sábado, 20 de dezembro de 2014

Dialética - A nova Revista do Centro de Estudos Galba Velloso




Acaba de ser lançada a revista Dialética, do Centro de Estudos Galba Velloso (CEGV), no Instituto de Ensino Raul Soares (IERS), unidade da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG). Em primorosa edição on-line, Dialética representa o renascimento da Revista do Centro de Estudos Galba Velloso, que tive a honra de lançar pela primeira vez, como editor, em agosto de 1969, no Hospital Galba Velloso. 

Fruto do trabalho dedicado de um grupo promissor de jovens residentes da Residência de Psiquiatria do Instituto de Ensino Raul Soares, a revista vem se somar a outras da especialidade da psiquiatria em Minas Gerais, contribuindo, assim, para enriquecer ainda mais o nosso debate com temas variados. É um sopro de novos ares a arejar nosso meio profissional que tem sido premiado com diversas publicações de grande valor científico, acadêmico, clínico e de pesquisas, consolidando o grande papel que, atualmente, Minas Gerais tem representado na psiquiatria brasileira. 

Trata-se de uma edição especial histórico-comemorativa dos 50 anos de fundação do Centro de Estudos Galba Velloso (fevereiro de 1964). Para o lançamento a Diretoria do CEGV programou uma bela solenidade na noite do dia 18 de dezembro no auditório do IERS. Para o evento foram convidados os drs. Jorge Paprocki, Francisco Paes Barreto e Antônio Carlos Corrêa para participar da composição da mesa.

O corpo editorial de Dialética está assim composto:

Editor-chefe:

Rafael Miranda de Oliveira

Comitê editorial:
Bruno Engler Faleiros
Fernando Brandão

Foto da capa e contra-capa:
Bruno Engler Faleiros
Saulo Carvalho

A diretoria do Centro de Estudos Galba Velloso está assim constituída:

Presidente:
Saulo Carvalho

Vice-presidente:
Guilherme Beltrame

Tesoureiro:
Vicente De Nardin

Secretária:
Marcela Braga

Membros efetivos:
Ana Luísa Moreira
Bruno Engler Faleiros
Fernando Brandão
Gabriel R. Barreiros

Membros colaboradores:
Rafael Miranda de Oliveira
Vítor Américo

A íntegra da Revista pode ser acessada no link abaixo:



Tive a honra de participar desta edição com um texto intitulado: A História das Neurociências e a Psiquiatria Mineira. Na oportunidade, o dr. Jorge Paprocki foi homenageado pelos participantes da mesa, pela Diretoria do CEGV e por diversos membros da ilustre platéia que ali compareceu. Em seguida, foi servido um coquetel a todos os presentes. 

Tratou-se, indiscutivelmente, de uma noite memorável, repleta de emoções e grandes recordações para mim, já que vivi intensamente parte do período inicial da existência do CEGV, isto é, de 1966 a 1971, ainda no Hospital Galba Velloso. Foi um período áureo de nossa psiquiatria e, na ocasião, proferi as seguintes palavras:


Composição da mesa. Da esquerda para a direita:
Francisco Paes Barreto, Antônio Carlos Corrêa e Jorge Paprocki.



Ao final da cerimônia, Antônio Carlos Corrêa e Jorge Paprocki



 Umas poucas palavras sobre o Centro de Estudos Galba Velloso


Quando entrei para o Hospital Galba Velloso, naquele agosto de 1966, eu me encontrava num misto de assombro e receio. Assombro por ter conseguido acesso a um santuário da psiquiatria mineira. Receio por sentir-me inseguro quanto à capacidade de executar tarefas de tanta responsabilidade, quando vidas humanas estavam envolvidas. Encontrei um ambiente receptivo, amigável, de certa forma alegre, e não aquela catedral sombria e lúgubre, cuja imagem circulava na minha imaginação, baseada na ideia do que era um hospício.

Posso dizer que nos quatro anos e meio que ali residi aprendi a ser não só um médico que lida com o sofrimento emocional das pessoas, mas também aprendi a me tornar um ser humano melhor. Os conflitos interpessoais, que existem em todos os lugares do mundo, contribuíram para que se tornassem, para mim, uma fonte de aprendizagem e um estímulo para a superação de obstáculos.

O Centro de Estudos proporcionou-me desenvolver o gosto pelo ensino, pela pesquisa e pela escrita. Só isso já o torna uma das passagens fundamentais de minha carreira e de minha pessoa.

Nada disso seria possível sem a figura de Jorge Paprocki. Ele foi, seguramente, um condutor em minha vida, de mares turbulentos para um lago sem procelas. Muito aprendi com seus conceitos, sua visão de mundo, sua forma de administrar e seu exemplo como psiquiatra. Os demais colegas, com quem também ali convivi, dos quais tenho grandes e confortáveis recordações, foram marcantes no desenvolvimento de meu caráter e determinação.

Já se falou muito do legado de Jorge Paprocki no Galba Velloso: humanização do tratamento psiquiátrico, open door integral, introdução de métodos psicossociais de tratamento, como comunidade terapêutica, praxiterapia, ambientoterapia, psicoterapia na instituição, pesquisa em psicofarmacologia e estímulo à publicação em revistas científicas, equipes multiprofissionais, recebimento como internos de médicos estagiários e acadêmicos de medicina e de outras áreas da saúde, estímulo e apoio às atividades do Centro de Estudos Galba Velloso, inclusive em suas publicações e na criação da Revista, ampliação da assistência ambulatorial e sensibilização das famílias na recepção e continuidade do tratamento dos pacientes em domicílio. Isso tudo levou a um tempo menor de permanência hospitalar por parte dos pacientes. Havia um clima de liberdade de pensamento no hospital. Apesar de o País estar vivendo os anos de chumbo da ditadura militar, Paprocki não permitia censuras, não cerceava qualquer manifestação individual de preferência política ou religiosa. Havia no corpo clínico pessoas pertencentes aos mais diversos credos políticos, da esquerda à direita, e que professavam os mais variados credos religiosos, sem que isso prejudicasse em nada os trabalhos da instituição. Um modelo que, infelizmente, não foi seguido por diversas outras instituições.

Em 1968, havia sido criada pelo Governo Israel Pinheiro, a Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica (FEAP), baseada na Lei 4.953, de 25 de setembro de 1968 e, pelo Decreto 11.531, de 12 de dezembro de 1968.  Era Secretário de Saúde o prof. Clóvis Salgado da Gama (1906-1978), grande médico e político. Seu presidente foi Fernando Megre Velloso e o Superintendente Geral Jorge Paprocki. A FEAP congregava os cinco hospitais psiquiátricos do Estado (Instituto Raul Soares, Hospital Galba Velloso, Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, Hospital Colônia de Barbacena, Hospital Colônia de Oliveira e o Ambulatório Central). Todos eram encarregados de continuar prestando assistência psiquiátrica pública no Estado de Minas Gerais e de exercer atividades relativas à higiene mental, ao ensino e à pesquisa. Na ocasião, Eunice Rangel assumiu a direção do HGV. Essa decisão de se criar fundações decorreu das enormes dificuldades de administração simultânea de diferentes instituições estaduais de saúde, sem a centralização do gerenciamento. Isso implicava em enormes custos, pulverizados pelas diversas instituições. Objetivava-se, também, a melhor utilização dos recursos materiais e humanos já existentes. O sistema anterior passara a se tornar inviável financeiramente para o estado. Foram criadas diversas fundações no período, tanto na área médica quanto em outras áreas da administração estadual. Essas mudanças deram origem à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG).

Com a criação da FEAP, e com a experiência adquirida na década de 1960 no HGV, iniciou-se uma série de atividades que repercutiram nas atitudes e na situação dos hospitais em Minas Gerais. Dentre elas posso citar: a- racionalização de trabalho que procurou organizar os hospitais dentro de modernas técnicas de administração hospitalar; b- levantamento sócio-econômico de pacientes e familiares, numa tentativa de promover uma maior participação dos mesmos nos tratamentos; c- promoção de convênios com institutos de previdência, organismos para-estatais e prefeituras de municípios; d- convênios com hospitais de clínica, laboratórios e bancos de sangue, para que o paciente psiquiátrico pudesse ser recebido e tratado concomitantemente, quando fosse o caso; e- divulgação e sensibilização da comunidade, órgãos públicos e o meio médico psiquiátrico quanto à necessidade de tratamentos mais humanos e modernos; f- promoção do meio psiquiátrico no sentido de uma compreensão integral do paciente; g- foram envidados esforços para que cada hospital funcionasse dentro dos objetivos para os quais foi criado, ou seja, hospitais de agudos dando assistência a casos agudos, hospitais de crônicos a casos crônicos, etc.; h- foram criadas unidades de pensionistas em hospitais de agudos e reestruturação de unidades de pensionistas em hospitais de crônicos; i- foram criadas equipes multiprofissionais para o atendimento aos pacientes; j- foi dada grande ênfase ao ensino e à pesquisa. 

Pode-se ver que a FEAP, apesar de diversas falhas, se antecipou em quase uma década às proposições de humanização do tratamento psiquiátrico, incluiu técnicas modernas psicofarmacológicas, psicoterápicas, psicossociais e inclusivas de tratamentos psiquiátricos, reduziu o tempo de internamento dos pacientes, estimulou amplamente o estudo clínico, a pesquisa e a publicação de trabalhos científicos, estimulou o trabalho feito por equipes multiprofissionais, o que, mesmo com o corporativismo de certos grupos, chegou próximo a um trabalho de interdisciplinaridade, iniciou o processo de desospitalização e o encaminhamento dos pacientes psiquiátricos para ambulatórios e outras instituições sociais, com a sensibilização das famílias para acolhimento e continuação adequada dos tratamentos a domicílio. Se os resultados não foram melhores, é preciso que se leve em conta o contexto sócio-político de então, as dificuldades financeiras na promoção e incremento de métodos mais eficientes de tratamento, de métodos de gestão mais modernos na área de saúde, pois tudo era muito incipiente, de preparação mais refinada do staff clínico e administrativo e, não posso deixar de citar, das dificuldades quase insuperáveis provocadas pela competição, pelo ciúme e pelas políticas, não muito sagradas, de bastidores. Indiscutivelmente, o legado deixado pela experiência do HGV, particularmente pelo papel representado por Jorge Paprocki na abertura de novos horizontes para a psiquiatria mineira, foi, se não o maior fator de crescimento, um dos mais importantes desta especialidade, na história da psiquiatria mineira. Não é exagerar, ou fazer um discurso laudatório sem bases em evidências, mas posso afirmar, com segurança, que a psiquiatria mineira pode ser dividida em duas épocas: antes e depois de Jorge Paprocki.

Tenho muito orgulho de ter pertencido a esta geração de privilegiados. O Galba foi o meu ritual de passagem para a vida profissional e social. A lição valeu, e muito. As boas lembranças sempre me acompanharão.

Ao Paprocki desejo que continue sendo esta figura que sempre foi: uma referência, um esteio, um modelo.

A todos os colegas daqueles tempos meu muito obrigado pela convivência tão enriquecedora.



Aos colegas de hoje, aos amigos e familiares, o meu muito obrigado por esta bela noite de recordações. 


                                              ***


Bruno Engler Faleiros, do comitê editorial de Dialética,
e Antônio Carlos Corrêa.

Após a cerimônia, Jorge Paprocki confidencia aspectos ainda
não conhecidos da história da psiquiatria mineira.
De costas, os drs. Fábio Lopes Rocha e José Raimundo Lippi.


Parte do público presente ao lançamento de Dialética.

Nenhum comentário:

Postar um comentário