terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Psicologia do Envelhecimento



Foto: Scientific American, nov. 1999.

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas, e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por conta desta mudança
tão simples, tão certa, tão fácil
Em que espelho ficou perdida
a minha face?

                                 Cecília Meirelles (“Retrato”).  In: Flor de Poemas.

                               “Vieillir, c’est encore le seul moyen que l’on ait  
                                trouvé pour vivre longtemps”.  
                                            
                                               Sainte-Beuve 
     
                                               (“Envelhecer, é ainda a única forma 
                                       encontrada para se  viver longamente”).
  


Envelhecimento Normal

O tema do envelhecimento tem sido no decorrer dos séculos um dos mais penosos para a humanidade. Quando jovens, nos julgamos eternos, jamais pensamos em nosso próprio envelhecimento. Quando ultrapassamos a barreira dos 40 anos, já começamos a nos preocupar com os primeiros cabelos brancos, as primeiras rugas, os esquecimentos que teimam em nos rodear e passam as nos acompanhar como sombras malignas. Sentimo-nos fragilizados e impotentes. Muitas vezes, a reação é a negação. Negamos que estamos envelhecendo. Negamos que nossa musculatura vai lentamente se atrofiando e se transformando em massas de gordura. Negamos a queda de nossa resistência física e de nossa performance sexual. Negamos que nossa capacidade intelectual vai se reduzindo, lentamente mas vai, que nossa agilidade mental, nossos reflexos, também vão se reduzindo. Recusamo-nos a olhar para a frente na tentativa de vislumbrar uma luz lá no fim do túnel, pois não se trata de uma luz: lá se encontra a morte.  E, acima de tudo, muitos de nós, além de negar, voltamos ao passado, tentando, em vão, buscar uma juventude perdida há algum tempo. E aí mora o perigo. Podemos nos tornar ridículos e hilários. O mundo está repleto de exemplos que tais.
O enfrentamento do processo de envelhecimento, um fenômeno universal, requer certa dose de sabedoria para que seja bem sucedido. É preciso humildade e aceitação para que não enveredemos por um mundo de depressão, um mundo sem luz, que pode não ter retorno.
Mas, o que é o envelhecimento? Filósofos, cientistas, artistas têm tentado retratá-lo no decorrer dos séculos. Principalmente nas últimas décadas, quando o mundo passa por um vertiginoso processo de envelhecimento populacional, o tema tem se tornado recorrente. Tornou-se uma das peças de resistência de diversas áreas, principalmente da Gerontologia, a ciência que estuda o envelhecimento.
Várias são as definições do envelhecimento. Vamos a algumas das mais conhecidas, formuladas por autores consagrados da Gerontologia internacional.
Para Kane e colaboradores (1985, apud Vargas, 1994), envelhecer é um tempo de perdas, perda do papel social (geralmente através da aposentadoria), perda de dinheiro, perda de amigos e parentes (através da morte e mobilidade). Pode ser também uma época de temor: medo pela segurança pessoal, pela insegurança financeira, de dependência.  
Para a maioria dos biólogos que estudam o envelhecimento, ele é o fenômeno biopsicossocial que atinge o homem e sua existência na sociedade. Manifesta-se em todos os domínios da vida, inicia-se pelas células, passa aos tecidos e órgãos e termina nos processos extremamente complicados do pensamento. 
O prof. Heber Soares Vargas, pioneiro da Psicogeriatria no Brasil, dizia, em 1994, que o envelhecimento se inicia com o término do desenvolvimento e se estende por dois terços da vida e, principalmente, através da perda funcional de todos os sistemas. 
Desde o início do século XX os estudiosos dividem o envelhecimento em dois tipos:

Senescência (ou envelhecimento primário);

Senilidade (ou envelhecimento secundário).

De acordo com um dos mais importantes estudiosos da segunda metade do século XX, o prof. Ewald Busse (1994), renomado psiquiatra geriátrico norte-americano, o envelhecimento primário (senescência) é um fenômeno universal, intrínseco ao organismo e os fatores decrementais são determinados por influências inerentes ou hereditárias. A taxa de envelhecimento varia amplamente entre os indivíduos. Cada pessoa tem um envelhecimento diferenciado dos seus contemporâneos. Uns envelhecem de forma mais saudável que outros, mas sem que se possa identificar qualquer doença entre eles.
Para o prof. Busse, o envelhecimento secundário (senilidade) é caracterizado pelo aparecimento de defeitos e incapacidades que são causados por fatores hostis no ambiente, incluindo traumatismo e doença adquirida.
Distingue o cientista, entre aqueles que passam pelo processo do envelhecimento normal, duas modalidades: o bem sucedido e o usual.
O envelhecimento bem sucedido é composto por um grupo de pessoas que demonstram perdas mínimas associadas à idade em uma determinada função fisiológica (função imunológica, densidade óssea, tolerância a carboidrato, função renal, função cognitiva, etc.). É também conhecido como “Envelhecimento com sucesso”.  É um grupo que representa uma porção pequena, mas potencialmente crescente da população global em processo de envelhecimento (Busse, 1994).
Já o grupo que passa pelo envelhecimento usual é composto por pessoas que apresentam prejuízos significativos comparado com o das pessoas mais jovens, mas não são qualificados como doentes.  Eles apresentam grandes diferenças entre os indivíduos.  As pessoas com o maior “efeito da idade” têm risco aumentado para o surgimento de uma doença ou incapacidade específicas (Busse, 1994).
Nos estudos dessas questões uma das mais importantes áreas é a que avalia a psicologia do envelhecimento. É uma área fronteiriça à Gerontologia e à Psicologia conhecida como Psicologia do Desenvolvimento ou Evolutiva. Desde a Antiguidade, filósofos têm escrito sobre esse fenômeno. E para seu conhecimento, já afirmavam que se faz mister que vejamos o homem como uma unidade, corpo e mente. Sócrates foi um deles, no quarto século a.C. É conhecida sua afirmação de que “Em um aspecto estão os bárbaros trácios mais adiantados que os civilizados gregos: no saber que o corpo não pode ser curado sem curar-se a alma. Eis a razão por que os médicos da Hélade desconhecem a cura de muitas enfermidades: porque ignoram o homem como um todo” (apud Vargas, 1994).
Segundo o gerontólogo J. Pikunas, em seu clássico livro Desenvolvimento Humano – Uma Ciência Emergente, de 1979, a Psicologia do Desenvolvimento ou Evolutiva teve seus alicerces teórico-científicos formulados no século XIX, com o objetivo de estudar as mudanças físicas, morais, intelectuais e emocionais no organismo e a personalidade humana como função da idade. Ela dedica-se a um aspecto desta busca de conhecimento; procura o entendimento e o controle dos processos básicos e da dinâmica subjacente ao comportamento humano nos vários estágios da vida (apud Vargas, 1994).
Um dos estudos mais fascinantes na Psicologia do Desenvolvimento é o que se refere ao desenvolvimento da personalidade. Para o psicólogo e estudioso do desenvolvimento humano norte-americano K. Warner Schaie, autor de outro livro clássico intitulado Human Development and Family Studies, de 1978, o desenvolvimento psicológico da personalidade se dá em etapas bem definidas:

1- aquisitivo (infância, adolescência),
2- realizador (adulto jovem),
3- responsável e executivo (meia idade),
a- componente responsável
b- capacidades executivas
4- reintegrativo (velhice).
                                                                                                           

Schaie diz que durante o período de vida há uma transição de: “o que devo saber”, passando por: “como devo usar o que sei”, para: “por que sei”, configurando uma passagem gradativa para padrões mais elevados de maturidade.

Esta é uma área do conhecimento de avanços muito recentes. Foi na década de 1980 que houve uma consolidação nos estudos da psicologia do envelhecimento, quando as pesquisas se aprofundaram em áreas como a memória e a personalidade. Tais avanços coincidiram com o boom de conhecimentos na psiquiatria geriátrica, inicialmente na Europa Ocidental, posteriormente nos Estados Unidos e Canadá. Também coincidiu com espetaculares avanços no conhecimento de ciências como as das neuroimagens, da neuropsicologia e na psicologia da saúde.

Dois dos maiores pesquisadores da área do envelhecimento e personalidade foram o basco, naturalizado suíço, Julian de Ajuriaguerra, da Universidade de Genebra, e U.M. Vischer, da Universidade de Basiléia. Após detalhados estudos na psicologia do envelhecimento, estes autores concluíram que as necessidades básicas do idoso são as mesmas do adolescente: necessidade de amor, calor familiar, segurança interior e exterior e necessidade de ser útil aos demais.

 
Julian de Ajuriaguerra (1911-1993)


Conforme dois dos grandes gerontólogos da atualidade, os norte-americanos J. Birren e W. Cunningham, em 1985, que publicaram um capítulo em obra clássica: Research on the psychology of aging, principles, concept and theory (In: J. Birren e K. Shaie. Handbook on the Psychology of Aging. Van Nostrand Heinhold Company. New York, 1985), a psicologia do envelhecimento está envolvida com o estudo das diferenças e modificações no comportamento que ocorrem com a idade e com os padrões de comportamento que pessoas distintas, em diferentes idades e períodos de tempo, apresentam. Entretanto, como assinala Paul Baltes, outro dos grandes gerontólogos contemporâneos, todas as teorias existentes sobre o envelhecimento e desenvolvimento psicológico são incompletas e consideradas “prototeóricas”.

Psicologia involutiva

A involução é um processo que pode reduzir e/ou ampliar os recursos psicológicos, os traços de personalidade e as necessidades biológicas do indivíduo. O organismo busca, de uma forma global, a auto-regulação e controla as transformações de funções e órgãos, além de avaliar a fragilidade progressiva e crescente de algumas áreas, em particular da performance psicológica.
Segundo Jiménez Herrero, em decorrência das interações entre o indivíduo e seu meio ambiente, há uma contínua elaboração da personalidade, não estritamente biológica e nunca estática. Em função disso, a atividade mental é sempre modificada, intimamente ligada à saúde do indivíduo e de seu interesse. Para ele, as bases dessa transformação se apoiam nos eventos de vida passados, nos acontecimentos e nos comportamentos da infância, adolescência e vida adulta (apud Vargas, 1994). Isso pode ajudar ou não a adaptação e o ajustamento do indivíduo na velhice. Pode-se concluir daí que o homem é na velhice o que foi na juventude na idade adulta.
Quanto à questão crucial e preocupação básica, tanto das pessoas voltadas para o tema, quanto dos pesquisadores, acerca das modificações da personalidade no envelhecimento, muito conhecida é frase lapidar de Julian de Ajuriaguerra: “Envelhece-se como se viveu” (On vieillit comme on a vécu). Nada mais correto para se expressar todo o processo psicológico que acompanha o envelhecimento, já que as mudanças surgidas durante esse longo período não ocorrem porque o indivíduo ficou velho ou está velho, mas pelo que viveu, como viveu e como vive.

A personalidade no envelhecimento

Existem muitos dados importantes no desenvolvimento da personalidade do indivíduo senescente que devem ser observados. Os traços de personalidade e as capacidades fisiológicas podem aumentar ou diminuir com o passar dos anos. Os que aumentam, ou se acentuam, podem chamar mais a atenção das pessoas, mas podem ser positivos ou negativos, conforme a situação. Devemos estar atentos também para os que se reduzem. Christian Müller e Wertheimer (1968), da Universidade de Lausanne, na Suíça, apontaram os traços que se acentuam com o tempo:
1-   Os traços de caráter fundamentais não podem mais ser integrados harmoniosamente em um conjunto;
2-   O indivíduo, que antes era prudente, torna-se, muitas vezes, com a idade, avarento e desconfiado;
3-   Indivíduos extrovertidos e brincalhões podem, frequentemente, tornar-se faladores e inconvenientes;
4-   Indivíduos tímidos podem tornar-se hipocondríacos.
Entre os traços que se reduzem com o passar dos anos são apontados os seguintes:
1-   Diminui o interesse do indivíduo pelo ambiente;
2-   Diminui a força para se interessar pelas coisas novas, limitando-se o indivíduo à sua força interior;
3-   Há uma deterioração intelectual gradual e progressiva, o que compromete mais as funções executivas que as verbais;
Um dos mais importantes estudiosos da psicologia do envelhecimento foi o brilhante psicólogo britânico-americano Raymond Bernard Cattell (1905-1998). Em 1987, ele formulou sua teoria, hoje conhecida em todo o mundo, da existência de duas personalidades: a fluida e a cristalizada. Na personalidade fluida encontramos uma boa adaptação a novas situações, boa formação de novas relações associativas e conceituais, boa capacidade na execução de atividades que exijam força e rapidez, facilidade em conceber novos modos de relacionamentos e adquirir novos conhecimentos. É a personalidade típica das pessoas jovens. Na personalidade cristalizada ou estável encontramos boa utilização da experiência e dos hábitos, ampliação de associações em torno de um núcleo conceitual preexistente, boa conservação das capacidades para enfrentar os trabalhos que requerem paciência e precisão, boa capacidade para aplicar com sucesso os conhecimentos e hábitos adquiridos. É a personalidade típica das pessoas idosas.


Raymond Cattell (1905-1998)


Para Cattell, com o envelhecimento há um declínio da atitude de fluência e preservação ou aumento da atitude de cristalização. Ocorre uma transformação da personalidade que se estende aos sentimentos, aos interesses e aos valores. O mundo interior adquire maior interesse e valor, ao passo que o mundo exterior deixa de ser interessante e valioso. Isto, no dizer de Lopez-Ibor, é a “criação de um novo mundo interior”.
A personalidade cristalizada, segundo Cattell, apresenta algumas peculiaridades, tais como: o pensamento criativo e a faculdade de aprendizagem diminuem; as motivações tornam-se mais monótonas; desaparece a faculdade de se concentrar por muito tempo sobre um tema; a emotividade e a afetividade se enfraquecem; na presença de situações novas o idoso reage de forma rígida e estereotipada; tudo isso pode acarretar apatia e egocentrismo. O gerontólogo alemão, Schindler, definiu estas mudanças como “reagrupamento econômico das forças”.
Para que o idoso não seja submetido a situações muito difíceis e estressantes na sua rotina do dia-a-dia, o gerontólogo argentino Merval Rosa (apud Vargas) sugere: “A preservação da identidade psicológica do indivíduo é de fundamental importância, pois é ela que ajuda o homem a adaptar-se às demandas do mundo externo e a enfrentar com serenidade a perda progressiva da capacidade física e todas as outras limitações impostas pelo processo do envelhecimento”.
No Brasil, na década de 1970, o psiquiatra pernambucano José Lucena (apud Othon Bastos, 1979) relacionou os principais traços psicológicos positivos e negativos que ocorrem no envelhecimento, que relacionamos abaixo.

Traços psicológicos positivos e ascendentes no envelhecimento

Diminui a memória mecânica, instalando-se um sistema mnêmico mais completo que facilita o agrupamento de dados e a comparação dos mesmos. O velho procura evitar o não-essencial;
A percepção perde a rapidez e a agudeza, porém ganha em exatidão, por estar menos exposta às influências das emoções;
       Há maior habilidade e/ou capacidade de enfrentar trabalhos que requeiram paciência e precisão;
Ocorre maior sagacidade no manejo de experiências acumuladas e ampliação das relações já existentes;
Aumenta a habilidade para compensar qualquer mudança desfavorável em sua atividade profissional;
Ocorre boa ordenação automática e inconsciente de suas atividades, permitindo uma utilização adequada das capacidades existentes;
Observa-se maior capacidade de aprendizagem em situações práticas;
Observa-se uma capacidade de compensação e estratégias mais aguçadas;
Ocorre aumento de objetividade, ponderação, equilíbrio e fidelidade;
Ocorre expansão da espiritualidade;
Ocorre aumento da fase sexual plateau, isto é, um prolongamento do período que antecede o orgasmo, aumentando a percepção prazeirosa no relacionamento sexual.


Traços psicológicos negativos e descendentes


Os traços que vamos apresentar abaixo não são necessariamente encontrados em todos os idosos, mas a frequência de seu achado nesta população é elevado.
Observa-se atitude hostil ante o novo (misoneísmo), lentidão de todos os processos fisiológicos e fadiga, diminuição da vontade, das aspirações e da atenção, enfraquecimento e diminuição da consciência em relação ao ambiente e com a consequente redução dos interesses, observa-se grande apego ao conservadorismo e ao passado, com uma grande tendência em idealizá-lo, observa-se deterioração gradual da memória, diminuição global do rendimento intelectual, acompanhado da percepção das próprias dificuldades na aquisição de conhecimentos novos, aumento da desconfiança, susceptibilidade, irritabilidade, autoritarismo, avareza, indocilidade, rigidez e isolamento, observa-se estreitamento da afetividade, retardamento da fase sexual de ereção, redução da capacidade de controle dos afetos, a depressão ocorre com mais frequência que em outras etapas da vida, maior propensão ao isolamento, observa-se tendência em ocupar-se perseverativamente dos mesmos temas e a recusa em aceitar o próprio envelhecimento e em reduzir seu estilo de vida a suas possibilidades.


Estágios do desenvolvimento segundo Jean Piaget


Jean Piaget (1896-1980)


Os estudos de Julian de Ajuriaguerra sobre o envelhecimento levaram-no a propor a teoria de que ocorre na velhice um processo inverso àquele apresentado no desenvolvimento da personalidade da criança. À medida que o indivíduo vai se tornando mais idoso, ele vai regredindo para situações que vivenciou quando de sua evolução infantil. A regressão é gradual. A título de sumário, bem simplificado, recordemos as fases da evolução da personalidade da criança:
1-   Estágio sensoriomotor (do nascimento até 2 anos) -
Coordena a informação sensoriomotora com os movimentos corporais. Observa-se que a maior realização é a permanência do objeto no campo visual (a criança acompanha com interesse o que vê e manifesta-se emocionalmente). Observa-se a compreensão de que um objeto continua a existir mesmo quando não pode ser visto ou tocado.
2-   Estágio pré-operacional (de 2 a 7 anos) –

É focalizado nas limitações do pensamento da criança. Nesta idade, a criança não pode raciocinar e não realiza certas operações. Observa-se que certas ações mentais são cognitivamente reversíveis. A criança é egocêntrica. Vê o mundo somente através de seu ponto de vista. Apresenta incapacidade de perceber o mundo do ponto de vista de outra pessoa e ainda não desenvolveu o conceito de conservação. Observa-se a compreensão de que as propriedades físicas dos objetos podem permanecer as mesmas até quando suas formas físicas mudam. No exemplo abaixo podemos acompanhar o raciocínio de uma criança neste período:

Tarefa da “Conservação do líquido”




Tarefa da “Conservação de substâncias e números”




Estágio de operações concretas: de 7 a 12 anos -

O pensamento das crianças continua a se robustecer com experiências concretas e conceitos, mas elas não podem entender a conservação, reversibilidade, causa e efeito.
Estágio de operações formais: de 12 anos até a vida adulta -
Os adolescentes são capazes de raciocínio abstrato, como, por exemplo:
- Compreensão de que as idéias podem ser comparadas e classificadas.
- Raciocínio sobre situações que não foram pessoalmente experimentadas.
- Pensar sobre o futuro.
- Busca sistemática pela solução de problemas.

Para Ajuriaguerra, este último estágio da teoria de Piaget seria o primeiro afetado quando ocorre o envelhecimento. Os demais seriam afetados sucessivamente de forma regressiva.

Outro grande psicólogo a desenvolver uma teoria da evolução do psiquismo, em todo o ciclo da nossa vida, foi o germano-americano Erik Erikson (1902-1994). Tendo recebido sua formação dentro dos princípios psicanalíticos, mas com forte enfoque intercultural, Erikson desenvolveu sua interessante teoria ao acompanhar a evolução da personalidade como um eterno confronto (conflito) entre princípios contrários. A vitória de um princípio ou outro determinará o grau de maturidade e superação da fase anterior. Em todo o desenvolvimento humano há uma interação entre indivíduo, sociedade e história. O desenvolvimento do psiquismo foi dividido em oito etapas, cada uma com seu conflito básico a ser solucionado. Muito sinteticamente vamos aqui rememora-los:

1-   Conflito: Confiança x desconfiança (até 18 meses).
A criança deve passar a acreditar que todas as vezes em que precisar receberá cuidado proveniente de seu cuidador (geralmente a mãe).
Virtude: Esperança.
Resultado positivo: Confiança > Desconfiança.
Resultados negativos: Desconfiança > Confiança; ausência da desconfiança.

2-   Conflito: Autonomia x vergonha e dúvida (até 3 anos de idade).
A criança aprende a guiar o próprio comportamento ou se torna insegura ou passiva.
Virtude: vontade.
Resultado positivo: autonomia > vergonha e dúvida.
Resultado negativo:
Vergonha e dúvida > autonomia.
Ausência de vergonha e dúvida.

3-   Conflito: Iniciativa X Culpa (até 6 anos)
Virtude: Propósito.
Resultado positivo - desenvolvimento de comportamentos ativos e dinâmicos.
Resultado Negativo:
- crença de que é “ruim”, comportamento inibido ou moralmente rígido em relação a si mesmo.
- comportamento audacioso e de risco.

4- Produtividade x Inferioridade (até a puberdade)
Virtude: Competência.
Resultado positivo: crença nas próprias habilidades e competências.
Resultado negativo: senso de inferioridade.

5-Identidade x confusão de identidade (até a fase adulta)
O indivíduo confronta as crenças que tem sobre si mesmo com as crenças que seus pares tem a seu respeito.
Período de mudanças biológicas, psicológicas e sociais intensas.
Necessidade de assumir posturas ideológicas, profissionais, etc.
Virtude: fidelidade.
Resultado positivo: o indivíduo é congruente com as posturas que assume.
Resultado negativo: o indivíduo não é fiel e estável com relação às suas posturas.

        6-Conflito: Intimidade x isolamento (jovem adulto)
Envolvimento em relacionamentos que exigem compromisso e sacrifício de posições pessoais.
Virtude: amor.
Resultado positivo: envolvimento amoroso, relações pessoais profundas.
Resultado negativo: envolvimento superficial e isolamento.

7- Conflito: Geratividade x estagnação (adulto intermediário).
O adulto se envolve com a formação e educação das próximas gerações.
Geratividade: força motriz da sociedade.
Virtude: cuidado
Resultado positivo: cuidado, altruísmo, solidariedade.
Resultado negativo: auto-piedade, improdutividade.

8- Conflito: Integridade x desespero (terceira idade).
Avaliação do que foi feito ao longo da vida (revisão da vida).
Virtude: Sabedoria.
Resultado positivo: reavaliação positiva da vida.
Resultado negativo: desespero, necessidade de ter mais uma chance, medo da morte.
Tendências atuais: aumento da fase 7 e diminuição da fase 8 (Erikson & Hall, 1987).



Erik Erikson (1902-1994)

Algumas observações sobre os conceitos de Erikson (Vargas, 1994)

Conceito de integridade:
Aceitação do próprio ciclo pessoal da vida do indivíduo e das pessoas do seu mundo significativo como algo que tinha que ser e que, por necessidade, não permitia substituição. Significa, pois, um novo e diferente amor aos próprios pais, amor que não exige que os pais sejam diferentes; amor caracterizado pela aceitação do fato de que a vida de cada um é assunto de sua própria responsabilidade.
Parece que a implicação fundamental desse conceito de Erikson é que a integridade do eu se refere à responsabilidade moral perante a vida e uma atitude racional para com a existência de cada um.
O indivíduo que alcançou a integridade do eu tem consciência do fato de que os seus próprios padrões de vida mudaram ao longo do percurso de sua existência, mas, apesar dessa contingência, ele está certo de que sua filosofia de vida é válida para ele.

Embora consciente da relatividade de todos os vários estilos de vida que têm dado significação à luta dos seres humanos, aquele que alcançou a integridade do eu está pronto a defender a dignidade do seu próprio estilo de vida contra todas as ameaças físicas e econômicas, pois ele sabe que a vida de um indivíduo é a coincidência acidental de apenas um ciclo de vida com apenas um segmento da história; e que, para ele, toda a integridade humana permanece de pé ou cai com o estilo de integridade do qual ele participa.
Segundo Erikson, a integridade do eu surge como processo natural resultante dos adequados ajustamentos nas fases anteriores da evolução do homem.  Se em cada fase crítica anterior do processo evolutivo o homem faz os necessários e adequados ajustamentos psicossociais, na velhice a integridade do eu seria o fruto que naturalmente se poderia esperar. É como se a integridade representasse uma espécie de prêmio pelo viver correto e satisfatório do indivíduo.     
Quanto às conseqüências da integridade do eu, além do sentimento de orgulho pessoal e de dignidade da vida que ela proporciona ao indivíduo, a coragem de enfrentar a morte sem medo ou rancor seria um dos frutos mais expressivos desse ajustamento emocional. (Merval Rosa, Psicologia Evolutiva, 1982, apud Vargas, 1994).
A integridade do eu sugere a existência de uma espécie de consolidação da personalidade segundo a qual o indivíduo se torna capaz de enfrentar a própria morte com o máximo de naturalidade. A criança sadia não terá medo de enfrentar a vida, se os mais velhos em quem ela confia tiverem suficiente integridade para não ter medo de enfrentar a morte (Merval Rosa, Psicologia Evolutiva, 1982, apud Vargas, 1994).


OS DEZ MANDAMENTOS DO ENVELHECER BEM
Prof. M. Audier (Geriatra - Paris)

Ativo você ficará a fim de envelhecer agradavelmente.
Você envelhecerá alimentando-se bem para conservar suas forças por muito tempo.
Você usará a cama somente à noite, exclusivamente.
Você se ocupará dos seus lazeres, para se distrair sadiamente.
Você andará o mais frequentemente possível para que seu sangue circule livremente.
Na companhia de alguém você envelhecerá mais agradavelmente.
Você conservará o prazer de viver a fim de viver alegremente.
Você fará projetos para conservar a fé na renovação.
Você se ocupará dos outros a fim de ajudá-los moralmente.
Você consultará o médico duas vezes por ano, assiduamente.
(Extraído de “Pour Rester Jeune” - Centro de Gerontologia do Limusine, França, 1987).

Envelhecer: a visão da psicanálise

Envelhecer não é, portanto, em caso algum, seguir um caminho já traçado, mas pelo contrário construir esse caminho. Antes de tudo, envelhecer não é o “problema” específico de uma faixa etária, envelhecer diz respeito a todas as idades. Em qualquer idade, não devemos nos esquecer disso, a urgência da vida, pelo menos nesse ponto, é a mesma: trata-se de manter-se vivo, ou seja, em especial, de encontrar “vias” de expressão adequadas às exigências de um desejo cuja ilimitação, porém, deve ser combatida sem cessar.
 “No Id, não há nada que corresponda ao conceito de tempo, não há sinal do escoamento do tempo (...) não há modificação do processo psíquico no curso do tempo. Os desejos que nunca surgiram fora do Id, assim como as impressões que nele ficaram enterradas devido ao recalcamento, são virtualmente imperecíveis” (Sigmund Freud, 1932. In: Henri Bianchi, O Eu e o Tempo, 1991.


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