René Magritte. The son of man (1964). |
O QUE É PROSOPAGNOSIA?
Prosopagnosia é
um dos delírios de identidade que são definidos como uma alteração na
identificação de pessoas, de objetos, de lugares, de fatos e de partes do
corpo. Eles vêm acompanhados da convicção de um desdobramento, de uma
multiplicação e até de uma substituição do objeto levando a alteração de
identidade.
Na prosopagnosia
o paciente apresenta dificuldade no reconhecimento de faces de amigos, parentes
e até sua própria face.
As causas mais
comuns são: psicoses, demência, traumatismo crânio-encefálico.
A prosopagnosia
envolve lesão de áreas ventromediais occipito-temporais que são importantes no
reconhecimento consciente de faces que seguem informações da memória associada.
Uma das
principais alterações neurofisiológicas da prosopagnosia é a redução da
ativação do fluxo sanguíneo no giro fusiforme visto pela Ressonância Magnética
Funcional (fRNM).
O reconhecimento
da face humana localiza-se na área fusiforme da face (FFA) no Giro Fusiforme,
entre os lobos temporais e occipital, notadamente no lado direito do cérebro. (McCarthy et al., 1997).
Como o cérebro
processa as informações do ambiente e reconhece rostos? Existem algumas teorias
surgidas com o advento das neurociências cognitivas. O mais conhecido e
acreditado é o modelo de Bruce e Young, formulado em 1966.
O modelo cognitivo do reconhecimento de rostos
O modelo mais conhecido foi desenvolvido
para a síndrome de Capgras, desenvolvido por Bruce e Young (1986), dois
psicólogos cognitivistas britânicos, como uma incapacidade de acesso aos “nós
de identidade das pessoas”, como uma “agnosia de identificação”, mas mantendo
preservado o reconhecimento dos rostos. (Figura 1).
Figura 1 – Modelo cognitivo de reconhecimento de rostos, segundo Bruce e Young, 1986;
Hodges, 1994. A prosopagnosia seria causada por lesão em A. (Adaptado de Gil, 2002).
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Bruce e Young
desenvolveram o modelo cognitivo de reconhecimento dos rostos, após estudos
clínicos com pacientes portadores de prosopagnosia. Neste modelo, após
realizada a análise visual, os rostos são identificados em decorrência da
possível existência das unidades de reconhecimento específico de rostos. Eles
se comportariam como um estoque memorizado de rostos conhecidos que, logo após,
seriam ligados aos centros de identidade das pessoas, ou conjunto dos
conhecimentos necessários à individualização das pessoas. Esses centros de
identificação estariam ligados à memória semântica geral. Em caso de lesão das
unidades de reconhecimento dos rostos (prosopagnosia), os pacientes poderiam
emparelhar os rostos e identificar expressões faciais, por que esse é um tratamento
independente, diretamente vinculado ao sistema semântico. Informações visuais
(óculos, barba, etc.) ou extravisuais permitiriam que um paciente portador de
prosopagnosia reconheça certos rostos, porque essas informações estão
diretamente ligadas aos códigos de identidade das pessoas. Em certas agnosias
visuais e na afasia óptica, os rostos são reconhecidos mas não são denominados
pelo canal visual, o que realiza uma desconexão visuoverbal, que deve ser
distinguida da anomia dos nomes próprios, que não depende do canal sensorial
usado.
A prosopagnosia
não deve ser confundida com uma síndrome amnésica, já que nesta a memória dos
fatos antigos é conservada e o paciente se lembra das pessoas que conheceu há
muito tempo, o que não ocorre na prosopagnosia. Já foi observado num amnésico o
não reconhecimento de fotos de pessoas famosas e familiares, sendo que na
múltipla escolha, a pessoa famosa era identificada: essa dissociação pode
sugerir a existência de dois tipos de representações de pessoas conhecidas, uma
puramente mnêmica, outra que corresponderia às unidades de reconhecimento de
rostos e que permitiria os julgamentos de familiaridade. Ao final deste tema,
vamos apresentar os modelos teóricos desenvolvidos por psicólogos cognitivistas
sobre reconhecimento de rostos e como podemos diferenciar quadros como Capgras
e prosopagnosia.
Posteriormente,
ao desenvolver essa idéia, surgiu o modelo de Ellis e Young (1990), com o duplo
sistema de tratamento das informações sobre o rosto. Em sua hipótese, os portadores da síndrome de
Capgras podem ter uma “imagen-espelhada” da prosopagnosia, isto é, suas
capacidades conscientes de reconhecimento operam corretamente, mas pode ocorrer
uma lesão na sua habilidade emocional de reconhecer pessoas. Esse fenômeno
poderia levar à sensação de reconhecer o rosto de alguém, mas, ao mesmo tempo,
sentem que “alguma coisa não está certa” com essa pessoa, pois estaria
“faltando alguma coisa” (Souza, 2004).
Nesta teoria,
Ellis e Young sugeriram a presença de um duplo tratamento visuolímbico
hemisférico direito: um deles, de processamento ventral, que conecta o córtex
visual ao córtex ínfero-temporal, ao hipocampo, à amígdala e, em seguida, ao
córtex fronto-orbital; e o outro, de processamento dorsal, que conecta o córtex
visual ao córtex parietal inferior, ao giro do cíngulo e ao córtex frontal
dorsolateral (Gil, 2002) (Figura 2).
Figura 2 – Esquema do processamento das informações para reconhecimento de rostos familiares, segundo Ellis e Young (1990) (ver texto). (Adaptado de Gil, 2002). |
A via ventral
coordenaria o reconhecimento consciente, isto é, semântico, e um
compromentimento nessa estrutura produziria a prosopagnosia. A via dorsal processaria a informação ligada à emoção referente
aos rostos e estaria comprometida na síndrome de Capgras. Dessa forma, a má
identificação da síndrome de Capgras não se vincularia a um déficit do
reconhecimento dos rostos, mas a um déficit no conteúdo emocional que lhe é
próprio. Após os avanços na neurobiologia desses circuitos, verificou-se que as
emoções vinculadas à identificação de rostos seria uma das maneiras de
compreender a razão de um ente querido muito próximo ser considerado um sósia,
ou um impostor. De forma bem diferente desse processamento, a prosopagnosia
poderia comprometer o reconhecimento consciente ou semântico, preservando as
emoções vinculadas aos rostos dos parentes muito próximos. (Gil, 2002) (Figuras 3 e 4).
Para saber mais, leia em: Corrêa, A.C.O. Memória, Aprendizagem e Esquecimento. A memória através das neurociências. Rio de Janeiro. Ed. Atheneu, 2010.
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