sexta-feira, 2 de novembro de 2012

História da Psiquiatria - Ivan Petrovitch Pavlov e o behaviorismo



                  O avanço da neurofisiologia de meados do século XIX levou aos estudos de Claude Bernard, na década de 1850, na França, quando foi descoberto o mecanismo da homeostasia e auto-regulação dos organismos. Pouco depois, na Rússia dos czares, impulsionado pela onda materialista que inundou a ciência da Europa continental do período, um pesquisador se destacou pela excelência e originalidade de seu trabalho, que logo influenciou gerações de novos cientistas: Ivan Mikhailovitch Sechenov, que em 1862 publicou Os Reflexos do Cérebro, obra censurada pela polícia de seu país, profundamente influenciada pela política absolutista czarista e pelos valores religiosos na vida social. Nesse trabalho, pela primeira vez, são expostos os mecanismos reflexos do cérebro e os princípios elementares de sua atuação no ambiente circundante, dando os primeiros passos no desenvolvimento do conhecimento da aprendizagem reflexa. Seu mais famoso discípulo foi Pavlov. Suas contribuições iniciais para o estudo da aprendizagem começaram por volta de 1897, extendendo-se até 1904 ou 1906, mas até sua morte em 1936 estudou as atividades cerebrais às quais designava como Atividade Nervosa Superior. Começou com estudo de cães e posteriormente fez experimentos com primatas. A partir de certa época, e com a repercussão internacional de seu trabalho, aproximou-se de médicos clínicos, neurologistas e psiquiatras, tendo feito importantes observações para o estudo das doenças mentais e sua relação com a aprendizagem e condicionamento, dando origem a uma escola da psicologia chamada de reflexologia.


 
Ivan Petrovitch Pavlov (1849-1936) era cirurgião militar com interesse especial pelos estudos de fisiologia da circulação sangüínea e digestiva e pela farmacologia. Trabalhou em diversos laboratórios na cidade de São Petersburgo e seus estudos empreendidos na década de 1890 levaram-no à descoberta do que passou a ser conhecido como reflexo condicionado. Sabia-se que determinados estímulos fortes produzem certas respostas inatas e não variáveis: por exemplo, quando um animal qualquer, digamos um cão, percebe a presença de um alimento (como a carne) à sua frente, ele passa imediatamente a salivar. A isso se deu o nome de reflexo incondicionado, resposta inata, biológica, que representa uma memória ancestral para a sobrevivência da espécie e que tem a finalidade de facilitar a digestão quando o animal passa a ingerir esse alimento. Conhecemos inúmeros reflexos incondicionados: de fuga, de ataque, de orientação, sexuais, de alimentação, etc. Se aplicarmos outro estímulo neutro que nada tenha a ver com a sobrevivência imediata do animal, nada acontece. Por exemplo, se tocarmos uma campainha elétrica ou se acendermos uma lâmpada vermelha, o animal não reage ao estímulo, pois este nada significa para ele. Mas se fizermos uma associação temporal (ou pareamento) do estímulo sonoro (campainha) ou visual (lâmpada vermelha) e logo apresentarmos o alimento (carne) e repetirmos essa experiência por algumas vezes, observamos que o animal associa o estímulo neutro ao estímulo incondicionado e o animal produz a resposta que antes só apresentava ao estímulo incondicionado. Formou-se aqui o chamado reflexo condicionado. Essa associação é uma forma de aprendizado; criou-se, portanto, uma nova memória. A esse fenômeno denominou-se decondicionamento clássico.

 
Pavlov em seu laboratório de experimentação com um de seus cães e cercado por alunos e colaboradores.
 
                                                                    
 

Pavlov descobriu também que a repetição do estímulo condicionado sem a contrapartida da apresentação do estímulo incondicionado para o animal levava à extinção do reflexo condicionado. Já que o animal não era recompensado com a apresentação da fonte geradora da resposta biológica primitiva, ele esquecia o padrão de resposta (fenômeno de extinção) por se mostrar inútil no seu propósito, o que se configura desenvolvimento do que chamamos esquecimento.


O experimento de Pavlov.

Outro fenômeno observado por Pavlov e seus colaboradores foi o da habituação: a repetição exaustiva do estímulo condicionado levava à diminuição gradual da resposta incondicionada (salivação, fuga, orientação, etc.), revelando também aqui uma forma mais primitiva de aprendizado e memória.

Um dos laboratórios de Pavlov, em 1904, na Torre do Silêncio do Instituto de Fisiologia de São Petesburgo.

A primeira vez em que o termo reflexo condicionado (atualmente se publica mais como reflexo condicional) foi utilizado em um evento científico foi em 1902, por Tolchinov, um dos pesquisadores associados a Pavlov, no Congresso de Ciências Naturais.
 
 

Em 1904, Pavlov foi agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia pela importância de suas descobertas que, hoje sabemos, foram mais importantes para a psicologia do que mesmo para a medicina.
 
Pavlov recebe o Prêmio Nobel de Medicina, em 1904.
 
A partir de 1905, Pavlov dedicou-se ao estudo da Atividade Nervosa Superior em seus laboratórios de São Petersburgo, onde, até o fim de seus dias, chefiou uma grande equipe de pesquisadores e discípulos, criando, assim, as bases das teorias associacionistas na aprendizagem. Pavlov desenvolveu a teoria de que todo o nosso conhecimento - toda a cultura, toda a vida de relação entre os indivíduos - forma-se tendo por base os reflexos condicionados, que vão se associando uns aos outros, criando uma infinita rede de respostas reflexas que, a partir de determinado momento, adquirem nova estrutura qualitativa (não mais apenas reflexos primitivos), mas compondo intrincada e complexa rede de associações que estão na base do pensamento e da memória. Nossa história pessoal e universal teria como peça básica o reflexo condicionado.

Pavlov e Walter Cannon, Boston, 1923.
 
                                           Pavlov defronte o Palácio de Buckingham, 1928.
 

O condicionamento clássico tem desempenhado um papel especial no estudo da aprendizagem ao fornecer o exemplo mais determinante das regras pelas quais aprendemos a associar dois eventos.  Ao ser condicionada, uma pessoa aprende duas regras acerca dos estímulos que aprendeu a associar: a contigüidade temporal – a pessoa aprende que um evento (o estímulo condicionado) precede, por um intervalo crítico, um segundo evento, que é de reforço (o estímulo não-condicionado); a contingência – a pessoa aprende que o estímulo condicionado prediz a ocorrência do estímulo não-condicionado. Tanto as pessoas como os animais necessitam reconhecer relações preditivas entre eventos dentro de seu ambiente, tais como: discriminação de alimentos que podem ser ingeridos de substâncias venenosas, distinção entre presa e predador. A aquisição desse conhecimento pode ser inata (já estaria na circuitaria neural do animal) ou adquirida por intermédio da experiência (aprendizagem). Nesta última situação, o animal pode responder com alguma vantagem a uma variedade maior de estímulos do que faria se estivesse limitado a apenas um programa inato de conhecimentos.
 
Mikhail Nesterov (1862-1942) - Retrato de Pavlov.
 

Mikhail Nesterov (1862-1942) - Retrato de Pavlov.
 

Os princípios associacionistas também tiveram a contribuição das teorias da aprendizagem da escola norte-americana, iniciada por John Broadus Watson (1878-1958) em 1912.
 
 
John B. Watson
 
 
 Essa escola recebeu o nome de behaviorismo ou comportamentalismo. Em 1915, como presidente da American Psychological Association, ele apresentou um trabalho intitulado: O lugar do reflexo condicionado na psicologia, que levou os estudos de condicionamento a um lugar de proeminência nos livros-texto e nas pesquisas de laboratório nos Estados Unidos da América.
 
Tornou-se clássico o estudo realizado por uma de suas assistentes, Rosalie Rayner, em 1920, com seu filhinho de colo Albert. O experimento tornou-se conhecido como “Pequeno Albert”, hoje inscrito nos anais de ouro da história da psicologia contemporânea.
 
Foto do experimento de Raynes com o pequeno Albert.
 
Albert tinha apenas 11 meses e era colocado em um espaço na sala em que os pesquisadores trabalhavam, próximo a sua mãe. Era um bebê tranqüilo e sem medo de muitas coisas, inclusive dos animais do laboratório. Watson e Rayner mudaram isto. Eles apresentaram um rato branco para Albert e o bebê sempre tocava no animal. Numa das ocasiões, eles bateram em um caximbo metálico com um martelo. O som elevado, produzido muito próximo e atrás do bebê, aterrorizou Albert, que logo começou a chorar e a se mover para longe sempre que o rato se aproximava. Assim, Albert começou a exibir reações de medo a um coelho, um cachorro, a um casaco de pele e até a um pequeno boneco de Papai Noel com barba branca.
 
Albert sendo submetido a associação do bichinho de pelúcia com um barulho estridente.
 
Para muitos psicólogos a estória do Pequeno Albert é um exemplo clássico de resposta condicionada de medo. Os estudiosos hoje não mais utilizam crianças em suas pesquisas por variados motivos, entre eles a ética, mas podem treinar camundongos, ratos e outros animais para evitar leves choques elétricos, luzes ou sons.
 
Após o condicionamento, Albert tem medo dos bichinhos que antes lhe traziam alegria. Tem medo até do Papai Noel,.
 
Para muitos psicólogos a estória do Pequeno Albert é um exemplo clássico de resposta condicionada de medo. Os estudiosos hoje não mais utilizam crianças em suas pesquisas por variados motivos, entre eles a ética, mas podem treinar camundongos, ratos e outros animais para evitar leves choques elétricos, luzes ou sons.
 
 
 
Na década de 1920, os pesquisadores presumiram que havia uma memória do medo localizada no cérebro destes animais. A partir da década de 1930, com a descoberta do sistema límbico e das funções do hipocampo e da amígdala, comprovou-se que a memória para emoções e para o medo localiza-se na amígdala, como veremos mais adiante neste trabalho. Assim como no caso do Pequeno Albert, que foi treinado para perder o medo, na medida em que era novamente exposto ao rato branco ao mesmo tempo em que recebia carinhos e afagos dos pesquisadores, os animais podem ser treinados a eliminarem suas fobias com a exposição aos estímulos antes estressores e agora não mais.
 
Um dos seguidores das idéias de Pavlov nos Estados Unidos, no início do século XX, foi Edward Thorndike (1874-1949), que desenvolveu modelos animais para o estudo da aprendizagem, em trabalho simultâneo e independente do mestre russo.
 
Edward Thorndike
 
Foi ele o primeiro a descrever o condicionamento operante (ou instrumental), uma variante do reflexo condicionado pavloviano. Em 1898, em sua tese de doutorado, tendo como orientador William James, ele desenvolveu um estudo de como a aprendizagem e a memória podem ser medidos em animais, tendo usado gatos, cachorros e pintos. Isso o levou a desenvolver o conceito de aprendizado por tentativa e erro e, em 1911, para o conceito da “lei do efeito” o que abriu novas fronteiras para o desenvolvimento da ciência e pesquisas norte-americanas e mundiais.
 
Em uma monografia publicada em 1911 denominada Animal Intelligence: Na Experimental Study of the Associative Process in Animals, Thorndike desenvolveu sua lei do efeito, a primeira demonstração sobre a natureza das associações. Ele percebeu que a resposta a uma recompensa estaria gravada no organismo como uma resposta habitual. Caso não houvesse recompensa após a resposta, esta desapareceria. Portanto, as recompensas eram responsáveis pelas respostas mais adaptativas dos animais, o que o o aproximou das teorias de Darwin de quem recebeu grande influência.


 
                                                              Burrhus Frederic Skinner
                                                                       

Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), na década de 1930, oriundo da Universidade de Harvard, foi o estudioso e pesquisador mais brilhante dessa corrente do pensamento psicológico e desenvolveu o conceito de condicionamento operante .
 
 
 
 
               Diferentemente do reflexo condicionado clássico de Pavlov, no condicionamento operante observamos que uma resposta condicionada se antecipa ao reforço com o estímulo incondicionado: a ave que tem à sua frente vários botões, aprende a acionar um determinado botão, este, por sua vez, aciona a porta de um alçapão que se abre, deixando o alimento à disposição do animal. Isso nos revela que, pelo método das tentativas e erros, depois de certo tempo, o animal aciona exatamente o mecanismo correto para receber seu alimento. Quer dizer que o animal aprende a fazer uma associação entre uma resposta correta e uma recompensa, ou uma resposta incorreta e uma punição logo em seguida, o que modifica gradualmente o seu comportamento. Esse é outro exemplo de aprendizado e memória quando se utiliza a associação de estímulos. Para muitos, Skinner é considerado o maior psicólogo norte-americano do Século XX.

Para saber mais consulte:  CORRÊA, ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA. Memória, Aprendizagem e Esquecimento. A memória através das neurociências cognitivas. Rio de Janeiro. Editora Atheneu, 2010. 

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