quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O que é prosopagnosia?


René Magritte. The son of man (1964). 



O QUE É PROSOPAGNOSIA?


Prosopagnosia é um dos delírios de identidade que são definidos como uma alteração na identificação de pessoas, de objetos, de lugares, de fatos e de partes do corpo. Eles vêm acompanhados da convicção de um desdobramento, de uma multiplicação e até de uma substituição do objeto levando a alteração de identidade.

Na prosopagnosia o paciente apresenta dificuldade no reconhecimento de faces de amigos, parentes e até sua própria face.




As causas mais comuns são: psicoses, demência, traumatismo crânio-encefálico.

A prosopagnosia envolve lesão de áreas ventromediais occipito-temporais que são importantes no reconhecimento consciente de faces que seguem informações da memória associada.




Uma das principais alterações neurofisiológicas da prosopagnosia é a redução da ativação do fluxo sanguíneo no giro fusiforme visto pela Ressonância Magnética Funcional (fRNM).





O reconhecimento da face humana localiza-se na área fusiforme da face (FFA) no Giro Fusiforme, entre os lobos temporais e occipital, notadamente no lado direito do cérebro. (McCarthy et al., 1997).

Como o cérebro processa as informações do ambiente e reconhece rostos? Existem algumas teorias surgidas com o advento das neurociências cognitivas. O mais conhecido e acreditado é o modelo de Bruce e Young, formulado em 1966.

O modelo cognitivo do reconhecimento de rostos

O modelo mais conhecido foi desenvolvido para a síndrome de Capgras, desenvolvido por Bruce e Young (1986), dois psicólogos cognitivistas britânicos, como uma incapacidade de acesso aos “nós de identidade das pessoas”, como uma “agnosia de identificação”, mas mantendo preservado o reconhecimento dos rostos. (Figura 1).

Figura 1 – Modelo cognitivo de reconhecimento de rostos, segundo Bruce e Young, 1986;
Hodges, 1994. A prosopagnosia seria causada por lesão em A. (Adaptado de Gil, 2002).


Bruce e Young desenvolveram o modelo cognitivo de reconhecimento dos rostos, após estudos clínicos com pacientes portadores de prosopagnosia. Neste modelo, após realizada a análise visual, os rostos são identificados em decorrência da possível existência das unidades de reconhecimento específico de rostos. Eles se comportariam como um estoque memorizado de rostos conhecidos que, logo após, seriam ligados aos centros de identidade das pessoas, ou conjunto dos conhecimentos necessários à individualização das pessoas. Esses centros de identificação estariam ligados à memória semântica geral. Em caso de lesão das unidades de reconhecimento dos rostos (prosopagnosia), os pacientes poderiam emparelhar os rostos e identificar expressões faciais, por que esse é um tratamento independente, diretamente vinculado ao sistema semântico. Informações visuais (óculos, barba, etc.) ou extravisuais permitiriam que um paciente portador de prosopagnosia reconheça certos rostos, porque essas informações estão diretamente ligadas aos códigos de identidade das pessoas. Em certas agnosias visuais e na afasia óptica, os rostos são reconhecidos mas não são denominados pelo canal visual, o que realiza uma desconexão visuoverbal, que deve ser distinguida da anomia dos nomes próprios, que não depende do canal sensorial usado.

A prosopagnosia não deve ser confundida com uma síndrome amnésica, já que nesta a memória dos fatos antigos é conservada e o paciente se lembra das pessoas que conheceu há muito tempo, o que não ocorre na prosopagnosia. Já foi observado num amnésico o não reconhecimento de fotos de pessoas famosas e familiares, sendo que na múltipla escolha, a pessoa famosa era identificada: essa dissociação pode sugerir a existência de dois tipos de representações de pessoas conhecidas, uma puramente mnêmica, outra que corresponderia às unidades de reconhecimento de rostos e que permitiria os julgamentos de familiaridade. Ao final deste tema, vamos apresentar os modelos teóricos desenvolvidos por psicólogos cognitivistas sobre reconhecimento de rostos e como podemos diferenciar quadros como Capgras e prosopagnosia.

Posteriormente, ao desenvolver essa idéia, surgiu o modelo de Ellis e Young (1990), com o duplo sistema de tratamento das informações sobre o rosto. Em sua hipótese, os portadores da síndrome de Capgras podem ter uma “imagen-espelhada” da prosopagnosia, isto é, suas capacidades conscientes de reconhecimento operam corretamente, mas pode ocorrer uma lesão na sua habilidade emocional de reconhecer pessoas. Esse fenômeno poderia levar à sensação de reconhecer o rosto de alguém, mas, ao mesmo tempo, sentem que “alguma coisa não está certa” com essa pessoa, pois estaria “faltando alguma coisa” (Souza, 2004).

Nesta teoria, Ellis e Young sugeriram a presença de um duplo tratamento visuolímbico hemisférico direito: um deles, de processamento ventral, que conecta o córtex visual ao córtex ínfero-temporal, ao hipocampo, à amígdala e, em seguida, ao córtex fronto-orbital; e o outro, de processamento dorsal, que conecta o córtex visual ao córtex parietal inferior, ao giro do cíngulo e ao córtex frontal dorsolateral (Gil, 2002) (Figura 2).


 
Figura 2 – Esquema do processamento das informações para reconhecimento de rostos familiares, segundo Ellis e Young (1990) (ver texto). (Adaptado de Gil, 2002).


A via ventral coordenaria o reconhecimento consciente, isto é, semântico, e um compromentimento nessa estrutura produziria a prosopagnosia. A via dorsal processaria a informação ligada à emoção referente aos rostos e estaria comprometida na síndrome de Capgras. Dessa forma, a má identificação da síndrome de Capgras não se vincularia a um déficit do reconhecimento dos rostos, mas a um déficit no conteúdo emocional que lhe é próprio. Após os avanços na neurobiologia desses circuitos, verificou-se que as emoções vinculadas à identificação de rostos seria uma das maneiras de compreender a razão de um ente querido muito próximo ser considerado um sósia, ou um impostor. De forma bem diferente desse processamento, a prosopagnosia poderia comprometer o reconhecimento consciente ou semântico, preservando as emoções vinculadas aos rostos dos parentes muito próximos. (Gil, 2002) (Figuras 3 e 4).  



Figura 3 - Mecanismo neural hipotético do reconhecimento de rostos em um indivíduo normal: um trata das informações semânticas do rosto observado e o outro trata das informações emocionais.  Caso haja desconexão entre os dois sistemas que tratam as informações faciais pode ocorrer a perda do sentimento de familiaridade ao passo que o reconhecimento é mantido (Baseado em Ellis e Young, 1990).

Figura 4 – Modelo de rompimento hipotético no processamento do reconhecimento de rostos. Comparação do que ocorre na prosopagnosia e na síndrome de Capgras. (Baseado em Bruce e Young, 1986; Ellis e Young, 1990; Hodges, 1994).

Para saber mais, leia em: Corrêa, A.C.O. Memória, Aprendizagem e Esquecimento. A memória através das neurociências. Rio de Janeiro. Ed. Atheneu, 2010.


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