quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

José Guilherme Merquior contesta Michel Foucault




José Guilherme Merquior (1941-1991) foi diplomata, sociólogo, ensaísta e crítico literário brasileiro nascido no Rio de Janeiro. Foi um dos maiores pensadores brasileiros da segunda metade do século XX. O ex-ministro da Educação, Eduardo Portella, o definiu como “a mais fascinante máquina de pensar do Brasil pós-modernista - irreverente, agudo, sábio”, O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss o considerava ‘um dos espíritos mais vivos e mais bem informados de nosso tempo”.
Membro da Academia Brasileira de Letras, escritor prolífico, erudito, polímata, humanista, Merquior estudou no Brasil e no exterior, tendo se doutorado em sociologia pela London School of Economics sob a orientação de Ernest Gellner, tendo sofrido forte influência da escola alemã e austríaca. Diplomata, serviu em Berlim, Londres, Paris e Montevidéu e foi embaixador no México e Representante Permanente do Brasil na Unesco. Foi amigo de Roberto Campos, de quem sofreu grande influência intelectual. Campos afirmava que, na sociologia, Merquior somente pode ser comparado a Gilberto Freyre.
Escrevia em inglês e francês com a mesma fluência exibida com o português. Autor de vasta obra, um de seus mais importantes trabalhos foi “Michel Foucault, ou o nihilismo de cátedra”, de 1985, escrito em inglês e publicado inicialmente na Inglaterra, uma verdadeira obra-prima. Neste livro faz uma das mais devastadoras críticas às teorias do filósofo francês Michel Foucault. Reproduzo abaixo o Capítulo 2 desta seminal obra, necessária para a compreensão de como o filósofo francês “reescreveu” a história da loucura para adaptá-la aos seus princípios marxistas-estruturalistas-gramcistas, que muitos consideram ter representado uma verdadeira fraude intelectual. Dada a influência de Foucault sobre parte da intelectualidade brasileira, particularmente aquela das universidades, aqui vai este preclaro texto de Merquior.


 II. A GRANDE INTERNAÇÃO, OU DU CÔTÉ DE LA FOLIE (Capítulo 2)

O primeiro livro influente de Foucault, publicado em 1961, foi um alentado volume intitulado História da Loucura na Idade Clássica. Nessa obra, Foucault demonstra que o “ discurso sobre a loucura" conheceu no Ocidente quatro fases distintas desde a Idade Média.
Enquanto no medievo a demência era vista como sagrada, na Renascença ela passou a ser identificada com uma forma especial de irônica razão superior — a sabedoria da loucura, do famoso elogio de Erasmo, também presente nos personagens enlouquecidos de Shakespeare ou no cavaleiro tantas vezes sublime de Cervantes. A ambivalência pré-moderna em relação à insânia foi bem expressa no topos da Nau dos Insensatos, que prendeu a imaginação popular na Renascença. Por um lado, por meio do simbolismo da Nau dos Insensatos, o Ocidente pré-moderno exorcizava a loucura, “despachando" seus malucos. Por outro lado, ao que parece, essas embarcações eram vagamente vistas como “naus de peregrinação, navios altamente simbólicos doidos em busca da razão”. A loucura, que não era temida socialmente, e que muitas vezes (como na sátira humanista ou na pintura de Brueghel) desnudava o absurdo do mundo, apontava para um reino de significação além da razão — e assim a loucura era expulsa mas não amputada da sociedade: ao atribuir um papel funcional à insânia, o espírito renascentista se mantinha bastante familiarizado com ela. Eram muitas as pontes, sociais e intelectuais, entre a razão e o desvario. Para o homem do Renascimento, a loucura participava da verdade. De repente, por volta de meados do século XVII, "a loucura deixou de ser — nos Iimites do mundo, do homem e da morte — uma figura escatológica". O navio imaginário transformou-se num lúgubre hospital, e a Europa converteu seus leprosários, há muito desertos, em hospícios. Desde o fim das Cruzadas, o declínio da lepra havia esvaziado os lazaretos — mas agora leprosos morais seriam seus internos:

Ao final da Idade Média, a lepra desaparece do mundo ocidental. As margens da comunidade, às portas das cidades, abrem-se como que grandes praias que esse mal deixou de assombrar, mas que também deixou estéreis e inabitáveis durante muito tempo. Durante séculos, essas extensões pertencerão ao desumano. Do século XVI ao XVII, vão esperar e solicitar, através de estranhas encantações, uma nova encarnação do mal, um outro esgar de medo, mágicas renovadas de purificação e exclusão. (...) A lepra se retira, deixando sem utilidade esses lugares obscuros e esses ritos que não estavam destinados a suprimi-la, mas sim a mantê-la a uma distância sacramentada, a fíxá-la numa exaltação inversa. Aquilo que sem dúvida vai permanecer por muito mais tempo que a lepra, e que se manterá ainda numa época em que, há anos, os leprosários estavam vazios, são os valores e as imagens que tinham aderido à personalidade do leproso; é o sentido dessa exclusão, a importância no grupo social dessa figura insistente e temida que não se põe de lado sem se traçar à sua volta um círculo sagrado.[10]

As frases que acabamos de citar foram extraídas do primeiro capítulo de História da Loucura. Dão uma boa ideia do estilo de Foucault, mescla peculiar de erudição e patos. O brilho literário de sua prosa demonstra aquilo que ele quer ao mesmo tempo narrar e denunciar: o Grand Renfermement {segundo a linguagem barroca da época), a Grande Internação, que procurou domar a insanidade pela segregação dos loucos como categoria associal. Isto porque, durante a "idade clássica", no sentido francês (e foucaldiano) (SIC), que corresponde aos séculos XVII e XVIII, a loucura foi drasticamente isolada da saúde mental. Os lunáticos não eram mais expulsos da sociedade como pessoas "diferentes". Passaram a ser confinados em locais especiais, e tratados em conjunto com outros tipos de transviados — mendigos e criminosos, até mesmo desocupados. Na visão de Foucault, a ética puritana do trabalho não está muito longe de ser apenas uma espécie num gênero: a nova gravidade da burguesia clássica. Para a Renascença, a loucura ainda não constituía uma doença; na idade clássica, ela se tornou uma moléstia ociosa. A razão racionalista lançava sobre a loucura uma maldição "patológica", carregada de conotações éticas.
O clássico hospital psiquiátrico não tinha objetivos psicoterapêuticos: sua preocupação principal, diz Foucault (capítulo VI), era "apartar ou 'corrigir’”. Mas, fora dos hospitais, a idade clássica deu expansão a muitas "curas físicas" da loucura, notáveis por sua brutalidade disfarçada em ciência. Os mais graves resultados derivavam de tentativas tão odientas quanto engenhosas de procrastinar ou destruir a "corrupção dos humores". A loucura, vista como uma forma de deterioração corporal, era atacada por métodos que procuravam ou desviar, externamente, substâncias corruptas ou dissolver, internamente, as substâncias corruptoras. Entre as primeiras estava o Oleum cephalicum, de um certo doutor Fallowes. Acreditava ele que na loucura "vapores escuros tampam os vasos muito finos pelos quais os espíritos animais devem passar. Com isso, o sangue se vê privado de direção, entupindo as veias do cérebro, onde estagna, a menos que seja agitado por um movimento confuso que ‘embaralha as ideias'. O Oleum cephalicum tem a vantagem de provocar 'pequenas pústulas na cabeça', untadas com óleo para impedir que sequem, de modo a permanecer aberta a saída 'para os vapores negros estabelecidos no cérebro'. Mas as queimaduras e cauterizações por todo o corpo produzem o mesmo efeito. Supõe-se mesmo que as doenças de pele, como a sarna, o eczema e a varíola, poderiam acabar com um acesso de loucura. Nesse caso, a corrupção abandona as vísceras e o cérebro a fim de espalhar-se pela superfície do corpo e libertar-se no exterior. Ao final do século, adquiriu-se o hábito de inocular sarna nos casos mais renitentes de mania. Em sua Instruction de 1785, Doublet, dirigindo-se aos diretores de hospitais, recomenda, caso as sangrias, banhos e duchas não acabem com a mania, que recorram aos 'cautérios, aos sedenhos, aos abscessos superficiais, à inoculação da sarna'.
Nem todos os tratamentos durante a idade clássica eram tão cruéis e tão tolos. Ao lado das “terapias” físicas, havia muitas receitas morais, bem documentadas no fartamente ilustrado capítulo “Médicos e doentes” de História da Loucura — verdadeira façanha de erudição descritiva. Entretanto, o ponto principal ressalta cristalino: no Ocidente clássico, nos albores da sua modernidade, a loucura tornou-se apenas uma doença — perdeu a dignidade de ser vista como um desvario significativo.
Então, em fins do século XVIIl e durante a maior parte do século seguinte, as reformas psiquiátrícas, que tiveram como pioneiros o quaker William Tuke, no York Retreat, e Philippe Pinel, em Paris, isolaram os loucos da companhia de mendigos e criminosos. Segundo a visão marxista de Foucault, os pobres deixaram de ser confinados porque o florescente industrialismo necessitava de mão-de-obra e de um exército de reserva. Quanto aos dementes, definidos como pessoas enfermas, seres humanos que padeciam de um desenvolvimento psíquico bloqueado, foram fisicamente libertados (Pinel quebrou as correntes que os prendiam no nosocômio de Bicêtre, durante o Terror, como um gesto simbólico) e colocados sob um regime educacional benigno. No entanto Foucault está convencido de que isso só foi feito para melhor capturar-lhes a mente — tarefa confiada à instituição do asilo. Uma vez no asilo, o insano, agora um paciente posto sob a autoridade do discurso psiquiátrico, passa por um “julgamento" profundamente psicológico, do qual "nunca se é libertado (...) exceto (...) pelo remorso[11] — a tortura moral torna-se a lei da tirania da razão sobre a loucura. No mundo do hospício, argumenta Foucault, antes das reformas psiquiátricas de Pinel e outros, os doidos na verdade gozavam de mais liberdade do que as terapias modernas lhes permitem, uma vez que o tratamento pela “internação clássica” não visava a mudar-lhes a consciência. Seus corpos estavam presos por correntes, mas suas mentes tinham asas — mais tarde cortadas pelo despotismo da razão. Assim, o pensamento ocidental passou a separar firmemente a razão da desrazão. Nas palavras de Foucault, a conversão da loucura em doença, no fim do século XVIII, “rompeu o diálogo” entre a razão e a insânia. "A linguagem da psiquiatria, (...) um monólogo da razão sobre a loucura, só veio a ser estabelecida com base em tal silêncio." A partir daí, "a vida da desrazão" só brilhou nos fulgores da literatura dissidente, como a de Hölderlin, Nerval, Nietzsche ou Artaud. Quanto à psiquiatria humanitária, na esteira de Pinel e Tuke, ela representou nada menos que “um gigantesco encarceramento moral". Além do mais, o asilo espelha toda uma estrutura autoritária — a da sociedade burguesa. Constitui "um microcosmo no qual estavam simbolizados a vasta estrutura da sociedade burguesa e seus valores: relações Família-Criança, centradas no tema da autoridade paterna: relações Transgressão-Castigo, centradas no tema da justiça imediata: relações Loucura-Desordem, centradas no tema da ordem social e moral. Era dessas relações que o médico derivava seu poder de curar”.[12]
Por fim, em nossa própria época, surgiu uma quarta maneira de conceituar a relação razão/loucura. Freud obscureceu a distinção entre saúde mental e insânia ao considerar que a polaridade entre as duas coisas era mediada pelo fenômeno da neurose. No entanto, apesar de sua decisiva suplantação da mentalidade do asilo, Freud conservou um traço autoritário crucial ao entregar os mentalmente perturbados ao poder dos médicos da alma.
Por certo, História da Loucura abre uma legítima área de pesquisa: a investigação dos pressupostos culturais subjacentes às diferentes maneiras históricas de lidar com uma área altamente perturbadora do comportamento humano. Numa crítica simpática ao livro, o imaginativo epistemólogo Michel Serres disse ser ele uma “arqueologia da psiquiatria”, provavelmente uma das primeiras vezes cm que o termo foi empregado com referência a Foucault (que o usou, ele próprio, no subtítulo ou título de seus três livros seguintes). Para Serres, História da Loucura representa para a cultura da idade clássica “muito precisamente” (SIC) o que O nascimento da tragédia, de Nietzsche, representou para a cultura grega antiga: lança luz sobre o elemento dionisíaco reprimido sob a ordem apolínea — “on sait enfin de quelles nuits les jours sont entoures”, conclui ele, em lírico entusiasmo.[13] Naturalmente, a cálida acolhida que Foucault recebeu do movimento da antipsiquiatria (Laing et al.) foi uma resposta direta a esse componente orgiástico. Nos Estados Unidos, os críticos logo notaram o parentesco, em espírito, se não em tom ou método, com a obra de Norman Brown (Life Against Death, 1959) e seu eloquente hino ao id primitivo.[14] Além disso, História da Loucura gerou toda uma prole de justificações da psicose, todas escritas com forte ânimo “contracultural” a mais conhecida das quais continua a ser o Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia (1972), de Gilles Deleuze e Felix Guattari.
Ao examinarmos o primeiro estudo histórico-filosófico importante de Foucault, cabe-nos perguntar: a história contada por ele é acurada? Há quem diga que fazer essa pergunta é um equívoco, pois Foucault veio a concordar inteiramente com a rejeição, por Nietzsche, das pretensões da história a alcançar uma objetividade neutra. Em “Nietzsche, genealogia, história" (1971),[15] ele despeja um desprezo nietzscheano sobre “a história dos historiadores", que, buscando a neutralidade, imaginam um implausível “ponto de apoio fora do tempo". Quão mais sábia, diz Foucault, é a “genealogia" de Nietzsche, que "não teme ser um conhecimento perspectivado": ela assume ousadamente "o sistema da sua própria injustiça".
Entretanto, afirmar o direito de fazer uma história “presentista" ou mesmo de praticar uma história engagée não isenta o historiador de seus deveres empíricos em relação aos dados. Pelo contrário: a fim de mostrar o que deseja, a histoire à thèse, orientada para o presente, deve tentar convencer-nos da exatidão de sua interpretação do passado. Afinal de contas, o próprio Foucault descreveu seu livro como "uma história das condições econômicas, políticas, ideológicas e institucionais de acordo com as quais se realizou a segregação dos insanos durante o período clássico.[16]
No prefácio à edição original de seu livro. Foucault dispôs-se a escrever uma história “da própria loucura, em sua vivacidade, antes de qualquer captura pelo saber ‘psiquiátrico” — uma tarefa, segundo a justa observação de AIlan Megill, não muito diferente da historiografia ortodoxa.[17] É verdade que, mais tarde, Foucault veio a negar que estivesse visando a uma reconstituição da loucura como um referencial histórico independente[18]— mas não há como desmentir que, na época, ele tinha em mente um objetivo historiográfíco “normal” ao escrever História da Loucura, Foucault desejava questionar os relatos históricos anteriores, e não duvidar da legitimidade, para não falar da possibilidade, de fazer pesquisa histórica. Podemos concluir, então, que no jovem Foucault o “anti-historiador” ainda não existe em plenitude. Em seu lugar havia apenas um contra-historiador, quer dizer, um historiador que desafiava as interpretações prevalecentes de uma dada parle de nosso passado. Por conseguinte, temos, afinal, o direito de perguntar: a história contada por Foucault é acurada?
Numa medida importante, é. Até mesmo um de seus principais críticos, Lawrence Stone, admite que Foucault tende a estar certo ao pensar que a internação generalizada no fim do século XVII e no século XVIII representou um retrocesso, sujeitando pessoas mentalmente perturbadas, indiscriminadamente, a um tratamento drástico antes só dispensado a psicóticos perigosos.[19] O problema começa quando Foucault (a) salienta o "diálogo” medieval e renascentista com a loucura, em contraste com a atitude segregadora em relação a ela nos tempos modernos, isto é, racionalistas; (b) insiste em tratar a ”idade clássica’' — a época da Grande Internação — como sem precedentes na natureza, e não apenas na escala, de sua atitude em relação à demência, dando grande importância à conversão dos leprosários em hospitais mentais e ao surgimento de uma concepção "fisiológica” da loucura como doença: e (c) considera as terapias Tuke-Pinel como métodos novos em folha para enfrentar a doença mental, denunciando seus procedimentos morais como totalmente repressores.
No capítulo V de seu esplêndido livro Psycho Politics (1982), o falecido Peter Sedgwick desmentiu vários pressupostos básicos do quadro histórico de Foucault.[20] Demonstrou, por exemplo, que muito antes da Grande Internação muitas pessoas insanas tinham sido postas sob custódia e submetidas a terapia (por mais primitiva que fosse) na Europa. Antes da era clássica de Foucault, havia por todo o vale do Reno vários hospitais com acomodações especiais para dementes. Havia, desde o século XV, uma cadeia nacional de asilos de caridade, principalmente para os loucos, na Espanha — sociedade da qual não se poderia dizer que fosse muito propensa a aceitar o racionalismo moderno. Da mesma forma, várias técnicas atestando uma concepção físiológica rudimentar da doença mental, que, no modelo de Foucault, são atributos da Idade da Razão, na verdade já abundavam na Europa pré-racionalista, muitas delas sendo oriundas de sociedades muçulmanas.
Dietas, jejuns, sangrias e a branda rotação (o lunático era levado ao esquecimento mediante a centrifugação por meios mecânicos) eram algumas dessas técnicas, a maioria das quais remontava à medicina antiga (uma época, de qualquer forma, fora do campo de estudo de Foucault). Com muita perspicácia, Sedgwick acentua a continuidade nas artes médicas no decurso das eras. Não nega a expansão da “atitude médica“ durante a fase inicial do racionalismo moderno, mas observa não ser possível derivar a concepção da loucura simplesmente de um disseminado "racionalismo burocrático” em ruptura com uma suposta longa tradição de permissividade frente à insanidade.
H. C. Erick Midelfort reuniu vários aspectos históricos que solapam, ainda mais, grande parte dos fundamentos de História da Loucura.[21] Midelfort não se coloca, em princípio, contra a desmitificação do lluminismo por Foucault. Está longe de se posicionar como um indignado defensor de qualquer relato benevolente sobre os heroicos progressos terapêuticos. Mas exibe um impressionante domínio de fontes escritas sobre a história da loucura e da psiquiatria.[22]
Convido o leitor interessado a fazer sua própria colheita na brilhante síntese de Midelfort e a tirar partido de seu abundante suporte bibliográfico. Contudo, convém salientar desde logo alguns pontos: 1) há muitas comprovações de crueldade na Idade Média contra os dementes; 2) no fim da Idade Média e na Renascença, os loucos já se encontravam com frequência confinados, em celas, prisões e até jaulas; 3) com ou sem ‘’diálogo” , durante aqueles tempos, a loucura era frequentemente ligada ao pecado — mesmo na mitologia da Nau dos Insensatos; e, nessa medida, era vista sob uma luz muito menos benévola do que sugere Foucault (as mentes pré-modernas aceitavam a realidade da loucura — “loucura como parte da verdade” —, da mesma forma que aceitavam a realidade do pecado; mas isso não quer dizer que prezassem a loucura, assim como não prezavam o pecado); 4) como demonstrou Martin Schrenk (ele próprio um severo crítico de Foucault), os primeiros hospícios modernos surgiram a partir de hospitais e mosteiros medievais, e não da reabertura dos leprosários; 5) a Grande Internação teve como objetivo primordial não a marginalidade, mas sim a pobreza — a pobreza criminosa, a pobreza louca ou a pobreza pura e simples; a ideia de que ela prenunciava (em nome da burguesia ascendente) uma segregação moral não suporta exame atento; 6) de qualquer forma, tal como frisou Klaus Doerner (outro crítico de Foucault), não houve confinamento, de controle estatal, uniforme: o modelo inglês e o alemão, por exemplo, afastaram-se muito do Grand Renfermement de Luís XIV; 7) a periodização de Foucault parece errônea. Em fins do século XVIII, a internação dos pobres já era vista, de maneira geral, como um fracasso: mas foi então que a internação dos loucos realmente ganhou impulso, como mostram conclusivamente as estatísticas referentes à Inglaterra, à França e aos Estados Unidos; 8) Tuke e Pinel não “inventaram” a doença mental. Em vez disso, devem muito a terapias anteriores e com frequência utilizavam também seus métodos; 9) ademais, na Inglaterra oitocentista, o tratamento moral não constituía um elemento tão central na medicalização da loucura. Longe disso; como mostra Andrew Scull, os médicos encararam a terapia moral de Tuke como um ameaça leiga à sua arte e se esforçaram para evitá-la ou para adaptá-la à sua própria atuação. Mais uma vez, os monólitos cronológicos de Foucault desabam ante a abundância de provas históricas que os contradizem.
Com efeito, essa sinistra crônica de arrogante tirania médica não é de maneira alguma apoiada pelos dados reais sobre a terapia na era do asilo. David Rothman {The Discovery of Asylum, 1971), historiador social que realizou pesquisas inovadoras sobre o desenvolvimento das instituições mentais nos Estados Unidos à época de Jackson, documentou que em meados do século XIX, verificou-se um afastamento dos métodos psiquiátricos em favor de métodos apenas custodiais. O relato de Rothman coincide à perfeição com o ‘niilismo terapêutico” da época — a relutância médica a passar do diagnóstico ao tratamento, com base numa concepção pessimista dos poderes da medicina (meio século mais tarde, o jovem Freud ainda teve de combater essa ideologia médica, muito arraigada em Viena).[23] É bom notar que Rothman não está de modo algum sugerindo que o asilo custodial (em contraposição ao psiquiátrico) fosse boa coisa. Pelo contrário, para ele o espírito custodial estava ligado ao controle burguês das categorias sociais “perigosas”. Mas, se ele tem razão, o que estava na ordem do dia como fenômeno repressivo em relação à insânia era a passividade médica, e não a psiquiatria aJtamente intrometida que Foucault quer apresentar como serva de uma Razão despoticamente intervencionista e arregimentadora.
Em essência, o livro de Foucault é uma argumentação passional contra aquilo que aprendemos a ver como sendo o humanitarismo do lluminismo. Por conseguinte, os especialistas sobre aquele período, como Lawrence Stone, dificilmente poderiam ter deixado de se opor a tal desafio às suas concepções mais equilibradas.[24] E que devemos pensar da ideia da criação da psiquiatria como "um gigantesco encarceramento moral”? A verdade é que os hospícios particulares e os velhos asilos estatais costumavam ser escandalosamente mal-administrados, e que as reformas de pioneiros como Tuke e Pinel, conducentes ao surgimento dos primeiros hospitais psiquiátricos modernos, embora não fossem tão angelicais como no passado se pensou, representaram atos genuínos de filantropia esclarecida. A acusação de “sadismo moralizante”, aplicada por Foucault à infância da psiquiatria, é um exemplo de melodrama ideológico. É muito bom tomar posição du côté de la folie — só que, na ânsia de se colocarem os insanos no papel de vítimas da sociedade, pode-se facilmente esquecer que muitas vezes eles são profundamente infelizes e que o flagelo de que padeciam exigia terapia. A ideia de que a atitude educação-e-não-grilhões fosse apenas um artifício carcerário repressivo (ainda que inconsciente) não resiste ao exame crítico. A fobia anti-burguesa de Foucault tende a fazê-lo rejeitar a filantropia vitoriana in limine, mas um humanitário de classe média menos tendencioso, chamado Charles Dickens, que se escandalizara com os asilos de pobres em Londres, ficou vivamente impressionado — observa o Dr. J. K. Wing em Reasoning about Madness[25] — com a atmosfera humana dos pequenos hospitais psiquiátricos dos Estados Unidos, onde médicos e atendentes chegavam a partilhar a mesa com os pacientes. Seria incorreto extrapolar daí, e, na verdade, de muitos outros testemunhos positivos contemporâneos, e pintar um retrato idílico de humanitarismo psiquiátrico. Contudo, tampouco há qualquer motivo forte, apoiado nos fatos, para chegarmos à conclusão oposta e declararmos a plena medicalização da loucura durante a primeira era da psiquiatria “burguesa” parte integrante de uma medonha sociedade (para usarmos um adjetivo mais tarde transformado por Foucault em slogan) slogan.
Na realidade, desde 1969 dispomos do corretivo natural ao quadro maniqueísta de Foucault — a bem pesquisada “história social da insanidade e da psiquiatria” na sociedade burguesa, realizada por Klaus Doerner. Seu livro Os Loucos e a Burguesia, um estudo comparativo das experiências britânica, francesa e alemã está longe de discordar inteiramente de Foucault na descrição da alvorada da psicoterapia (ainda que lhe aponte a tendência para generalizar excessivamente a partir do caso francês). Onde Doerner realmente se afasta de História da Loucura é na avaliação do fenômeno.
Tomemos seu conciso capítulo sobre Pinel (11,2), ou ainda o capítulo (1,2) sobre o médico londrino que ele, com justiça, resgata das sombras do esquecimento como tendo sido o primeiro a oferecer uma abordagem global da psiquiatria, abarcando a teoria, a terapia e o asilo: William Battie (1704-1776).
Os métodos de alienistas esclarecidos, como Pinel, provocaram uma mudança decisiva — do isolamento dos dementes a um retorno da loucura à visibilidade social, em asilos abertos à contemplação de parentes, psiquiatras e estudantes de medicina. Mas enquanto Foucault prontamente vitupera a tendência ''objetificante” da contemplação médica no regime de observação sob o qual os pacientes eram colocados, Doerner frisa que a primazia dos "tratamentos morais" foi uma das grandes causas do abandono de métodos terapêuticos tradicionais; e, nessa medida, representou uma considerável rejeição da “atitude de distanciamento” (lembremo-nos do hospital americano de Dickens).
Da mesma forma, Doerner. que capta com agudeza a influência de ideias rousseaunianas sobre a educação moral não-autoritária (Pinel era devoto de Jean-Jacques) e não despreza a difusão da sensibilidade pré-romântica às vésperas das reformas psiquiátricas, julga profundamente humanitário o programa cura-e-não-assistência de Battie na Londres de meados do século XVIIL Não foi à toa que o livro de Battie, Treatise on Madness (1758), constituiu um ataque (prontamente repelido) contra o niilismo terapêutico da família Monro, cujos membros tinham sido proprietários e administradores do Hospital Bedlam durante dois séculos. Além disso, ao ressaltar o aspecto de alienação da insânia, como comprova o próprio título de seu Traité médico-philosophique sur l’aliénation mentale ou la manie (1801), Pinel recolocou a loucura dentro do homem — fosse na mente ou no corpo. No entanto, ao fazê-lo, ele destacou menos a loucura-como doença (a bête noire de Foucault) do que a insânia como caso individualizado. Ora, esse foco no indivíduo (um prenúncio de Freud) constituía, patentemente, um extraordinário progresso — paralelo, na verdade, a uma mudança semelhante ocorrida na medicina física contemporânea, a qual, como veremos mais adiante, viria a ser brilhantemente exposta por Foucault em seu livro seguinte. Doerner só pode concluir que Foucault, a despeito de ter sido o criador da "primeira atitude importante” em relação à sociologia da psiquiatria, oferece um relato "demasiado unilateral” — um relato onde a dialética do lluminismo é "resolvida unilateralmente em termos de seu aspecto destrutivo”.
Em O Nascimento da Clínica (1963), Foucault examinou um período muito mais breve, a rica história da medicina entre o último terço do século XVIII e a Restauração Francesa (1815-1830). Concentrando-se em velhos tratados médicos, dos quais faz fascinantes interpretações, o livro, encomendado por Canguilhem, exuma diferentes "estruturas perceptivas” que sustentaram três tipos sucessivos de teoria e prática da medicina. Destacam-se duas mudanças principais. Na primeira, uma medicina das espécies, que ainda prevalecia pela altura de 1770, cedeu lugar ao primeiro estágio da medicina clínica. A medicina das espécies fazia na nosologia o que Lineu fez na botânica: classificava as doenças como espécies. Supunha que as doenças fossem entidades sem qualquer ligação necessária com o corpo. A transmissão das doenças ocorria quando algumas de suas “qualidades” misturavam-se. através de “afinidade”, com o tipo de temperamento do paciente (ainda se estava próximo de Galeno e suas concepções humorais). Julgava-se que “ambientes não naturais” favorecessem a disseminação da doença, e por isso se acreditava que os camponeses padeciam de menos enfermidades que as classes urbanas (as epidemias, ao contrário das doenças, não eram tidas como entidades fixas, mas sim como produtos do clima, da fome e de outros fatores externos). Em contraste, em seus primórdios a medicina clínica foi uma medicina dos sintomas: encarava as doenças como fenômenos dinâmicos. Em vez de entidades fixas, as doenças eram consideradas misturas de sintomas. Estes, por sua vez, eram tomados como sinais de ocorrências patológicas. Como resultado disso, os quadros taxionômicos da medicina clássica foram substituídos, na teoria médica, por contínuos temporais, que permitiam, em particular, um maior estudo de casos.
Por fim, no limiar do século XIX, surgiu outro paradigma médico: a mente clínica substituiu a medicina dos sintomas por uma "medicina dos tecidos" — a teoria anátomo-clínica. As doenças já não denotavam espécies nem conjuntos de sintomas. Em vez disso, agora indicavam lesões em tecidos específicos. Os médicos passaram a concentrar-se muito mais — na tentativa de adquirir conhecimentos sobre a patologia — no paciente individual. A mirada médica transformou-se num olhar, o equivalente visual do tato, os médicos passaram a buscar causas ocultas e não apenas sintomas específicos. A morte — vista como um processo vital — tomou-se a grande mestra da anatomia clínica, revelando, através da decomposição dos corpos, as verdades invisíveis procuradas pela ciência médica.
Para Foucault, a morte e o indivíduo — justamente os temas da grande arte e da literatura românticas — agora fundamentavam também o novo “código perceptivo” da medicina — um código que encontrou seu evangelho na Anatomia geral (1901) de Xavier Bichat (1771-1802). Quando François Broussais (1772-1838; Examínation of Medical Doctrines, 1816), partindo da histologia de Bichat, baseou o saber médico na fisiologia e não simplesmente na anatomia, e explicou as febres como reações patológicas provocadas por lesões em tecidos, completou-se o círculo: a medicina clássica morreu nas mãos dos médicos científicos. A medicina clássica linha um objeto — a doença — e uma meta — a saúde. Ao atingir a maioridade, a medicina clínica substituiu a doença pelo corpo doente como objeto de percepção médica, e a saúde pela normalidade como o desiderato da arte de curar. Assim, o ideal de normalidade, desmascarado como um expediente repressivo em História da Loucura, volta a ser examinado com hostilidade por Foucault ao fim de sua história do nascimento da medicina moderna.
Dessa vez, porém, o quadro se apresenta muito menos carregado de preconceito antimodemo e antiburguês. Em sua primeira obra, o pequeno livro intitulado Doença Mental e Psicologia (1954), Foucault havia muitas vezes raciocinado como um psicanalista da “escola cultural”, atribuindo o distúrbio mental à sociedade capitalista, dominada por conflitos. Em História da Loucura ele se colocou, mais ousadamente, ao lado da loucura (mítica) contra a razão burguesa. Embora seja pouco provável que ele admitisse qualquer dessas influências, dir-se-ia que ele passou da posição de um Erich Fromm para a de um Norman Brown[26] — trocou uma ênfase no bloqueio social da felicidade humana por uma exortação à liberação do id dionisíaco. Em O Nascimento da Clínica não se percebem tais transportes de emoção. O livro é muito bem escrito — na verdade, composto com grande habilidade literária, mus seu tom não está muito distante da sóbria elegância dos ensaios do próprio Canguilhem sobre a história das ideias científicas.
O que O Nascimento da Clínica fez foi colocar Foucault mais perto do estruturalismo. Um ensaio que fala de códigos e estruturas de percepção, que descreve as “espacializaçôes do patológico” e insiste numa exposição não-linear da história intelectual — na “arqueologia” como um relato cesural, à maneira de Kuhn, de mudanças paradigmáticas no pensamento médico — não podia deixar de ser comparado ao estilo teórico que então prevalecia na França. Uma talentosa comentadora, Pamela Major-Poetzl, observou com razão que, enquanto História da Loucura tentava mudar nossa percepção corrente da loucura, mas não nossa maneira convencional de pensar a respeito da história, O Nascimento da Clínica fazia exatamente isto:[27] o livro introduz vários conceitos espaciais caros ao espírito estruturalista.
Por fim, deve-se também observar que o livro inaugura, na obra foucaldiana (SIC), a problemática do modo de inserção social dos discursos. Foucault concede um razoável grau de autonomia à formação do discurso. No entanto, isto não é tudo. Ele também deseja investigar a maneira concreta como um dado discurso (por exemplo, o pensamento médico) se articula com outras práticas sociais que lhe são externas. Ao mesmo tempo, tenta com afinco evitar grosseiros clichês deterministas, como as ‘'explicações" generalistas do tipo base/ superestrutura do marxismo (vulgar); e se esforça por imaginar padrões de explicação mais flexíveis sem cair nas nebulosas abstrações comuns no marxismo estrutural de Althusser e de seus seguidores, que falam muito de "sobredeterminação“, “causação estrutural" e “efeito estrutural", mas raramente, ou nunca, se empenham num corpo-a-corpo com qualquer material empírico (como se não gostassem de sujar as mãos com a análise da história real).
Em O Nascimento da Clínica há capítulos sobre o contexto social de grandes mudanças na teoria e na prática médicas. Por exemplo, o livro mostra como o governo, durante toda a Revolução Francesa, coagido pelo aumento da população enferma em tempo de guerra, relutantemente abriu clínicas para compensar a falta de hospitais e de médicos competentes. A clínica, por sua vez, possibilitou contornar as guildas médicas e seu saber tradicional, favorecendo assim o lançamento de novas “ estruturas perceptivas“ na medicina. Vemos, pois, que a relação causal entre o contexto social e a mudança paradigmática no discurso médico tem um caráter indireto, até oblíquo. É tudo uma questão de mostrar "como o discurso médico, enquanto prática relacionada com um campo particular dos objetos, encontrando-se nas mãos de um certo número de indivíduos designados estatutariamente e com certas funções a exercer na sociedade, está articulado em práticas que lhe são externas e que não são, elas próprias, de ordem discursiva“.[28]  Articulado”: eis a palavra estratégica. Como Roland Barthes gostava de dizer, o estruturalismo ama “artrologias” — disquisições elaboradas sobre elos e conexões.





[10] Foucault 1978: História da loucura na idade clássica. São Paulo: Perspectiva. Trad. de Folie et déraison: Histoire de la folie à l’âge classique. Paris: Plon, 1961.
[11] Id. Ibid.
[12] Id. Ibid. p. 500
[13] Serres, Michel. La communication. Paris: Les Éditions de Minuit, 1968, p. 178.
[14] Cf. a recensão de Edgar Friedenberg em The New York Times Book Review, 22 ago. 1965.
[15] Trad. Inglesa in Foucault 1977: Language, Counter-Memory, Practice: Selected Essays and Interviews. Ithaca: Cornell University Press. Edited, with an introduction, by Donald F. Bouchard; tr. By Donald F. Bouchard and Sherry Simon.
[16] Ver sua segunda resposta a George Steiner (crítico de História da loucura em The New York Review of Books, in Diacritics v. 1 (outono de 1971), p. 60.
[17] Megill, Allan: Foucault, structuralism and the end of history. Journal of Modern History 51 (September 1979): p. 451-503.
[18] Foucault, Michel. A arqueologia do saber. Petrópolis: Vozes. Trad. De L’Archéologie du savoir. Paris: Gallimard, 1969, cap. 11, 3.
[19] Stone, Lawrence. Madness. In: The New York Review of Books, 16 December 1983, p. 36.
[20] Sedgwick, Peter. Psycho Politics. London: Pluto Press, 1982.
[21] Midelfort. In Malament, B.C. (Ed.). After the Reformation: Essays in Honor of J.H. Hexter, Pennsylvania,  1980.
[23] Sobre esse ponto, ver Johnston, Willian M. The Austrian Mind: na Intellectual and Social History 1848-1938. University of California Press, 1972, p. 223-229.
[24] Para a crítica de outro especialista, ver a recensão de Peter Gay in Commentary 40 (out. 1965). Peter Gay. The Enlightment: na Interpretation. The Rise of Modern Paganism. London: Wildwood House, 1966.
[25] Wing, John K. Reasoning about Madness. Oxford University Press, 1978, p. 116.
[27] Major-Poetlz, Pamela. Michel Foucault’s Archaelogy of Western Culture. Brighton, Sussex: The Harvester Press, 1983, p. 148.
[28] Foucault, Michel. A arqueologia do saber. Petrópolis: Vozes. Trad. De L’Archéologie du savoir. Paris: Gallimard, 1969, 1972, cap. IV, 4.


Um comentário:

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