sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Cognição e Envelhecimento



 
Cognição e envelhecimento 

As pesquisas sobre cognição apresentam um dos registros mais longos e produtivos na psicologia do envelhecimento (Schaie, 1990; Siegler, 1980).
 
Estudo longitudinal de Seattle (Willis e Schaie,1986)

Os estudos revelaram um alto grau de regularidade no funcionamento intelectual ao longo dos anos da idade adulta.

As capacidades cristalizadas ou conhecimento adquirido no curso do processo de socialização tendem a permanecer estáveis durante a vida adulta. As capacidades fluidas (envolvidas na solução de problemas novos) tendem a declinar gradualmente, da juventude até a velhice.

As doenças exercem efeitos profundos sobre o funcionamento intelectual.

Efeitos do treinamento cognitivo:

Um grupo de sujeitos, com idade média de 72,8 anos (faixa de 64-95 anos) foi classificado como “estável” ou como “em declínio” ao longo de um período de 14 anos, em medições de raciocínio indutivo e orientação espacial.

Estudo longitudinal de Seattle (Willis e Schaie,1986)

Efeitos do treinamento cognitivo:

Dos 107 sujeitos:

46,7% estavam estáveis
31% haviam declinado em uma medição
21,8% declinaram em ambas as medições.

Foi criado um programa para oferecer treinamento na capacidade que havia apresentado declínio.

Tanto o grupo estável quanto aquele em declínio beneficiaram-se igual e significativamente do treinamento.

O grupo de indivíduos em declínio retornou aos seus níveis originais, enquanto o estável melhorou além de seus níveis originais de desempenho.

Esses resultados indicam claramente que o treinamento voltado para tarefas complexas pode ser efetivo até mesmo para pessoas muito idosas.

A implicação desses achados é que um indivíduo idoso, muito além da idade da aposentadoria, pode ter a opção de permanecer na força de trabalho, se quiser, e pode obter um treinamento apropriado.

Estudo longitudinal de Duke (1986)

Associação clara entre a saúde física mais frágil (por doença cardíaca ou demência) e o desempenho cognitivo em declínio.

Não há associação clara entre saúde mental em declínio (depressão) e o desempenho cognitivo.

Funções mentais e envelhecimento

Memória
Inteligência
Vontade
Senso-percepção
Atenção
Consciência e esquema corporal
Pensamento
Linguagem
Afetividade

Dificuldade em se fixar a data exata para o início do processo de envelhecimento psicológico e só teoricamente pode ser delimitado

Diferença entre envelhecimento fisiológico (senescência) e envelhecimento patológico (senilidade)
... na prática a fronteira entre senescência e senilidade é imprecisa a ponto de Bourlière afirmar:
“A senilidade não é senão o desembocadouro final dos processos da senescência”.
(Vargas, 1994)

1819 – primeiros estudos sobre alterações psicológicas durante o envelhecimento (Burdach):

- os velhos apresentavam diminuição da habilidade em assimilar conceitos novos e de comportamento eficiente frente a inusitadas e diferentes situações
Funções mentais e envelhecimento

As funções mentais e o estado fisiológico de órgãos e aparelhos quando perturbados obrigam o idoso a constante adaptação.

Todas as transformações dessas funções ligadas ao envelhecimento atingem a personalidade em seu todo e somente podem ser avaliadas distinta e particularmente, sendo difícil agrupá-las, ainda que estatisticamente.
(Vargas, 1994)

Os primeiros estudos da Psicologia Involutiva colocaram em evidência os traços negativos do processo de envelhecimento e foram dominados pela análise da memória e da inteligência.
Posteriormente, ganhou importância a avaliação das demais funções.
(Vargas, 1994)

Memória

Conceito – “É um conjunto de atividades que integram processos biofisiológicos, assim como psicológicos, os quais não se podem produzir atualmente senão porque certos acontecimentos anteriores, próximos ou distantes no tempo, modificaram, de maneira persistente, o estado do organismo”.
G. Oléron

Composição da memória segundo Karl Jaspers (1911)

A capacidade de fixação (ou de notação), isto é, a capacidade de trazer material novo ao reservatório mnêmico, aqui distinguindo-se entre capacidade de aprendizagem (apresentação repetida do material) e capacidade de fixação em sentido mais estrito (apresentação única).

A memória, ou seja, o grande reservatório de disponibilidades permanentes, capazes de vir à consciência em ocasiões apropriadas.
A capacidade de reprodução, vale dizer, aquela que consiste, a dado momento, segundo as circunstâncias, em trazer da memória à consciência certo material.

Memória no idoso

As capacidades de fixação e evocação, consideradas como atos psíquicos, podem estar alteradas ou não, dependendo das condições individuais.

A síntese e as variações do RNA aumentam no homem até os 40 anos, mantêm-se nesse nível por 15 a 20 anos e aos 60 começam a diminuir.

Envelhecimento no nível dos ribossomas que reduz a memória

Redução dopaminérgica e noradrenérgica, com manutenção dos níveis serotonérgicos

Leis que regem o envelhecimento da memória, segundo Ribot (1916)

As lembranças recentes desaparecem antes das antigas.
Na perda da memória há um recuo no passado que se opera progressiva e uniformemente.
Noções complexas são esquecidas em primeiro lugar.
A marcha involutiva da memória caminha do instável para o estável, das noções abstratas para as concretas.

Memória e envelhecimento

Em modelos experimentais  os mecanismos da memória a longo prazo (consolidação e busca da memória) parecem mais comprometidos do que aqueles ligados à aprendizagem (Gold e MacCaugh, 1975).
Algumas das modificações comportamentais presentes nos indivíduos idosos podem depender de alterações dos sistemas hormonais e da neurotransmissão central responsável pela modulação das funções mnésicas.
(Scapagnini, 1986)

 “A capacidade de registrar uma experiência geralmente não está prejudicada, exceto nas demências mais severas. A retenção, por outro lado, pode ser bloqueada tanto por angústia psíquica como por disfunção cerebral. Ausência de retenção é especialmente relevante aos dados insignificantes freqüentemente levantados em um exame mental...”  (Dan Blazer, 1992).

Os distúrbios de lembrança podem ser testados diretamente de inúmeras formas. As mais comuns são testes de orientação para tempo, lugar, pessoa e situação (...) Alguns idosos podem estar isolados por prejuízo sensorial ou isolamento social, e, portanto, uma orientação deficiente representaria mais o ambiente físico e social do que disfunção cerebral. (Dan Blazer, 1992).

Algumas pesquisas têm demonstrado que a memória recente para números é pouco afetada nas pessoas idosas, enquanto a habilidade de reter e recordar algum conhecimento e experiência recentemente adquiridos sofre grande prejuízo
A fixação e a conservação das lembranças submete-se a duas condições específicas:

condições fisiológicas: a capacidade de fixar e de conservar as lembranças depende de determinadas condições orgãnicas, que são variáveis de indivíduo para indivíduo. Em geral, as crianças, dotadas de uma grande plasticidade orgânica, fixam mais facilmente as lembranças do que os velhos. Se não conservam uma tenciadde igual, isto advém sobretudo da falta de certas condições psicológicas (atenção e organização lógica, principalmente), que compensam no adulto a inferioridade dos meios orgânicos. Todavia, quando as impressões sensíveis têm uma intensidade especial, as lembranças são fixadas e conservadas pelas crianças, com uma notável tenacidade: é o que explica o fato de que o velho possa evocar com uma exata fidelidade as lembranças relativas a sua infância, enquanto que não é capaz de fixar e de conservar as lembranças dos acontecimento recentes...

a) Também a influência do estado físico geral: a fadiga, a debilidade nervosa prejudicam mais ou menos a aptidão de fixar e conservar as lembranças;

b) condições psicológicas: são poucas as faculdades a que se posssa melhorar o funcionamento como se faz com a memória, de modo que as condições psicológicas são muito mais importantes. Estas condições podem ser reduzidas a duas principais: a intensidade: uma lembrança se fixa e se consrva tanto mais facilmente quanto seja mais viva a impressão. É esta condição que se procura satisfazer pela atenção e repetição; a oraganização das idéias: as idéias e os sentimentos se fixam e se conservam tanto melhor quanto estejam ligados uns aos outros de maneira mais lógica. É por isso que a intervenção da inteligência na organização das lembranças é um fator importante de sua conservação (Régis Jolivet,)

Peculiaridades do comportamento afetivo do idoso

O comportamento do idoso depende mais do que em qualquer idade das motivações e significados pessoais que recebe mais profundamente

Mesmo que o idoso tenha conservado sua saúde física e psíquica em bom estado, a imposição de uma aposentadoria ou a percepção de uma marginalização social pode imprimir-lhe uma decadência afetiva próxima à depressão quando o idoso sofre uma enfermidade física, a vivência desta pode influenciar seu tônus afetivo e tanto a enfermidade quanto esse tônus afetivo poderão ser permanentes, ao contrário do jovem onde a enfermidade como a reação afetiva serão passageiras, como estranhas ao seu corpo e a sua personalidade.

As conseqüências do envelhecimento das estruturas do sistema nervoso são sentidas rapidamente na disfunção do sistema vegetativo e neuro-hormonais que modulam as respostas emocionais.

Conforme a teoria de Cummings do desligamento ou desprendimento social, sobressai a indiferença por laços afetivos, que podem chegar a ser mínimos ou nulos. O idoso volta-se para si mesmo, reduz o alcance de seu interesse pelo meio que o circunda e em conseqüência perde a sensibilidade afetiva e muitos antigos impulsos não lhe são mais motivadores.

A associação de uma deterioração neurológica, de etiologia vascular-cerebral sobretudo, faz constatar uma indiferença afetiva com incontinência emotiva ou labilidade afetiva em situações impensáveis, que pode chegar a atingir um matiz infantil.

Poitrenaud assinala que, com a idade as modificações afetivas e caracteriais são menos fáceis de auto-apreciar, auto-perceber do que as mudanças na esfera cognitiva.

As modificações afetivas mais frequentes são observadas nos neuróticos, com suas queixas hipocondríacas que com a ansiedade acompanham as mudanças de caráter e de comportamento. Um acontecimento sem importância, uma mudança no meio amabiente pode motivar uma reação afetiva, com predominância de solidão, porém nem sempre relacionada à situação real de isolamento.

O comportamento afetivo e a resposta ou controle da emoção são expoentes da capacidade de reação de um idoso, assim como a situação de suas reservas físicas e do grau de equilíbrio de sua personalidade através de sua expressividade psicológica.

As reações afetivas muito intensas em um indivíduo idoso podem acarretar importantes prejuízos, ao haver perdido a adaptação rápida ou flexibilidade social ante a impactos emocionais, a que são vulneráveis os idosos, que  em sua evolução podem desencadear crises, quer de situações de tensão muito prolongadas ou fortes, podem precipitar o começo de uma patologia, a que sem dúvida estão predispostos.

O indivíduo em processo involutivo, quase como regra geral, é muito emotivo mas pouco afetivo.

Neuropsicologia e envelhecimento

A literatura psicométrica e neuropsicológica apóia a noção de um maior declínio nas funções do hemisfério direito, comparadas com as do hemisfério esquerdo (Albert e Kaplan, 1980; Lisz, 1978; apud Siegler et al., 1999).

Entretanto, experimentos laboratoriais controlados revelaram poucas ou nenhuma diferença etária (Borod e Goodglass, 1980, Nebes et al., 1983).

Permanece, entretanto, a questão acerca de se existe um declínio diferencial no processamento espacial com o aumento da idade.

Será que o prejuízo observado é um resultado de declínio diferencial biologicamente determinado no hemisfério direito ou será que esse declínio é devido a um problema de uso diferencial das funções do hemisfério direito, comparado com o hemisfério esquerdo, ao longo do período de vida ?

Testes do funcionamento do hemisfério direito nem sempre predizem problemas do cotidiano espacialmente relacionados.

Em um estudo que examinou a eficiência de trajetos para compras dentro de supermercados verificou-se que as capacidades psicométricas de um indivíduo, não importando o grupo etário, pareciam ser previsoras mais pobres da eficiência nas compras (Kirasic, 1989).

Estudos neurocomportamentais para avaliar as diferenças entre mudanças normais da idade e os efeitos das doenças:

Avaliação longitudinal

Verificação neuropatológica

Neuroimagem

Os estudos das alterações cognitivas têm se concentrado sobre a memória, intelecto e atenção.

Baterias de testes neuropsicológicos evidenciaram pouco declínio generalizado na função cognitiva antes dos 80 anos.

Declínios significativos eram vistos na memória visual de curto prazo, aprendizagem de dígitos em série e reconhecimento facial.

As funções de construção, velocidade do processamento de informações e processamento perceptual não verbal são vulneráveis ao envelhecimento.

Estudos com o WAIS, WAIS-R revelaram declínio seletivo no desempenho não-verbal e estabilidade relativa nas capacidades verbais com o avanço da idade.

Hipóteses aventadas para esses achados:

Mudanças degenerativas associadas

com a idade são lateralizadas para o

hemisfério direito.

Lesões no hemisfério direito produzem uma discrepância entre o desempenho verbal e não-verbal similar àquela vista em indivíduos que envelhecem (Benton, 1994; Lezak, 1983).

Hipóteses aventadas para esses achados:

Outros autores, entretanto, não concordam e observam que os estudos  neuroanatômicos e de neuroimagem de adultos idosos normais não demonstram uma deterioração preferencial das estruturas do hemisfério direito.

Muitos investigadores apontam que os subtestes não-verbais do WAIS/WAIS-R, usados como evidência de função do hemisfério direito, são confundidos por seu uso da velocidade de respostas, não os tornando adequados para comparações de integridade entre hemisfério direito  e esquerdo (Mittenberg et al., 1989). 

Modelo de Cattel: inteligência “fluida” e  “cristalizada”:

As capacidades intelectuais fluidas  (capacidade para a solução efetiva de novos

problemas) são afetadas pelo envelhecimento. As capacidades cristalizadas  (informações superaprendidas, há muito mantidas, geralmente de natureza verbal) são estáveis durante esse período de vida. 

Dois estudos, entretanto, baseados em análise fatorial de avaliações neuropsicológicas sugerem que outros fatores podem explicar melhor as mudanças relacionadas à idade no desempenho, como a velocidade do processamento de informações.  

Estudos da psicologia cognitiva revelam que nenhuma lateralização hemisférica é prevista pelos modelos de prejuízo na inteligência fluida ou de velocidade do processamento de informações.

Os processos cognitivos como solução de novos problemas, atenção e integração perceptual-motora têm sido atribuidos na literatura neuropsicológica à função do lobo frontal (Benton, 1994; Lezak, 1983).

Evidências convergentes da neuropsicologia e da psicologia cognitiva:

o envelhecimento normal envolve declínios específicos no neocórtex do lobo frontal e estruturas cerebrais subcorticais interconectadas.

Mudanças neuropsicológicas relatadas no dano ao lobo frontal têm sido observadas no envelhecimento normal.

Outras alterações cognitivas (esquecimento rápido) tipicamente associadas com doença de Alzheimer e disfunção do lobo temporal medial não são típicas do envelhecimento normal.

Investigadores têm relatado reduções pronunciadas no fluxo sangüíneo e no volume do lobo frontal em populações idosas, enquanto outros relatam atrofia cerebral generalizada e diminuições no fluxo sangüíneo cerebral.

Desmielinização das estruturas cerebrais subcorticais periventriculares também é comum no envelhecimento e está associada com sinais de prejuízos no lobo frontal no exame neuropsicológico.

Estudos histopatológicos mostram declínio seletivo do lobo frontal no 

cérebro que envelhece.

A perda celular mais significativa é  identificada nos giros temporais frontal

superior, pré-central e superior. 

Conclusões dos estudos da psicologia cognitiva sobre o envelhecimento

Não mais perguntamos se as pessoas idosas podem aprender, mas em vez disso indagamos:

“Qual é o meio mais efetivo de ensinar às pessoas idosas as coisas que desejamos que aprendam?”

Conclusões dos estudos da psicologia cognitiva sobre o envelhecimento

As capacidades de aprendizagem das pessoas mais velhas são maiores e mais plásticas do que se pensava anteriormente.

 Há uma associação entre a competência cotidiana (avaliada como independência em atividades da vida diária) e saúde tanto física quanto mental.

(Willis, 1991).

 

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