e era considerado uma das referências da psiquiatria brasileira. Havia inúmeros candidatos à residência provenientes de Minas e de diversos estados. Paprocki atingira grande conceito entre os psiquiatras brasileiros. Era convidado para eventos pelo País afora. A indústria farmacêutica também demonstrava interesse em promover lançamento de produtos no HGV, como ocorreu em março de 1970, quando o laboratório Ciba-Geigy planejou o lançamento da clomipramina injetável, um importante antidepressivo da época, e propôs que ali fosse realizado durante um Simpósio Nacional sobre Depressão. Todos se mobilizaram para o evento, que foi um sucesso. Personalidades de renome nacional da psiquiatria prestigiaram o evento, que também teve o patrocínio da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), então recentemente criada, há apenas quatro anos (1966), com a participação ativa de Fernando Megre Velloso e Jorge Paprocki. Dentre as grandes personalidades que compareceram posso citar: prof. Álvaro Rubim de Pinho, professor catedrático de psiquiatria da FM-UFBA, então presidente da ABP, dr. Ulisses Vianna Filho, secretário da ABP, prof. Clóvis Martins, professor Livre-Docente da FM-USP e do Instituto de Psiquiatria, prof. Darcy de Mendonça Uchôa, também professor Livre-Docente da FM-USP, e outros.




Sessão de abertura do Simpósio. Da esquerda para a direita:
Antônio Carlos Corrêa, Francisco Paes Barreto, José Raimundo Lippi,
prof. Ulisses Vianna Filho (Secretário Geral da ABP-Rio de Janeiro),
Eunice Rangel, J. Pagano-Botana, diretor Médico do Laboratório Ciba-Geigy,
deputado estadual Genésio Bernardino, representando o governador do estado
Israel Pinheiro, prof. Rubim de Pinho (Presidente da ABP-Bahia).

Sessão inaugural do Simpósio sobre Depressão. 
Ao centro, enconstado na pilastra, com a mão no rosto, 
vê-se o Prof. Clóvis de Faria Alvim.
Assentado, à direita da foto, de óculos escuros, 

o Prof. Hélio Alkmim.


Sessão inaugural do Simpósio sobre Depressão com palestra 
do prof. Magalhães Gomes, professor catedrático de Clínica Médica 
na Universidade do Brasil (atual UFRJ). Na primeira fila, 
à esquerda, o prof. Clóvis Martins, da USP.
Ao seu lado, o grande psiquiatra e psicanalista da USP,
prof. Darcy de Mendonça Uchôa.


Sessão de encerramento do Simpósio sobre Depressão. 
O autor faz a saudação aos convidados. Na mesa, 
da esquerda para a direita:
prof. Clóvis Salgado, senhorita não identificada,
dr. João Luiz Silva Tony, prof. Álvaro Rubim de Pinho,
então presidente da ABP, prof. Fernando Megre Velloso
e prof. Lucas Monteiro Machado.




Em 1969, por inspiração de Paprocki, a equipe do HGV começou a planejar a realização do I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Era um evento jamais antes cogitado, em função das divisões internas da psiquiatria mineira. Todas as grandes figuras da psiquiatria do estado foram convidadas a participar. Houve considerável apoio de nossa comunidade psiquiátrica e, parte dela, atendeu aos convites. O congresso se deu entre 26 e 29 de junho de 1970, no Grande Hotel de Araxá. Tudo foi muito cuidadosamente planejado e preparado durante todo o ano que antecedeu ao evento. Dada a inexperiência de todos, foram enfrentadas inúmeras dificuldades, porém superadas. Este congresso foi um divisor de águas na psiquiatria mineira. Aglutinou um numeroso grupo de psiquiatras de Minas e de outros estados, em grande parte de São Paulo e do Rio de Janeiro. Compareceram profissionais do Nordeste e do Sul do País. Foi um sucesso. Fernando Megre Velloso foi seu presidente de honra. 

O Congresso teve as seguintes comissões de organização:

Comissão Organizadora
Presidente de honra: Dr. Fernando Megre Velloso
Presidente: Dr. José Raimundo da Silva Lippi
Vice-Presidente: Dr. Francisco Paes Barreto
Secretário: Dr. Antônio Carlos Corrêa
Tesoureiro: Dr. Marcos Otávio Gonçalves

              Comissão de Divulgação e Imprensa
Dra. Eunice Rangel
Dr. Paulo Saraiva
Dr. Mário Catão Guimarães
Dr. Javert Rodrigues
Dr. Antônio Leite Rangel 

                              Comissão Científica
Dr. Jorge Paprocki
Dr. Jarbas Moacir Portella
Dr. Sebastião Abrão Salim
Dr. Cézar Rodrigues Campos
Dra. Maria Auxiliadora de Souza Brasil

Comissão de Finanças
Dr. Marcos Otávio Gonçalves
Dr. Armando Leite Naves
Dr. Rodrigo Teixeira de Salles
Dr. João Luiz Silva Toni

Comissão de Recepção e Alojamento
Dra. Maria Muniz Passos
Dr. Vicente Santos Dias
Dr. Marco Aurélio Baggio
Dr. Arlindo Carlos Pimenta
Assistente Social, Srta. Izabel Izilda

O temário do Congresso, de acordo com as inquietações básicas da época, foi “O Hospital Psiquiátrico”. Tema candente, porém sem as conotações antinosocomiais dos anos que viriam a seguir. Foi organizado no esquema de grupos de discussão, onde os temas propostos eram debatidos e as conclusões apresentadas em relatório nas sessões plenárias. As preocupações da psiquiatria mineira, em fins da década de 1960, relacionavam-se ao papel dos diferentes profissionais numa equipe psiquiátrica. Havia diversos questionamentos, mas também a preocupação em acompanhar a evolução dos grandes centros mundiais da psiquiatria e sua adaptação à realidade mineira. Em 1970, o diretor do HGV era José Raimundo Lippi.

Temário do I Congresso Mineiro de Psiquiatria (Araxá, 26-29 de junho de 1970):

1-   Política Assistencial e o Hospital Psiquiátrico em Minas Gerais

1.1       O papel da Comunidade em relação ao hospital psiquiátrico.
1.2       O papel do hospital psiquiátrico em relação à Comunidade.
1.3       O papel do hospital de agudos no plano de assistência psiquiátrica                         pública.
1.4      O papel do hospital de crônicos no plano de assistência psiquiátrica                         pública.
1.5       O papel do hospital-dia-noite no plano de assistência psiquiátrica                           pública.
1.6       O papel do ambulatório no plano de assistência psiquiátrica pública.
1.7       O hospital de agudos como unidade de tratamento intensivo.
1.8       Organização do hospital psiquiátrico sob o ponto de vista técnico.
1.9       Organização do hospital psiquiátrico como fator terapêutico.
1.10     Critérios de avaliação de eficácia de um plano de assistência                              psiquiátrica.

2-   O Ensino e Pesquisa no Hospital Psiquiátrico em Minas Gerais

2.1   O hospital psiquiátrico como centro de ensino.
2.2   O papel do hospital psiquiátrico na formação de pessoal
        de nível superior.
2.3   O papel do hospital psiquiátrico na formação de pessoal
        de nível médio.
2.4  O papel do hospital psiquiátrico como centro de pesquisa.
2.5  Critérios de avaliação da eficácia de um plano de ensino e
        treinamento.

3-   Posição Atual de Terapêuticas no Hospital Psiquiátrico

3.1  Posição atual das terapêuticas biológicas no hospital
       psiquiátrico.
3.2  Posição atual das terapêuticas farmacológicas no hospital
       psiquiátrico.
3.3  Posição atual da psicoterapia individual no hospital
       psiquiátrico.
3.4  Posição atual da psicoterapia de grupo no hospital
       psiquiátrico.
3.5  Posição atual dos grupos operativos no hospital
       psiquiátrico.
3.6  Posição atual da praxiterapia no hospital psiquiátrico.
3.7  Posição atual da arteterapia no hospital psiquiátrico.
3.8  Posição atual da ambientoterapia no hospital psiquiátrico.

4- Definição de Papéis Dentro do Hospital Psiquiátrico em Minas Gerais
    4.1 O papel do psiquiatra em um hospital psiquiátrico.
    4.2 O papel do psicanalista em um hospital psiquiátrico.
    4.3 O papel do psicólogo em um hospital psiquiátrico.
    4.4 O papel do assistente-social em um hospital psiquiátrico.
    4.5 O papel da enfermeira em um hospital psiquiátrico.
    4.6 O papel do praxiterapeuta em um hospital psiquiátrico.
    4.7 O papel do administrador em um hospital psiquiátrico.
    4.8 O papel do estagiário em um hospital psiquiátrico.
    4.9 Conceituação e liderança de equipe psiquiátrica.



Como se pode observar pelo temário, as preocupações da psiquiatria brasileira, em fins da década de 1960, eram semelhantes às preocupações da psiquiatria mundial, em que o papel dos diferentes profissionais era frequentemente questionado. Havia a preocupação em acompanhar a evolução dos grandes centros mundiais da psiquiatria e sua adaptação à nossa realidade mineira. De certa forma, pode-se dizer que esses temas são questões, na maioria das vezes, ainda não resolvidas entre nós, passados 44 anos do evento que deu início a uma psiquiatria mineira mais consciente de seus objetivos, mais pertinaz na busca da realização de seus sonhos, mais transparente e com melhores definições do trabalho de cada um dentro de uma equipe multiprofissional psiquiátrica.



I Congresso Mineiro de Psiquiatria - Araxá, 26 a 29 de junho de 1970.
     Apresentação da conclusão de debates de comissão de temas 

específicos. Da esquerda para a direita: Vicente Santos Dias 
(fazendo a apresentação), Arlindo Pimenta, Antônio Carlos Corrêa, 
Prof. Clovis Salgado, Jorge PaprockI e José Raimundo Lippi.



I Congresso Mineiro de Psiquiatria: da esquerda para a direita: 
Rodrigo Teixeira de Salles (apresentando um relatório),
Antônio Carlos Corrêa, Fernando Megre Velloso, Joaquim Afonso Moretzsohn.

I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Da esquerda para a direita:
Wellington Armanelli, Ronaldo Simões Coelho, Antônio Carlos Corrêa,
prof. Osvaldo Moraes de Andrade (Tesoureiro da ABP - Rio de Janeiro).

I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Da esquerda para a direita:
prof. Walderedo Ismael de Oliveira (Rio de Janeiro), Eunice Rangel,
Antônio Carlos Corrêa, prof. Osvaldo Moraes de Andrade
(Tesoureiro da ABP).

I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Da esquerda para a direita:
prof. Sebastião Abrão Salim (UFMG), José Carlos Pires Amarante
(apresentando seu relatório), 
Antônio Carlos Corrêa, Fernando Megre Velloso,
Joaquim Afonso Moretzsohn.



I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Aspecto da platéia.
Ao fundo: José Caruso Madalena e prof. Osvaldo Moraes de Andrade
(Rio de Janeiro). 
Na segunda linha à direita: prof. Walderedo Ismael
de Oliveira (Rio de Janeiro) 
e Luiz Cerqueira (Rio de Janeiro). 
Ao fundo, de óculos escuros, José Caruso Madalena 
e Osvaldo Moraes de Andrade.


I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Grupo de trabalho.
Da esquerda para a direita: 
Antônio Leite Rangel, congressista
não identificado, idem, Antônio Carlos Corrêa

e Sebastião Abrão Salim.

I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Da esquerda para a direita:
Jarbas Moacir Portela, Mario Catão Guimarães, Flavio José de Lima Neves,
Francisco Paes Barreto, Antônio Carlos Corrêa, Fernando Megre Velloso,
Joaquim Afonso Moretzsohn, José Raimundo Lippi, Jorge Paprocki.



I Congresso Mineiro de Psiquiatria. Da esquerda para a direita:
prof. Wassili Chuc (Goiânia), Antônio Carlos Corrêa,
Fernando Megre Velloso, Joaquim Affonso Moretzsohn.



Uma das sessões do congresso. Da esquerda para a direita:
Francisco Paes Barreto, Mario Catão Guimarães, Cesar Rodrigues Campos,
Maria Muniz Passos (Lia), Antônio Carlos Corrêa, Fernando Megre Velloso,
Joaquim Afonso Moretzsohn, José Raimundo Lippi, Jorge Paprocki.


Entretanto, as divisões dentro da psiquiatria mineira persistiam. Em junho de 1971, o grupo do HGV, mais uma vez tendo Paprocki à frente, organizou o II Congresso Mineiro de Psiquiatria, no Hotel Glória, de Caxambu. Foi praticamente uma sequência do anterior, com uma temática muito próxima. Houve avanços na definição de papéis, no aprimoramento dos métodos de ensino da psiquiatria, no desenvolvimento de pesquisas clínicas e psicofarmacológicas, na interlocução com as especialidades a ela ligadas e o tema sempre presente: da equipe interdisciplinar. 




II Congresso Mineiro de Psiquiatria, Caxambu, 1971.
Sessão inaugural: da esquerda para a direita: prefeito de Caxambu,
Antônio Carlos Corrêa (secretário), Fernando Megre Velloso (presidente),
prof. Clóvis Martins (São Paulo, USP), prof. Nobre de Melo (UFRJ),
prof. Luiz Cerqueira (UFRJ).

Da esquerda para a direita: oficial da PMMG não identificado,
         prof. Nobre de Melo, prof. Clóvis Martins, Fernando Megre Velloso, 
            prof. Antônio Mariz de Oliveira (Fortaleza),

Antônio Carlos Corrêa, Sebastião Abrão Salim, 
José Raimundo Lippi.


Em 1968, havia sido criada pelo Governo Israel Pinheiro, a Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica (FEAP), baseada na Lei 4.953, de 25 de setembro de 1968 e, pelo Decreto 11.531, de 12 de dezembro de 1968.  Era Secretário de Saúde o prof. Clóvis Salgado da Gama (1906-1978), grande médico e político. Seu presidente foi Fernando Megre Velloso e o Superintendente Geral Jorge Paprocki. A FEAP congregava os cinco hospitais psiquiátricos do Estado (Instituto Raul Soares, Hospital Galba Velloso, Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, Hospital Colônia de Barbacena, Hospital Colônia de Oliveira e o Ambulatório Central). Todos eram encarregados de continuar prestando assistência psiquiátrica pública no Estado de Minas Gerais e de exercer atividades relativas à higiene mental, ao ensino e à pesquisa. Na ocasião, Eunice Rangel assumiu a direção do HGV. Essa decisão de se criar fundações decorreu das enormes dificuldades de administração simultânea de diferentes instituições estaduais de saúde, sem a centralização do gerenciamento. Isso implicava em enormes custos, pulverizados pelas diversas instituições. Objetivava-se, também, a melhor utilização dos recursos materiais e humanos já existentes. O sistema anterior passara a se tornar inviável financeiramente para o estado. Foram criadas diversas fundações no período, tanto na área médica quanto em outras áreas da administração estadual. Essas mudanças deram origem à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG).

Com a criação da FEAP, e com a experiência adquirida na década de 1960 no HGV, iniciou-se uma série de atividades que repercutiram nas atitudes e na situação dos hospitais em Minas Gerais. Dentre elas posso citar: a- racionalização de trabalho que procurou organizar os hospitais dentro de modernas técnicas de administração hospitalar; b- levantamento sócio-econômico de pacientes e familiares, numa tentativa de promover uma maior participação dos mesmos nos tratamentos; c- promoção de convênios com institutos de previdência, organismos para-estatais e prefeituras de municípios; d- convênios com hospitais de clínica, laboratórios e bancos de sangue, para que o paciente psiquiátrico pudesse ser recebido e tratado concomitantemente, quando fosse o caso; e- divulgação e sensibilização da comunidade, órgãos públicos e o meio médico psiquiátrico quanto à necessidade de tratamentos mais humanos e modernos; f- promoção do meio psiquiátrico no sentido de uma compreensão integral do paciente; g- foram envidados esforços para que cada hospital funcionasse dentro dos objetivos para os quais foi criado, ou seja, hospitais de agudos dando assistência a casos agudos, hospitais de crônicos a casos crônicos, etc.; h- foram criadas unidades de pensionistas em hospitais de agudos e reestruturação de unidades de pensionistas em hospitais de crônicos; i- foram criadas equipes multiprofissionais para o atendimento aos pacientes; j- foi dada grande ênfase ao ensino e à pesquisa. 

Pode-se ver que a FEAP, apesar de diversas falhas, se antecipou em quase uma década às proposições de humanização do tratamento psiquiátrico, incluiu técnicas modernas psicofarmacológicas, psicoterápicas, psicossociais e inclusivas de tratamentos psiquiátricos, reduziu o tempo de internamento dos pacientes, estimulou amplamente o estudo clínico, a pesquisa e a publicação de trabalhos científicos, estimulou o trabalho feito por equipes multiprofissionais, o que, mesmo com o corporativismo de certos grupos, chegou próximo a um trabalho de interdisciplinaridade, iniciou o processo de desospitalização e o encaminhamento dos pacientes psiquiátricos para ambulatórios e outras instituições sociais, com a sensibilização das famílias para acolhimento e continuação adequada dos tratamentos a domicílio. Se os resultados não foram melhores, é preciso que se leve em conta o contexto sócio-político de então, as dificuldades financeiras na promoção e incremento de métodos mais eficientes de tratamento, de métodos de gestão mais modernos na área de saúde, pois tudo era muito incipiente, de preparação mais refinada do staff clínico e administrativo e, não posso deixar de citar, das dificuldades quase insuperáveis provocadas pela competição, pelo ciúme e pelas políticas, não muito sagradas, de bastidores. Indiscutivelmente, o legado deixado pela experiência do HGV, particularmente pelo papel representado por Jorge Paprocki na abertura de novos horizontes para a psiquiatria mineira, foi, se não o maior fator de crescimento, um dos mais importantes desta especialidade, na história da psiquiatria mineira. Não é exagerar, ou fazer um discurso laudatório sem bases em evidências, mas posso afirmar, com segurança, que a psiquiatria mineira pode ser dividida em duas épocas: antes e depois de Jorge Paprocki.



Os anos difíceis


Em 1971, após três anos de existência, a FEAP estava em crise. As causas mais importantes baseiam-se em dificuldades de gestão na área de saúde, como já foi dito, uma área muito pouco desenvolvida em Minas Gerais até então. Na ocasião, a maioria dos membros da equipe do HGV, da década de 1960, já havia deixado o hospital. Muitos lançaram-se em novos projetos, alguns individualmente, outros em equipes, para atuação em diferentes instituições, onde havia a perspectiva de melhores oportunidades profissionais. Tal foi o caso da equipe do HGV que organizou o atendimento clínico do Hospital Espírita André Luiz, recém-inaugurado. Dela participaram: Marco Aurélio Baggio, César Rodrigues Campos, Francisco Paes Barreto e Arlindo Carlos Pimenta. Quanto à “turma do Galba”, ocorreu uma dispersão em massa, comparável a uma verdadeira diáspora.


Muitos deixaram o estado em busca de novas oportunidades. A maioria aqui permaneceu, formando pequenos grupos de atuação em equipes de distintos hospitais, clínicas particulares e nos consultórios. Dentre essas novas iniciativas, incluía-se, pela primeira vez no estado, o trabalho em uma clínica cujo enfoque era a teoria psiquiátrica pavloviana, a reflexologia, e dentro dos princípios da escola comportamental em psicologia. Seus membros eram: prof. Paulo Saraiva, José de Assis Corrêa, Delcir Antônio da Costa, Vicente Santos Dias e Antônio Carlos Corrêa. Em 1971, a residência de psiquiatria foi transferida para o Instituto Raul Soares (IRS), também da rede FHEMIG. 

Em novembro de 1970 foi fundada a Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), oriunda do antigo Departamento de Psiquiatria da Associação Médica de Minas Gerais. Dois meses após, em janeiro de 1971, ocorreu a primeira eleição para sua diretoria. A disputa foi acirrada.  No páreo estava César Rodrigues Campos, apoiado por boa parte da “turma do Galba” e, como adversário político, o prof. Paulo Saraiva, apoiado maciçamente pelos psiquiatras dos diversos hospitais e clínicas de Minas Gerais. Já havia uma disputa política pelo poder na entidade psiquiátrica máxima mineira, em função de seus diferentes enfoques teóricos e práticos. Nos hospitais e clínicas muitos não adotavam a psicanálise como sua prática profissional. Venceu, por ampla margem de votos, o prof. Paulo Saraiva. Iniciava-se aí o “racha” na psiquiatria mineira, aumentando as distâncias entre diferentes orientações teóricas e práticas. Tal cisma persiste, mais atenuado, até os tempos atuais.

Em fins de 1971, Jorge Paprocki deixou a direção da FEAP, num rompimento com Fernando Megre Velloso, até hoje não bem esclarecido. No ano seguinte, em 1972, Paprocki, já desligado de suas atividades médicas no serviço público, associou-se a Luis Bustamante e fundou o Grupo de Estudos de Psicofarmacologia Clínica, de longo e profícuo trabalho.

Pode-se identificar, no início de 1971, a grande divisão entre os psiquiatras mineiros. De um lado estavam aqueles que se mantinham dentro de uma linha clínica, em que a tônica dos tratamentos era a psicofarmacologia, as terapias biológicas, sem excluir as diversas técnicas psicoterápicas, que muito variavam de profissional para profissional. Esse grupo mantinha-se atento ao que surgia de mais atualizado no contexto internacional das pesquisas clínicas e farmacológicas em psiquiatria. Do outro lado, capitaneados por Francisco Paes Barreto, César Rodrigues Campos, Ronaldo Simões Coelho, Antônio Simone e outras lideranças psiquiátricas, jovens residentes, estudantes, psicólogos e profissionais das mais diversas áreas afins à psiquiatria, congregavam-se em torno das teorias antipsiquiátricas de Thomas Szasz, David Cooper, Ronald Laing, Silvano Arieti e Franco Basaglia. Esses movimentos se iniciaram nos Estados Unidos no fim da década de 1950, quando passaram a criticar abertamente a psiquiatria tradicional, com seus métodos de diagnóstico, tratamentos ambulatoriais e em hospitalização. A psiquiatria era comparada aos métodos medievais de tortura e coerção. O diagnóstico era considerado um rótulo artificial pespegado no paciente a fim de segregá-lo da sociedade, já que, na verdade, ele não era um doente mental, mas sim um dissidente, pessoa portadora de um pensamento, uma voz e um comportamento dissonantes, que não estava em conformidade com as normas sociais. O psiquiatra não passava de um herdeiro moderno dos velhos inquisidores dos tempos medievais. Nesta amálgama de teorias acrescentou-se a prática psicanalítica baseada nas teorias de Jacques Lacan. Tudo isso originou um misto de teorias sociais, psicológicas, psicanalíticas, antimanicomiais, antipsiquiátricas, com forte tempero ideológico e político-partidário.


Durante oito anos houve um relativo silêncio da psiquiatria mineira no intervalo entre o segundo e o terceiro congressos. Poucos foram os eventos aqui sediados, mas se manteve a quantidade e a qualidade das publicações científicas mineiras, em particular o elevado número de trabalhos publicados por Paprocki. Dos poucos eventos ocorridos em Minas no período, destaca-se o II Congresso Brasileiro de Psiquiatria, patrocinado pela ABP e presidido por Fernando Megre Velloso, ocorrido em Belo Horizonte, em 1972. Velloso foi presidente da ABP no período 1971-1973. Também foi presidente da Associação Médica Brasileira logo após deixar a ABP.

Entretanto, as dissenções entre os psiquiatras mineiros foram evoluindo e chegaram a um ponto decisivo quando, em 1979, ocorreu o III Congresso Mineiro de Psiquiatria. A residência de psiquiatria da antiga FEAP, agora FHEMIG, completara dez anos. Os preceptores, cuja formação ocorrera no HGV dos anos 60 e outros, oriundos de variadas instituições e com visões diferentes da psiquiatria, foram deixando a residência, descontentes com os rumos que a mesma vinha tomando. O congresso, preparado com bastante antecedência, esteve ancorado numa ampla campanha midiática contra os hospitais psiquiátricos e os métodos tradicionais da clínica psiquiátrica. Havia denúncias de todo tipo: a ECT foi escolhida como mote para a denúncia dos “bárbaros métodos medievais de tortura” de pacientes psiquiátricos. A psicofarmacoterapia estaria a serviço do grande capital estrangeiro, imposto pelas potências imperialistas hegemônicas a um país de Terceiro Mundo, como o Brasil, com o fito exclusivo do lucro exorbitante e o embrutecimento mental daqueles dissidentes sociais que faziam uso desses fármacos. O objetivo da psiquiatria tradicional seria a criação de autômatos que permitissem, mais facilmente, o domínio capitalista sobre os dissidentes. Propunham uma “psiquiatria democrática”. O congresso foi programado não somente para a participação de profissionais e estudantes da área de saúde, mas também para aqueles de áreas não médicas e ainda ao público em geral. Seria isso também uma forma de “democratizar o saber psiquiátrico”. Uma série de reportagens intitulada “Nos Porões da Loucura”, do jornalista Hiran Firmino, no diário “O Estado de Minas”, e um filme do cineasta Helvécio Ratton, intitulado “Em Nome da Razão”, contribuíram enormemente para preparar o terreno ideológico do congresso. Este teve a participação de duas das maiores estrelas de primeira grandeza do movimento antipsiquiátrico internacional, o italiano Franco Basaglia, e o francês Robert Castel, que deram grande notoriedade ao evento. Numa grande tirada de marketing, Basaglia foi filmado nos corredores do IRS, apontando para as portas de ferro de uma das enfermarias, e denunciando o local como sendo um grande centro de torturas, de desumanização, de encarceramento. O impacto junto ao grande público, como não poderia deixar de ser, foi enorme, dando origem a forte rejeição por parte da população à psiquiatria tradicional. Começava aí, também, a Luta Antimanicomial, movimento feroz de desospitalização, eivado de doutrinação político-partidária e ideológica.

Embalado pelos ventos soprados da década de 1960, e após esses acontecimentos , o governo do estado, através da Secretaria de Saúde e da direção geral da FHEMIG, iniciou um Projeto de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Pública. Começou no IRS, estendeu-se ao HGV, ao Centro Psicopedagógico (antigo Hospital de Neuropsiquiatria Infantil) e ao Hospital Colônia de Barbacena (HCB), que se tornaria Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB). Tais medidas, sem dúvida alguma, contribuíram para a humanização do atendimento aos pacientes, ao adotar uma política mais restrita de hospitalizações, menor tempo de permanência, o redirecionamento do modelo assistencial, melhora na abordagem e na assistência ao paciente. Quem conheceu o antigo HCB sabe das terríveis condições de vida a que eram submetidos os pacientes. Muitas vezes nus, mal alimentados, andando a esmo pelos pátios, sem receber medicamentos adequados e sem qualquer outra forma de assistência psiquiátrica, marcava a todos, indelevelmente, com sua imagem dantesca. Qualquer semelhança com um campo de concentração nazista ou comunista não é mera coincidência. Contudo, é importante se ressaltar que, muito antes do surgimento dos movimentos antimanicomiais e das lutas da antipsiquiatria, já havia uma tendência mundial progressiva no sentido de reduzir os internamentos hospitalares, dada à revolução nos tratamentos psiquiátricos com o progresso da psicofarmacologia, dos métodos psicoterápicos, socioterápicos e das neurociências que engatinhavam. Com a introdução da clorpromazina no tratamento de distúrbios mentais, em 1952, houve uma verdadeira revolução na medicina. O movimento de humanização da psiquiatria mineira, no sentido de acabar com os antigos manicômios e transforma-los em hospitais, fazendo com que o tratamento dos pacientes ocorresse em bases médicas e humanitárias, já ocorria desde a década de 1960 e se acelerou após os eventos de 1979. As estatísticas da Organização Mundial de Saúde apontavam para uma progressiva queda nas hospitalizações, queda esta que continua até os dias atuais, com a utilização de medicamentos de última geração. Assim, se a luta antimanicomial representou papel positivo nessa humanização do atendimento ao paciente psiquiátrico, deve-se reconhecer o decisivo papel representado pelos avanços sociais e da ciência.

A redução do número de leitos hospitalares psiquiátricos se, por um lado, revelou a faceta positiva do avanço da medicina e das intervenções psicossociais, também revelou seu lado negativo ao expor uma profunda lacuna no atendimento à população, quando não foi mais disponibilizado aos pacientes locais adequados para o tratamento com mais segurança e eficácia. A redução dos leitos e a humanização psiquiátrica foram conquistas que poderiam ter sido realizadas sem o alarde antipsiquiátrico, com motivação claramente político-partidária, que caracterizou o fim da década de 1970 e toda a década de 1980, o que prejudicou visivelmente o trabalho sério de muitos profissionais e equipes multidisciplinares.

Apesar dos percalços, houve grandes manifestações científicas e culturais entre nós, algumas de vulto. Para suprir a carência na promoção de eventos com temática mais científica e atualizada, os diversos hospitais psiquiátricos, através de seus Centros de Estudos, promoviam periodicamente palestras, conferências, mesas redondas, painéis e debates sobre os mais variados temas das áreas da psiquiatria, neurologia, psicologia e afins. É de se ressaltar a atuação do Centro de Estudos Cícero Ferreira, da Casa de Saúde Santa Clara, um dos mais importantes e atuantes do período. Os eventos foram inúmeros e estiveram à frente de tais atividades científico-culturais Hélio Tavares Filho e Sylvio Magalhães Velloso. Havia ali um caldeirão de cultura em ebulição.

Não ficava atrás também o Centro de Estudos Austregésilo de Mendonça, da Casa de Saúde Santa Maria, onde, da mesma forma, os eventos científico-culturais eram quase quinzenais. Aí pontificavam os prof. Clóvis de Faria Alvim e Paulo Saraiva, figuras honoráveis da psiquiatria mineira. O prof. Austregésilo de Mendonça reunia em torno de si personalidades ilustres, que faziam apresentações sempre relevantes. A ciência não permaneceu morta nesses anos difíceis entre nós.

Merece uma referência especial o Departamento de Neurologia e Psiquiatria da FMUFMG. Fundada em 1911, a Faculdade de Medicina teve, durante toda a primeira metade do século XX, uma destacada atuação no mundo científico psiquiátrico de Minas Gerais e participou ativamente na elaboração de suas políticas públicas de saúde mental. Era um centro de referência no ensino e pesquisa da neuropsiquiatria clássica (organicista) de orientação franco-germânica. Não focarei neste período que foge ao escopo deste nosso trabalho. A partir de 1963, seu coordenador era o prof. Hélio Durães Alkmim, que deixara a direção do Hospital Galba Velloso para assumir este cargo na Faculdade de Medicina. Ele completara sua especialização em neurologia e psiquiatria na Northwestern University, em Chicago, EUA, entre 1953 e 1958. Foi íntimo colaborador de Helena Antipoff, na Fazenda do Rosário, Ibirité, onde se destacou pelas suas excepcionais habilidades de educador e médico voltado para as questões psicológicas e sociais das crianças excepcionais. Trabalhara também na 3ª. enfermaria do Instituto Raul Soares. Participou, em 1959, da fundação da Clínica Nossa Senhora de Lourdes, quando ofereceu atendimento psiquiátrico “opendoor”, antecipando-se a Jorge Paprocki, no Hospital Galba Velloso, em 4 anos. Conheci o prof. Hélio Alkmin, em 1964, quando, ainda calouro na Faculdade de Medicina, eu e alguns colegas de turma já havíamos nos decidido pela psiquiatria como especialidade médica. Assistíamos às aulas do 5º. ano como “intrusos”, no 7º. Andar do Hospital das Clínicas. Uma dessas aulas tornou-se memorável, entrando para os anais do HC-UFMG, quando ele surpreendeu a todos, inclusive seus colegas de magistério, que de nada sabiam, com a encenação de um verdadeiro psicodrama, ao convidar o prof. Jairo Bernardes, recém-chegado de uma pós-graduação nos Estados Unidos, para ministrar uma aula sobre ansiedade no tempo predeterminado de 10 minutos. Não é preciso imaginar muito para se perceber que, em 10 minutos, é impossível alguém dar uma aula minimamente razoável sobre ansiedade. A emoção ansiosa gerada em todos pelos atropelos verbais do professor, falando português com sotaque norte-americano, vestindo-se à americana, cabelo à escovinha segundo a moda americana, obrigado a falar numa rapidez tal e usando de uma síntese constrangedora, que a temperatura subiu na plateia, gerando discussões acaloradas ao seu término. Alkmin havia combinado, antes da aula, com um determinado grupo de alunos, não importa o que o professor Jairo dissesse, que o grupo iria criticá-lo de forma incisiva. Com outro grupo de alunos ele fez o mesmo, só que esse grupo iria defender as idéias e a aula do professor, custe o que custasse. Nenhum grupo sabia da existência do outro. Havia um terceiro grupo, o da turma pacificadora. No auge da ebulição das discussões entre os diversos grupos, com debates que quase deslisavam para o embate físico, estando o nível de adrenalina elevadíssimo (as freiras que administravam o HC saíram da sala neste momento, pois não aguentaram o nível do estresse criado) é que o prof. Alkmin tomou da palavra. Relatou, então, uma experiência real e ao vivo do que é a ansiedade, experimentada por todos e aprendida na prática. Explicou também que a ansiedade fora aprendida por todos sob a forma de psicodrama. Foi um alívio geral e, entre risos e aplausos, tudo acabou bem. Hélio Alkmim, além de certa mística pessoal que o acompanhava, cercava-se de excelentes professores-assistentes, dentre os quais posso assinalar o já citado Jairo Bernardes, falecido precocemente de acidente automobilístico poucos anos depois, Sebastião Abrão Salim, Evandro Negrão de Lima e José Carlos Câmara. A tônica da disciplina de psiquiatria da FMUFMG era uma psiquiatria dinâmica, baseada em conceitos da escola culturalista norte-americana, predominante nas décadas de 1950/60, com forte influência da psicanálise, particularmente de Harry Stack Sulivan, Karen Horney, Erich Fromm, Clara Thompson, Frieda Fromm-Reichman e ainda da antropologia cultural de Margaret Mead, Ruth Benedict e do renomado neuropsiquiatra Willian Allanson White. Parte dessa equipe permaneceu no departamento até meados da década de 1980.

 Além de mencionar a atuação de entidades e hospitais mineiros, cumpre destacar a atuação de alguns profissionais durante este período. Dentre eles, cito o trabalho ingente e profícuo do prof. José Raimundo da Silva Lippi, desde a década de 1970 até a os dias de hoje. Ao lado de José Carlos Pires Amarante, falecido precocemente em 1970, de acidente automobilístico, Lippi foi um dos fundadores da psiquiatria infantil em Minas Gerais. Destacou-se tanto em nosso estado como em todo o Brasil. Foi um dos organizadores e um dos primeiros presidentes da Associação Brasileira de Neuro-Psiquiatria Infantil (ABENEPI). Foi diretor do Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil e contribuiu na formação e organização de diversas entidades e instituições psiquiátricas voltadas para o atendimento da infância e adolescência. Até o presente momento, tem Lippi formado sucessivas gerações de psiquiatras da infância e adolescência, todos de grande competência profissional e ilibada conduta ética. Dentre eles, deve-se ressaltar os seguintes: Lélio Marcio Dias, José Carlos Luz Martins, Marcia Veiga Lima, Maria Goretti Penna Lamounier, Walter Camargos, Marcio Candiani e outros. Lippi é merecedor de toda a consideração e o respeito de seus pares.

A partir do final da década de 1970, observou-se uma tendência, entre os profissionais mais experientes e talentosos, a adoção de uma prática clínica e psicoterápica mais eclética, não subserviente aos parâmetros rígidos das escolas e teorias, onde a personalidade, a boa formação teórica e prática do terapeuta, sua experiência e bom senso, lhes permitiam realizar um trabalho proficiente e respeitado.


Um desses nomes foi indiscutivelmente o de Nasser Zacharias Alves. Graduado em medicina pela FMUFMG, em 1963, possuidor de vasta cultura médica e geral, falando fluentemente o alemão, Nasser manteve contatos na Alemanha, para onde logo se mudou. Doutorou-se em medicina na Universidade de Heidelberg e também em neurociências e comportamento nas Universidades de Lausanne e Basiléia, na Suíça. Tornou-se amigo de Kurt Schneider, com quem mantinha permanente correspondência, quando voltou ao Brasil. Em Belo Horizonte manteve, durante anos, seu consultório particular bastante concorrido, por sinal. Profundo conhecedor das obras da fenomenologia alemã de Kurt Schneider e Karl Jaspers, do suíço Jacob Wyrsch e do espanhol Juan José López Ibor, ele era também psicoterapeuta eclético, quando utilizava técnicas e teorias que julgava úteis para cada paciente. Não era seguidor de nenhuma escola em particular, mas se baseava nos conceitos médicos até então conhecidos, aliados aos seus conhecimentos das distintas técnicas psicoterápicas então utilizadas. Como fosse profundamente católico, tinha também laços intelectuais e espirituais com o filósofo, teólogo e padre ítalo-germânico Romano Guardini (1885-1968), de grande influência nos meios cristãos e intelectuais de então. Nasser Zacharias Alves influenciou um grande número de psiquiatras mineiros, até hoje atuantes em clínicas e instituições de nosso estado. Faleceu ele, precocemente, aos 47 anos, em 1986, em Campinas, para onde se mudara, após mais uma estada na Alemanha.

Teve grande notoriedade na psiquiatria de Belo Horizonte, no final da década de 1960 e na de 1970, o prof. Santiago Americano Freire, professor titular de farmacologia e terapêutica experimental na FMUFMG. Muito interessado pelo estudo da mente, Santiago teve consultório particular com vasta clientela em Belo Horizonte. Muito interessado por artes, e também um estudioso no tema, escreveu um livro sobre a filosofia matemática nas pinturas de Leonardo da Vinci, obra de rara beleza estética. Publicou também alguns livros na área psiquiátrica ressaltando-se uma técnica própria de enfoque à psicoterapia, intitulado Neurosanálise, impresso em 1977.


Outra experiência marcante do período foi a da Clínica Boa Esperança, em Belo Horizonte, dirigida por Armando Leite Naves e voltada para a “psiquiatria alternativa”. Além dos tratamentos psiquiátricos tradicionais, a clínica utilizava, com frequência, de métodos de hipnose e dos “sensitivos”, isto é, de pessoas com poderes ditos paranormais e extrassensoriais, para o alívio dos sintomas dos pacientes. Entre os profissionais que ali trabalharam estão: Neide Garcia de Lima, Luiz Augusto Ribeiro e Paulo de Lima Garcia.

Galeno Procópio Alvarenga, professor de Psicologia Médica na FMUFMG, também foi um profissional de grande respeito e cultura. Polemista, gostava de encarar uma boa discussão sobre temas psiquiátricos, médicos, psicológicos e de áreas afins.



Psiquiatria e psicanálise

Não se pode descrever a história da psiquiatria em Minas Gerais sem um levantamento histórico da relação entre a psiquiatria e a psicanálise entre nós. Um dos pioneiros da psicanálise em Minas é Sebastião Abrão Salim. Logo após se graduar em medicina pela UFMG, em 1963, e se tornar professor no Departamento de Psiquiatria e Neurologia da FMUFMG, no ano seguinte Salim interessou-se em fazer sua análise pessoal, segundo o modelo da IPA (International Psychoanalytic Society), de orientação freudiana e herdeira da sociedade fundada por Freud e vários de seus discípulos, em 1910. Não encontrando em Minas Gerais profissionais qualificados para a prática deste modelo psicanalítico, Salim submeteu-se a análise com psicanalistas do Rio de Janeiro e São Paulo durante anos, ao mesmo tempo em que ministrava aulas de psicoterapia analítica no Departamento de Neurologia e Psiquiatria da FMUFMG. Completou sua formação como psicanalista, pela Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, em 1989, quando se tornou membro associado da mesma. Trabalhou muito para criar em Minas um núcleo de estudos psicanalíticos, já que não havia suficientes profissionais para a criação de uma sociedade psicanalítica. Após trinta anos de trabalho ingente, Salim e um grupo de psicanalistas, dentre os quais se destacam os psiquiatras Sergio Khedy e Flávio José de Lima Neves, conseguiram oficializar o Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte, sob a coordenação da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, filiada à IPA, em 1993. Alguns anos mais tarde, em 2008, o grupo foi admitido como “Study Group” da IPA, com a denominação de Grupo de Estudos Psicanalíticos de Minas Gerais (GEPMG), com a supervisão direta da entidade internacional. Este dinâmico grupo permanece atuante e se mantem publicando trabalhos sobre psicanálise e envolvido na formação de novos membros.

   Outra importante vertente da psicanálise, com profundas ramificações na psiquiatria, originou-se, em 1963, com a vinda para Belo Horizonte de Malomar Lund Edelweiss, sacerdote e profundo interessado por psicanálise. Este viera de Pelotas, onde havia sido diretor da Faculdade de Filosofia, quando fundou o Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP), em 1956. Malomar havia se submetido a análise com Igor Caruso, em Viena, na primeira metade da década de 1950. Igor Caruso era um italiano que emigrara para a Rússia e, depois, para Viena, Áustria, antes da II Guerra Mundial, onde havia se submetido a análise com August Aichhorn, em 1943. Este era um discípulo e próximo de Freud. Malomar, no período de 1944/45, também havia se submetido a análise com Viktor von Gebsattel, importante nome da psiquiatria e psicanálise alemãs, expoente da fenomenologia genético-estrutural. Gebsattel, por sua vez, havia sido analisado por Paul Federn, da primeira geração de psicanalistas surgida com Freud. A convite de Malomar, Igor Caruso veio diversas vezes ao Brasil, contribuindo para a expansão de sua orientação teórica em nosso País.

Igor Caruso, além de prolífico escritor, desenvolveu um conceito teórico eclético no qual procurava conciliar a psicanálise com outras correntes do pensamento e com a religião cristã. Fundou uma sociedade psicanalítica em Viena, dissidente da IPA, que abrigava pessoas de variadas orientações como a psicologia analítica e existencial, psicologia genética, etologia, antropologia, filosofia e outras áreas, que compunham um todo eclético variado. Mais tarde, aproximou-se das teorias de autores da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, Fromm, Marcuse, Ernest Bloch, Norman Brown, Sartre). Também fez uma ponte entre Sigmund Freud e as ideias de Marx, Engels, Lukács, Reich, Gabel, Gorz e outros marxistas, aproximando-se, assim, do materialismo dialético e se distanciando da religião cristã. A sociedade criada por ele em Viena recebeu o nome de Círculo Vienense de Psicologia Profunda. Quando Malomar fundou sua primeira sociedade psicanalítica no Brasil, em Belo Horizonte, ela recebeu o nome de Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, com a colaboração de seus analisandos. Posteriormente, este grupo se filiou à Sociedade Brasileira de Psicologia Profunda. Em 1966, foi criada a Federação Internacional de Círculos de Psicologia Profunda. Em 1970, o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda passou a se chamar Círculo Brasileiro de Psicanálise, com filiadas em diversos estados, incluindo o Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.

Inicialmente, os psiquiatras mineiros opuseram grande resistência ao trabalho de Malomar Lund Edelweiss em Belo Horizonte. Isso em decorrência do fato de não ser o Círculo de Psicologia Profunda filiado à IPA. Esta sempre fora uma entidade extremamente rígida, que mantinha suas orientações freudianas dentro de princípiosrigorosos. Com o passar do tempo, diversos psiquiatras e médicos de outras especialidades se interessaram em submeter-se à análise pessoal e, mais tarde, fazer formação em psicanálise. O primeiro grupo em formação era composto por: Djalma Teixeira de Oliveira, Jarbas Moacir Portela, Elba Duque, Eunice Rangel, Célio Garcia, Antônio Ribeiro, Elias Hadad e Jorge Paprocki. O Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, posteriormente Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, teve uma atividade paralela com a do Hospital Galba Velloso. Jorge Paprocki, sendo um dos analisandos em formação com Malomar, foi um dos que mais incentivava o grupo do hospital a fazer sua formação psicanalítica. Em sucessivos períodos, novas turmas de analisandos foram se incorporando à instituição, englobando algumas gerações de psicanalistas mineiros. Em seus 51 anos de vida, conta o Círculo hoje com um enorme grupo de afiliados que torna a instituição uma das mais tradicionais e respeitadas no Estado.

Entretanto, no início da década de 1970, a estrutura burocrática do Círculo foi se aproximando daquela do IPA, na qual somente os analistas didatas poderiam se candidatar ao cargo de presidente e submeter candidatos às sessões de análises formais. Os sócios estavam insatisfeitos com a concentração de poderes nas mãos de Malomar e do grupo próximo de analistas didatas, todos pertencentes ao primeiro grupo formado, já citado acima. A esta altura o Círculo já contava com um considerável número de profissionais afiliados, psiquiatras e psicólogos. Havia uma clara demanda por democratização das decisões e mudança das normas para que temas não diretamente ligados à teoria freudiana pudessem ser apresentados e debatidos, e para que as eleições para cargos da diretoria incluíssem não-didatas. Essas reivindicações somente foram concretizadas na década de 1980, quando o poder de Malomar e dos membros didatas foi distribuído de forma mais democrática. Coincidia esse período com a redemocratização do País, que encerrava gradativamente um longo período de ditadura militar e ausência de liberdades democráticas nas instituições brasileiras. Desde essa época, o Círculo não exige mais das pessoas interessadas em se submeter a sua análise pessoal, e ter sua formação psicanalítica, que sejam psiquiatras ou psicólogos. Diversos profissionais da área de saúde, humanas ou outras, puderam, assim, ser admitidos para análise e, caso cumprissem as metas exigidas, assumir o título de psicanalistas.

Mais ou menos por essa época, outra dissidência surgiu no seio do Círculo, desta vez em decorrência das idéias de Jacques Lacan que passaram a contar com um número considerável de adeptos. Houve uma releitura das teses freudianas segundo o diapasão da linguística de Saussure, de Jakobson e Benveniste, da antropologia estrutural, de Lévi-Strauss. Ocorreu um verdadeiro cataclisma nas hostes psicanalíticas e psiquiátricas em Minas Gerais. Seu mentor, inicialmente, foi Célio Garcia, psicólogo, professor da UFMG, que havia tido contato antes com Lacan, em Paris. Logo foi seguido pelos psiquiatras Francisco Paes Barreto, Celso Rennó de Lima, Antônio Aureo Benetti e muitos outros. O espaço teórico do Círculo era pequeno para agrupar a todos. O rompimento foi inevitável. Surgiram grupos como Escola do Campo Freudiano, Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais, Aleph, Campo Lacaniano e outros. Todos permanecem atuantes, notadamente com a promoção de fóruns de debates, cursos e atividades de ensino.
    
Uma vertente importante da psicanálise em Minas Gerais é a da escola de Carl Gustav Jung. Discípulo da primeira geração de Freud, Jung tem deixado traço marcante na psiquiatria mineira. Um dos expoentes seguidores desta escola, há mais de 40 anos, é o psiquiatra José James de Castro Barros. Sua dedicação à prática da análise junguiana e formação de terapeutas da psicologia analítica é bem conhecida por todos. É membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e membro da International Society for Analytical Psychology. Na década de 1970, o psiquiatra Carlos Alberto Corrêa Salles morou por vários anos na Suíça onde fez sua análise pessoal e formação analítica no Carl Gustav Jung-Institut Zürich. Ao retornar ao Brasil, na década de 1980, já como analista didata, foi o fundador do Instituto C.G. Jung de Minas Gerais, tendo sido também um dos fundadores da Associação Junguiana do Brasil, reconhecida pela Associação Internacional. É autor de diversos livros de importância na área e co-autor de outros tantos. O psiquiatra Alberto André Delpino de Mendonça é também analista didata junguiano bastante atuante em Belo Horizonte.

Finalmente, uma das importantes vertentes da psicanálise em Minas Gerais foi introduzida por Marcio Vasconcelos Pinheiro, em 1974. Ele fazia clínica médica em Baltimore, Maryland, Estados Unidos, onde residia desde 1959, quando decidiu abraçar a especialidade da psiquiatria. Recebeu supervisão do prof. Eugene Brody durante seu período de residência no Instituto de Psiquiatria da Universidade de Maryland. Na ocasião, defrontou-se com uma psiquiatria fortemente influenciada pela psicanálise de orientação culturalista, dentro da linha de Harry Stack Sulivan e Frieda-Fromm Reichmann, como visto anteriormente. Trabalhou por 13 anos em hospitais psiquiátricos, clínicas particulares e consultório, atendendo a todos os tipos de pacientes psiquiátricos. Os pacientes, incluindo os psicóticos, recebiam atendimento psicanalítico clássico, submetendo-se a várias sessões de análise por semana, dentro de um ambiente de comunidade terapêutica, além de técnicas de socioterapia, ambientoterapia, grupoterapia, como de praxe na época. A psicofarmacologia era praticamente ignorada e considerada uma “evidência de psicoterapia não bem feita”. Nas palavras do próprio Marcio Pinheiro, “acreditava-se que, para fazer psicoterapia com esquizofrênicos, por exemplo, os melhores terapeutas eram os que estavam próximos à desordem, com uma sensibilidade especial, de preferência uma esquizoidia criativa”. Essa orientação perdurou por vários anos, quando, em determinada ocasião, após tratar uma paciente esquizofrênica por quase um ano, sem resultados, ele repassou o caso para um colega que imediatamente prescreveu Stelazine. A melhora da paciente foi rápida e surpreendente. Marcio Pinheiro percebeu, na ocasião, que a psiquiatria americana passava por fortes mudanças. Da influência psicodinâmica ela abraçava abertamente uma psiquiatria cada vez mais biológica, com um aumento considerável na prescrição de psicofármacos. Quando voltou para Belo Horizonte, em 1974, Marcio Pinheiro, associado a alguns colegas, fundaram o Centro Psicoterapêutico, no bairro do Carmo,instituição modelada pela psiquiatria psicodinâmica norte-americana. Havia uma unidade de internamento e um hospital-dia. O sucesso de seu trabalho foi imediato e uma leva de sucessivos estagiários por lá passou, recebendo sua influência teórica e prática. Ao mesmo tempo, ele observava que em Minas Gerais ocorria o contrário dos Estados Unidos: enquanto lá a psicanálise reduzia, cada vez mais, sua influência sobre a psiquiatria, aqui ocorria justamente o contrário.  Observou que a velha neuropsiquiatria, de base marcadamente biológica, que ele conhecera antes de se mudar para a América do Norte, sofrera um forte refluxo dando amplo espaço para a influência psicanalítica. Só muito mais tarde, constatou ele, a psiquiatria em Minas Gerais começou uma lenta e progressiva marcha em uma direção mais biológica, já influenciada pelas neurociências. Marcio de Vasconcelos Pinheiro marcou época em nossa psiquiatria deixando um exemplo de trabalho que foi seguido por vários de seus discípulos, entre eles Zuleide Abijaodi e Hélio Lauar de Barros que, mais tarde, fundaram a Central Psíquica, uma unidade de atendimento nos moldes que ele trouxera dos Estados Unidos.

A era das neurociências

A influência das neurociências sobre a psiquiatria mineira tardou mas aconteceu. Suas primeiras manifestações em Minas Gerais datam do fim da década de 1970. Alguns profissionais já utilizavam em suas práticas clínicas conhecimentos advindos da neurofisiologia que se desenvolvera muito nas décadas de 1960/70. No início da década de 1980, surgiu e começou a ser divulgada no Brasil a psiquiatria biológica, decorrente dos avanços da neurofisiologia, da neuroquímica e da neuroanatomia das décadas anteriores. Delcir Antônio da Costa, associado a psiquiatras mineiros, como João Eduardo Vilela, Vicente Santos Dias, Ronan Rego, Lúcio Rezende Alves, também em associação a psiquiatras de outros estados, fundou a Associação Brasileira de Psiquiatria Biológica, em 1983, no modelo da Federação Internacional de Psiquiatria Biológica, que havia sido criada durante congresso internacional, em Buenos Aires, em 1974. Desde então, passaram a promover encontros e congressos nos quais a temática biológica era a tônica. Pouco depois, iniciaram a publicação da Revista Brasileira de Psiquiatria Biológica, que contribuiu sobremaneira para a divulgação desta orientação psiquiátrica no Brasil.

Com o avanço progressivo das neurociências no mundo desenvolvido, uma área científica ainda pouco conhecida e divulgada em Minas Gerais, uma nova geração de psiquiatras, surgida nas décadas de 1970 e 1980, se destacou ao injetar sangue novo no ambiente psiquiátrico. Alguns dos mais significativos são: Maurício Viotti Daker, Dirceu Campos Valadares, Almir Tavares, Fábio Lopes Rocha, Juarez de Oliveira Castro, Gustavo Julião de Souza, Humberto Campolina, Sérvulo Duarte, Salvio Penna, Mercedes Jurema Alves, Fábio Munhoz, Ronan Rego, Samir Melki, Maria Goretti Lamounier, Maria Cristina Palhares, Claudio e Lucas Moretzsohn, Gislene Valadares, Maurício Leão de Resende, Carlice Moreira, Alan Passos, Adilson Cabral, Maria Arlete Andrade, Domingos Savio Guerra e muitos outros. Todos mantiveram acesa a chama do conhecimento científico na psiquiatria. Fábio Lopes Rocha teve uma esmerada formação em psiquiatria e psicopatologia, além de desenvolver pesquisas em psicofarmacologia com Jorge Paprocki e logo se tornaria uma das estrelas mais fulgurantes de nosso universo mineiro. Tornou-se também figura importante na psiquiatria brasileira.


No início da década de 1990, o DNP-FMUFMG, sob a coordenação de Maurício Viotti Daker, criou uma das mais importantes e duradouras promoções científicas em Minas, os Sábados de Formação Continuada. Os palestrantes convidados eram luminares da psiquiatria nacional. Começou, então, a ser introduzido entre nós o conceito de "medicina baseada em evidências", hoje um dos pilares da medicina contemporânea e, como consequência, da psiquiatria.

    Nas décadas de 1990/2000 também integraram o corpo docente do Departamento: José Lorenzato de Mendonça, Juarez de Oliveira Castro, Mario Villefort de Bessa, Maurício Viotti Daker, Almir Tavares Júnior, José Carlos Cavalheiro da Silveira, Eduardo Antônio de Queiroz e Betty Liseta de Castro Pires.

A partir da primeira década do século XXI, este Departamento foi sendo renovado. Atualmente, é denominado de Departamento de Saúde Mental da FMUFMG. Seu corpo docente é composto pelos seguintes professores: Marco Aurélio Romano-Silva (titular), Maurício Viotti Daker, José Carlos Cavalheiro da Silveira, Almir Ribeiro Tavares Júnior, Humberto Corrêa da Silva Filho, Tatiana Tcherbakovsky Lourenço, Rodrigo Nicolato, Cíntia Satiko Fuzikawa, Breno Satler de Oliveira Diniz, Arthur Melo e Kummer, Fernando Silva Neves, Frederico Duarte Garcia, Maila de Castro Lourenço das Neves e Leandro Fernandes Malloy-Diniz. A orientação predominante no Departamento é da medicina baseada em evidências e nas neurociências cognitivas.

Por volta de 1989, os psiquiatras de orientação clínico-científica, quando as neurociências estavam já em pleno voo de desenvolvimento, sem espaço para se aglutinar e se manifestar em torno de uma associação que os representasse, já que a Associação Mineira de Psiquiatria, estava impregnada de manifestações ideológicas e partidárias, decidiram criar uma nova entidade. Depois de inúmeros encontros e debates, foi criada a Sociedade de Psiquiatria do Estado de Minas Gerais (SPEMGE), cujo primeiro presidente foi Sylvio Magalhães Velloso. Esta entidade teve uma vida curta, porém intensa e produtiva. Dentre alguns de seus eventos mais marcantes destacou-se a promoção da vinda a Belo Horizonte do prof. Francisco Alonso-Fernandez para dar um curso sobre depressão. Aceito o convite, o prof. Alonso-Fernandez, um mito na história da psiquiatria mundial, nos brindou com três dias de brilho e ciência humanística, com seu saber universalista e enciclopédico. Foi uma convivência riquíssima para todos que, tiveram o privilégio de compartilhar de algumas horas com esse luminar, situado no panteão da glória da psiquiatria universal.  Deixou-nos o original de uma de suas obras: La Depresión y su Diagnóstico – Nuevo modelo clínico, da Editorial Labor S.A., de Barcelona, publicado em 1988.

Outro evento marcante, promovido pela SPEMGE, foi o I Simpósio Brasileiro sobre Personalidade, ocorrido no Instituto Hilton Rocha, em 1989. Organizado por Dirceu de Campos Valadares Neto, com a participação ativa de Maurício Viotti Daker, este foi também um evento de cunho internacional, quando compareceu o mundialmente renomado cientista norte-americano, especializado no estudo sobre a personalidade, Robert Cloninger. Sua estada foi muito rica e o simpósio um retumbante sucesso. Tanto que, pouco depois, Dirceu Valadares organizou um livro, com a participação de diversos colaboradores ilustres, intitulado As Várias Faces da Personalidade, pela Libru Editora, em 1991. A obra fez tanto sucesso que teve sua edição rapidamente esgotada.

Nas décadas de 1980 e 1990 e na primeira do século XXI, diversos psiquiatras mineiros tiveram trabalhos seus publicados em revistas científicas nacionais e internacionais, enriquecendo nossa psiquiatria com resultados de pesquisas de grande importância clínica. A bibliografia é extensa e os interessados podem consultar o site sobre este tema do psiquiatra Walmor J. Piccinini, que participou da equipe do HGV, no fim dos anos 60. Destacam-se os trabalhos de Jorge Paprocki, Fábio Lopes Rocha, José Raimundo da Silva Lippi, Joaquim Affonso Moretzsohn, Sylvio Magalhães Velloso, Almir Tavares, Uriel Heckert, Antônio Carlos de Oliveira Corrêa, Luiz Carlos Calil, Marco Aurélio Baggio, Hilbene Galizzi, Delcir Antônio da Costa, Marcio Pinheiro, André Stroppa, Fernando Madalena Volpe, Antônio Lúcio Teixeira Jr., Humberto Corrêa, Maurício Viotti Daker, Rodrigo Nicolato e tantos outros que citá-los tornaria este texto extremamente enfadonho. É uma prova evidente de que, apesar de tudo, a psiquiatria mineira nunca faltou com seu dever, mantendo-se em plena atividade e dentro da tradição de ser uma das mais importantes do País.


Dirceu Valadares, após estudos na Califórnia, no início da década de 1990, foi um dos pioneiros da medicina do sono em Belo Horizonte, um acontecimento marcante numa época em que a polissonografia somente era utilizada em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. As neuroimagens foram introduzidas em Minas no mesmo período, por diferentes grupos de médicos, como a Ressonância Nuclear Magnética, a Tomografia por Emissão de Fóton Único, também conhecido como Cintilografia Cerebral ou SPECT, o Eletroencefalograma Computadorizado, conhecido como Mapeamento Cerebral. Em 2011, foi introduzida a Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET-CT) em Belo Horizonte. Inicialmente, no Instituto Nacional em Ciência e Tecnologia (INCT) de Medicina Molecular da UFMG, com benefício direto de pacientes em tratamento e nas pesquisas efetuadas no HC-UFMG. Destacam-se em pesquisas nessa área Marco Aurélio Romano-Silva, Fernando Madalena Volpe, Humberto Corrêa e Rodrigo Nicolato. Posteriormente, esta extraordinária técnica foi introduzida em serviços particulares da Capital. A neuropsicologia começou a ser estudada, ensinada e aplicada à prática clínica a partir do ano de 2000. As pesquisas adotaram o método das entrevistas estruturadas e semi-estruturadas, os estudos passaram a adotar o método duplo-cego e tratamento dos dados por métodos estatísticos sofisticados, utilizando recursos da informática, começaram estudos longitudinais e de metanálise, estudos de campo mais apurados. Todas essas técnicas trouxeram enormes subsídios para uma melhor prática psiquiátrica e para investigações.

Desde o início da década de 1990, tem sido publicado regularmente o Jornal Mineiro de Psiquiatria, organizado e dirigido por Humberto Campolina. Inicialmente suas tiragens eram impressas, aproximadamente duas vezes por ano. Posteriormente, passou a ser divulgado na Web. Sua temática preponderante é a apresentação de entrevistas com psiquiatras representativos da especialidade em Minas Gerais. Todos seguem uma linha clínica dentro da fenomenologia clássica e da psicopatologia alemãs. Também têm sido apresentados textos relevantes sobre a psiquiatria baseada em evidências e a importância das neurociências no seu avanço. Surgiu como um contraponto ao jornal O Risco, da Associação Mineira de Psiquiatria, cuja temática é totalmente dominada por textos psicanalíticos lacanianos e numa linha antimanicomial e antipsiquiátrica. Humberto Campolina, um grande polemista e exímio debatedor, tem representado, no último quarto de século, uma voz altissonante e combativa em prol da psiquiatria como uma especialidade médica. Seu papel na defesa dos princípios científicos na psiquiatria tem tido um papel extremamente relevante.


A era das residências

Um capítulo especial deve ser dedicado à história das residências de psiquiatria em Minas Gerais, particularmente em Belo Horizonte. Só o farei en passant. A primeira residência, como visto, foi a da FEAP-FCMMG, no HGV, que funcionou de 1968 a 1971. Em seguida, foi transferida para o IRS, onde se mantém até os dias atuais. No IRS, até 1977/78, constituiu-se ela no principal centro de formação de psiquiatras de Minas Gerais. Sua orientação médica era excelente e contava com a presença de preceptores das mais variadas tendências e correntes do pensamento psiquiátrico da época. Foi, durante alguns anos, coordenada por Sylvio Magalhães Velloso, que imprimiu em sua gestão acadêmica impulso dinâmico e eclético, dada sua formação no IP-UFRJ, dirigida pelo prof. José Leme Lopes. Sylvio Velloso contava com uma equipe dedicada de preceptores que incluíam nomes consagrados da psiquiatria mineira, tais como Ivan Ribeiro, José James de Castro Barros, Newton Figueiredo, Geraldo Megre de Resende, Mário Catão Guimarães e Ataulpho da Costa Ribeiro, que deixaram a marca de sua sabedoria, ciência, seriedade e ética. A residência também contou com jovens psiquiatras, oriundos do HGV, tais como Rodrigo Teixeira de Salles, Vicente Santos Dias, José Ronaldo Procópio, Francisco Paes Barreto, César Rodrigues Campos, Maria Muniz Passos, Antônio Carlos Corrêa e muitos outros. À medida em que novos residentes foram se graduando no IRS, muitos deles tornaram-se também preceptores, como Gustavo Julião de Sousa, Maria Goretti Lamounier, Antônio Áureo Benetti, Zuleide Abijaodi, Gislene Valadares e outros.

Com o passar do tempo, a ideologia predominante na residência foi se assentando na temática psicanalítica lacaniana e nos princípios da antipsiquiatria. Os antigos preceptores foram deixando suas funções, permanecendo Francisco Paes Barreto e César Rodrigues Campos. A residência passou a contar com a colaboração de Ronaldo Simões Coelho. Por volta de 1978, a orientação lacaniana, antipsiquiátrica e antimanicomial predominou amplamente, mantendo-se por quase duas décadas. Posteriormente, esta residência foi coordenada pelo prof. Hélio Alkmin cuja profícua gestão levou a moderada abertura dando aos residentes a chance de melhor contato com a medicina moderna e a psiquiatria clínica. Em seguida, Hélio Lauar de Barros, oriundo desta residência, assumiu sua coordenação, mantendo essa orientação.


Após o encerramento do convênio entre a FCMMG e a FEAP, a Residência, já no IRS, foi transferida integralmente para a FHEMIG. Entretanto, a disciplina de psiquiatria na FCMMG, no curso de graduação, se mantém até os dias atuais, abrigando nesses últimos 50 anos um elenco de psiquiatras de renome e reconhecido saber. A disciplina era coordenada pelo prof. Austregésilo Ribeiro de Mendonça, até sua aposentadoria, no final da década de 1980. Seu corpo docente era composto pelos seguintes psiquiatras: Clóvis de Faria Alvim, Paulo Saraiva, José de Assis Corrêa, Antônio Carlos Corrêa, Solange de Mendonça Campos, Austregésilo Ribeiro de Mendonça Filho, Domingos Sávio Guerra Lages e outros. Na disciplina de Psicologia Médica estavam: Eunice Rangel, Antônio Leite Rangel e Roberto Rangel.

Em 1975, foi criada a residência de psiquiatria no Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora. Destacaram-se como seus preceptores os psiquiatras Uriel Heckert, Alonso Augusto Moreira Filho, Adelgício José Melo de Paula, André Stroppa e outros, com um significativo número de trabalhos publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.

Em 1977, quando começava a ebulição dos movimentos antimanicomiais, foi criada a residência de psiquiatria CHPB. Logo se tornou um influente polo de difusão de conhecimentos psiquiátricos de Barbacena para todo o Estado. Entre seus preceptores destacaram-se Carlos Eduardo Leal Vidal e Dirceu de Campos Valadares. Durante anos, destacou-se em Barbacena e Juiz de Fora o psiquiatra Rubens Metello de Campos, já falecido, grande intelectual e teórico, que influenciou considerável número de profissionais, e foi possuidor da maior biblioteca particular da região.

Ainda na década de 1970, foi criada no Hospital Escola da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, em Uberaba, a disciplina de psiquiatria e, posteriormente, a residência. Destacam-se entre seus professores Carlos Alberto Nico e Luiz Carlos Calil. Este com uma longa lista de trabalhos publicados em revistas de psiquiatria no Brasil e no exterior, o que o fez objeto da estima e respeito de seus pares.

Para contornar as dificuldades na formação de psiquiatras em Belo Horizonte, constituíram-se grupos de estudos em hospitais como a Casa de Saúde Santa Clara, Casa de Saúde Santa Maria e Clínica Pinel, depois transformados em residências médicas em psiquiatria. Inúmeros médicos tiveram sua formação nesses grupos, onde se recebia uma instrução psiquiátrica esmerada.

Outras residências surgiram em instituições oficiais como a do HC-UFMG, graças aos esforços de Juarez de Oliveira Castro, José Lorenzato de Mendonça e Maurício Viotti Daker. Rapidamente ela se desenvolveu e passou a contar com um corpo de preceptores que acumulava grande e rica experiência no ensino e na clínica. Entre os anos de 1986 e 2006, esta residência contou com a participação de preceptores do gabarito de: Adauto Silva Clemente, Adelaide Duarte Ubaldino, Almir Ribeiro Tavares Jr., Antônio Carlos de Oliveira Correa, Fábio Lopes Rocha, Gislene Cristina Valadares, Guilherme Silva Bastos, Gustavo Fernando Julião de Souza, Hélio Lauar de Barros, Hugo Alejandro Cano Prais, José Soares Mól Filho, Jussara Alvarenga de Mendonça, Karla Maria Barbosa Miranda, Lécio Marques Dias, Lúcio de Guimarães Mourão, Maria Goretti Pena Lamounier, Maria Tereza Lanna de Oliveira, Magda Maria Campos Pires, Marluce Maria de Godoy e Silva, Rodrigo Nicolato, Ronan Rego, Samir Melki, Sandra Maria Carvalhais, Sérgio Kehdy, Sérgio Martins, Tatiana Tscherbakowski de Guimarães Mourão. A supervisão clínica em enfermaria ocorria no HGV e também no IRS. 

       Um serviço que assumiu importância primordial no ensino da psiquiatria em nosso estado é a residência de psiquiatria do Instituto de Previdência (IPSEMG). Foi coordenado por Fábio Lopes Rocha, atualmente por Paulo José Ribeiro Teixeira, tem formado também uma geração de jovens e competentes psiquiatras. A residência promove, há vários anos, as reuniões clínicas da residência, às quartas-feiras pela manhã, aberta a todos os profissionais da área interessados nos mais diversos temas. Com isso, tem dado uma contribuição substancial para o desenvolvimento da psiquiatria mineira.


A chegada das neurociências cognitivas

A partir de meados da década de 1980, já se observava nitidamente o envelhecimento de nossa população. Cada vez mais, nos consultórios, ambulatórios e hospitais, eram atendidas pessoas com mais de 60 anos. Até então, estávamos inteiramente despreparados para o atendimento psiquiátrico desse público. No final da década de 1980, Almir Tavares Jr., do DNP-FMUFMG, acompanhou, por longo período, os serviços de psiquiatria geriátrica da Universidade Johns Hopkins e do National Institute on Aging, em Bethesda, Maryland, Estados Unidos da América. Ao voltar, introduziu na FMUFMG os primeiros estudos sobre gerontologia e psicogeriatria. Ao mesmo tempo, divulgava com palestras e trabalhos científicos seus conhecimentos. Tem atuado em eventos, congressos, pesquisas e publicações nesta área. Em 1996, foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Geriátrica.


O primeiro serviço de atendimento público em psiquiatria geriátrica (psicogeriatria) no Estado, e um dos primeiros do País, se deu entre 1990 a 1994, no antigo posto de atendimento médico (PAM) Padre Eustáquio, do Instituto Nacional de Previdência Social (INAMPS), por mim coordenado. A idéia surgiu após um curso que fiz na Universidade de Limoges, França, em 1988, onde tive contato profundo com a psicogeriatria européia. O envelhecimento europeu levou ao necessário desenvolvimento da psicogeriatria que atingiu níveis de excelência. Ao voltar, ministrei um curso de psicogeriatria, em 1989, no PAM Padre Eustáquio, para mais de oitenta profissionais da área de saúde, incluindo muitos psiquiatras. Em 1990, constituímos uma equipe multiprofissional composta por 17 pessoas da área de saúde. Os psiquiatras que participaram da equipe eram: Adelaide Duarte Ubaldino, Carlos Moretzsohn e este autor. O trabalho se desenvolveu bem e logo a demanda aumentou rapidamente. Havia uma média de duzentos atendimentos pela equipe a pacientes idosos, por mês, neste ambulatório. Infelizmente, com a mudança da política municipal, o atendimento pioneiro foi desativado, assim como o próprio PAM. Os psiquiatras foram impositivamente transferidos para postos de saúde da prefeitura na periferia, ocasião em que alguns se aposentaram ou se demitiram do Serviço Público. Muitos psiquiatras, funcionários públicos federais, obtiveram transferência para outras instituições, igualmente federais, incluindo as de ensino, onde puderam continuar a desenvolver o seu trabalho. Com isso, desapareceu o atendimento psiquiátrico público, em postos de saúde, para a população idosa. Este é um exemplo maléfico do que é possível fazer para destruir um trabalho frutífero a troco de nada. É a política da "terra arrasada" que se tornou tão em voga no nosso País. 

A partir de 1997, coordenado por Maurício Viotti Daker, foi constituído o setor de psiquiatria geriátrica, ou psicogeriatria, no terceiro ano da residência de psiquiatria do HC-UFMG, do qual fiz parte. Era a primeira vez no estado de Minas Gerais que se tomava tal iniciativa. Em 1997, fundou-se o Núcleo de Estudos em Geriatria e Gerontologia, coordenado por Anielo Greco, do Departamento de Clínica Médica. Pouco depois, foi fundado o Centro de Referência do Idoso prof. Caio Benjamin Dias, associado depois ao Instituto Jenny de Andrade Faria de Atenção à Saúde do Idoso, que funciona em moderna sede, ao lado do Hospital Bias Fortes. Tornou-se um centro de referência de renome nacional e internacional. É dirigido por Edgar Nunes de Moraes, em um trabalho próximo ao serviço de Neurologia Cognitiva, fundado pelo pesquisador Paulo Caramelli, em parceria com a residência de psiquiatria do HC-UFMG, coordenada por Maurício e Rodrigo Nicolato. A participação dos membros desse grupo na publicação de livros e trabalhos científicos tem sido de relevância.

A residência de psiquiatria do HC-UFMG, desde o seu início, tem formado novas gerações de psiquiatras de elevado nível, dentro da formação em neurociências cognitivas e da medicina baseada em evidências. Os residentes também recebem algum treinamento em psicoterapia analítica freudiana e na terapia cognitivo-comportamental. Os novos psiquiatras nela formados têm impulsionado a psiquiatria mineira com suas publicações e pesquisas colocando-a no nível nacional e internacional. Destaca-se entre os inúmeros psiquiatras daí oriundos, Antônio Lúcio Teixeira Júnior, também neurologista, onde é professor adjunto no Departamento de Neurologia. Autor de mais de 500 trabalhos relacionados a essas especialidades, atualmente desenvolve pesquisas clínicas e experimentais na área de imunofarmacologia, investigando, em particular, a associação entre processos inflamatórios e alterações do comportamento e da cognição.

      Aqui estão relacionados todos os residentes do HC-UFMG no período 1986-2006: 1986 - Adão Edson Dayrell, Angélica Braga Stheling Portela, Antônio Márcio Morelli, Fátima Sueli Cioffi de Oliveira. 1987 - Márcia Teixeira de Freitas, Oswaldo França Neto, Roseane Barros Petrucci Falcão, Saulo Cançado Magalhães Ribeiro, Watson Helvécio Freitas de Queiroz, Sérvulo Santos de Oliveira. 1988 - Cláudia Regina Faria Felicíssimo, Emerson Ribeiro dos Santos, Glauco Correa de Araújo, Sotírios Theophane Pegos, Simone Cláudia Facuri Lopes, Paulo José Teixeira. 1989 - Juliana Rodrigues Cunha Teixeira, Humberto Figueiredo do Nascimento, Karla Vanessa Souza Soares, Luisa de Marillac Nilo Terroni, Luzmarina Morelo. 1990 - Frederico Martins Machado, Denilson Cavalcante Pinto, Marcelo Quintão e Silva, Patrícia Costa de Amorim. 1991 - Ana Paula Souto Melo, Carlos Reif Miranda, Fernando Casula Ribeiro Pereira. 1992 -  Adriana Braga de Andrade, Eva Missine. 1993 - Humberto Correa da Silva, Maria Flávia de Mourão, Sérgio Caffaro Almeida. 1994 - Adriane Rooke Ribeiro, Fernando Madalena Volpe, Heloisa Andrade Maestrini, Junea Luiza Rodrigues de Paula Chiari. 1995 - Ana Cristina Bittencourt Fonseca, Frederico Porto Fonseca Theodoro, Jussara Mendonça Alvarenga. 1996 - Anna Karla Rocha Santanna, Carmelita Magalhães Nunes, Cíntia Satiko Fuzikawa, Flávia Fernandes Dias, João Luiz Pinto Coelho, Rodrigo Nicolato. 1997 - Érico de Castro e Costa, Fernando José Loureiro, Luis José de Lima, Sérgio de Figueiredo Rocha. 1998 - Antônio Lúcio Teixeira Jr., Fabiano Gonçalves Nery, Henrique Alvarenga da Silva, Rodrigo Barreto Huguet. 1999 - Adriana Camello Teixeira, Fátima Darlene Martins Rocha Guilherme Assumpção Dias, Luciana Vale Cipriano, Silas Prado Souza, Marco Aurélio Romano Silva, Ramon Cosenza. 2000 - Cléber Naief Moreira, Cristina Peixoto Jardim, Ester Assumpção Dias, Leandro Augusto Paula da Silva, Mariany Souza Gomes. 2001 -  Adauto Silva Clemente, Alessandro da Silveira, João Vinícius Salgado, Luis Augusto dias Malta, Hugo Alejandro Cano Prais. 2002 - Jovana Sério Veiga Lima, Oscar José Grossi Santiago Lima, Robson Kazunori Tokuda, Rosana Fortes Zschaber Marinho. 2003 - André Luiz Nunes, Bruno Copio Fábregas, George Augusto Guimarães Lodi, José Mauro Barbosa Reis, Helbert Antoniazi Salem Campos. 2004 - Carla Fonseca Zambaldi, Fabrício Meyer Godoy, Janaína Matos Moreira, Eduardo Guimarães Ferreira, Júlio Santa Rosa da Silveira. 2005 - Fernando Machado Vilhena Dias, Frederico Duarte Garcia, Leonardo Freitas e Silva, Priscila de Siqueira Ramos, Vinicius Expedito Martins Gomes. 2006 -  Felipe Filardi da Rocha, Flávia Mello Soares, Karla Cristhina Alves Souza, Pedro Braccini Pereira, Renata Cristiane Marciano. 

Ao término da década de 1990, em plena vigência da Década do Cérebro, instituído pela OMS, surgiu em Minas Gerais a Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais (AAP-MG), que, apesar do nome, foi aberta para todos aqueles profissionais que não exercem a carreira universitária. Tornou-se uma filiada da ABP e congrega hoje um expressivo número de psiquiatras de elevado calibre científico, cultural, humanístico e filosófico, incluindo vários pesquisadores e escritores. Desde então, essa entidade tem promovido eventos de grande interesse para a categoria.

Novas técnicas psicoterápicas têm se incorporado ao arsenal do psiquiatra mineiro, particularmente a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Esta tem tido grande aceitação entre nossos profissionais tendo em vista sua grande eficácia frente aos quadros psiquiátricos agudos, seu tempo breve de tratamento e seus custos bem mais reduzidos, aliviando sobremaneira os sofrimentos de nossos pacientes.

Os atuais congressos mineiros de psiquiatria retornaram aos trilhos da psiquiatria como especialidade médica, ao divulgar os espetaculares avanços da genética, da biologia molecular, das neuroimagens, da neuropatologia, da clínica, da psicofarmacologia, da medicina do sono, do progresso e desenvolvimento de novas técnicas psicoterápicas, como a TCC, e das neurociências cognitivas. Prova disto foi a realização do XVI Congresso Mineiro de Psiquiatria, em setembro de 2014, evento de sucesso ímpar na história de nossa psiquiatria, coordenado por Humberto Corrêa e patrocinado pela AMP, sob a direção de Maurício Leão de Resende. Ao receber especialistas nacionais e estrangeiros de elevada categoria, a entidade tem dado mostras de seu amadurecimento e avanço científico. O aprimoramento e a qualificação dos profissionais da psiquiatria em Minas Gerais nos últimos anos é notável. Quase não se fala mais no hospital, pois cada vez menos se internam pacientes graças ao arsenal terapêutico à disposição do psiquiatra do século XXI. As discussões hoje ocorrem em elevado nível científico e não são mais ideológicas. Há um nítido retorno à psiquiatria de bases médicas e à psicopatologia fenomenológica. Indo além do DSM-V, ocorre um retorno a Kraepelin e aos clássicos. Cada vez mais, publicam-se trabalhos, livros e teses baseados nas neurociências cognitivas e na sua interface com as disciplinas de áreas humanistas.

As discussões hoje ocorrem em elevado nível científico e se baseiam nos avanços tecnológicos que impulsionam a medicina e, em particular, a psiquiatria, e já não são mais ideológicas ou antipsiquiátricas. O movimento antimanicomial envelheceu rápido, mais parecendo um morto vivo. Vemos mais movimentos de rua, bem ao estilo do populismo de massa, em que um número elevado de pessoas pouco cientes do tema mobilizado e que servem mais como massa de manobra de líderes sectários movidos por interesses político-partidários, fazem passeatas com seus cartazes agressivos, com seus apitos, com suas camisas vermelhas e suas velhas palavras de ordem, num chavão já desmoralizado, a perturbar o trânsito de nossas metrópoles.  Espasmos de um moribundo, ainda alimentado artificialmente pelo soro da ideologia sectária, radical e (por que não?) fanática.

Com este clima benfazejo e estimulante, diversos de nossos colegas publicaram livros de grande repercussão nos meios psiquiátricos e das ciências afins de Minas Gerais. Posso citar: Marco Aurélio Baggio, recentemente falecido, autor de mais de duas dezenas de obras cujo espectro abrange temas que vão da história, à crônica e à clínica psiquiátrica; Sebastião Abrão Salim, com importante obra que aborada a interface entre a psicanálise e a clínica médica; Almir Tavares Junior, que organizou e escreveu diversos capítulos de um tratado sobre Psiquiatria Geriátrica, que logo se tornou referência no tema; Antônio Lúcio Teixeira Júnior, clínico, neurologista e neuropsiquiatra, um dos mais brilhantes psiquiatras da nova geração, autor de mais de quatro centenas de trabalhos científicos e co-autor de um livro de neurologia (Exame neurológico: bases anatomofuncionais) e organizador de dois livros (Neurologia Cognitiva e do Comportamento e Neuropsiquiatria Clínica), têm expressado o real valor de nossa psiquiatria mineira contemporânea. A modesta contribuição que tenho dado à literatura médica foi a publicação de outros três livros: Depressão, Envelhecimento e Doença de Alzheimer, Auto-avaliação em Psicogeriatria, ambos pela Editora Health, de Belo Horizonte, em 1996, e Memória, Aprendizagem e Esquecimento – A memória através das neurociências cognitivas, pela Editora Atheneu, do Rio de Janeiro, em 2010. Tenho a certeza de que muitos outros livros importantes e trabalhos científicos de grande impacto estão sendo gestados em nosso meio, principalmente produzidos por esta gama de grandes psiquiatras e pesquisadores desta nova geração da qual tenho grande orgulho.

Como testemunha ocular da história da psiquiatria mineira há quase meio século eu a observo com os olhos da esperança e da confiança de que alçaremos voos maiores e melhores. Observo a Fênix ressurgida das cinzas. E tenho a certeza de que nossos pacientes terão à sua disposição cada vez mais tratamentos humanos e mais avançados para o alívio de seus sofrimentos. 

Eis como vejo a História da Psiquiatria Mineira neste último meio século.