terça-feira, 10 de julho de 2012

A Fenomenologia das Depressões - Parte I

      DA NOSOLOGIA  PSIQUIÁTRICA CLÁSSICA AOS CONCEITOS ATUAIS - A DEPRESSÃO NO IDOSO

                            ANTÔNIO CARLOS DE OLIVEIRA CORRÊA
                                                         
  9 Tem misericórdia de mim, ó Senhor,  porque estou      angustiado;  consumidos 
        estão de tristeza os meus olhos,  a minha alma e o meu corpo.
   10 Porque a minha vida está gasta de tristeza e os meus anos de suspiros; a minha 
        força descai por causa da minha iniquidade e os meus ossos se consomem.
   11 Por causa de todos os meus inimigos, fui o opróbrio dos meus vizinhos e um
        horror para os meus conhecidos; os que me viam na rua fugiam de mim.
   12 Estou esquecido no coração deles, como um morto; sou como um vaso quebrado.
                                                                                               Salmos 31: 9-12

                         PARTE I

                            Introdução
                                
A depressão pode ser definida como um processo que se caracteriza por lentificação dos processos psíquicos, humor depressivo e/ou irritável (associado à ansiedade e à angústia), redução da energia (desânimo, cansaço fácil), incapacidade parcial ou total de sentir alegria e/ou prazer (anedonia), desinteresse, lentificação, apatia ou agitação psicomotora, dificuldade de concentração e pensamentos de cunho negativo, com perda da capacidade de planejar o futuro e alteração do juízo de realidade. A capacidade de crítica do estado mórbido pode ou não estar preservada. Gravidade e frequência dos sintomas variam muito de um deprimido a outro, podendo ser intermitentes ou predominar lentidão física e mental com inibição e ansiedade, ou ainda intensa agitação psicomotora ou estupor depressivo, com alucinações, idéias deliróides e/ou obnubilação da consciência, no caso da depressão psicótica (Mayer-Gross e cols, 1976; Goodwin e Jamison, 1990).(16)
O relato acima, na epígrafe deste trabalho, é uma das descrições mais antigas que se conhece de uma depressão, quando o Rei Davi, em estado de profunda tristeza, faz um contrito desabafo a Deus, por volta do século VII a. C. (***, ****)
Outro relato subjetivo de alguém que teve um quadro depressivo, desta vez na atualidade,  pode ser assim descrito:

“Quando estou no meu eu normal, eu me sinto ativo, vivo, capaz de desfrutar de tudo e de participar facilmente com outras pessoas; eu as procuro ansiosamente. Não há dúvidas de que a vida e estas experiências têm grande significado para mim. Mas quando deprimido, me parece que meus amigos exigem muito mais de mim do que eu possivelmente posso dar, eu pareço um sacrifício e uma carga para eles; a culpa e o ressentimento são esmagadores. Tudo o que eu vejo, digo ou faço parece extraordinariamente monótono e sem sentido; não há cor, não há propósito em nada. As coisas avançam pesadamente, interminavelmente. Eu fico exausto, morto por dentro. Eu quero dormir, escapar de algum modo, mas há sempre o pensamento de que se eu pudesse realmente dormir, eu iria sempre e mais uma vez acordar para a inércia e a apatia de tudo isso. Eu duvido, totalmente, da minha capacidade de fazer qualquer coisa bem feita; minha mente diminuiu de velocidade e se extinguiu... tudo é virtualmente inútil. A desgraçada funciona bem apenas para atormentar-me com uma enfadonha ladainha de minha incapacidade e para me assombrar com o total desespero desamparado de tudo isso. Qual o sentido de continuar assim; isso é loucura.” (Goodwin e Jamison). (16)

Alonso-Fernández (1988) estabelece como critérios para o diagnóstico da depressão a sintomatologia básica distribuída em quatro sistemas: (2)

                                          a)Humor Depressivo:
1- Desvalorização ou subestimação própria em forma de idéias de
    incapacidade, inferioridade ou indignidade.
2- Incapacidade para experimentar prazer e alegria.
3- Diminuição do apego à vida.
                                 b)Anergia:
4 Apatia, enfado, indiferença.
5- Diminuição da atividade habitual no trabalho ou nas distrações.
6- Fadiga geral, esgotamento ou cansaço precoce.
                                 c)Descomunicação:
7- Retraimento social.
8- Afligir-se facilmente.
9- Abandono das leituras e da televisão.
                                d)Ritmopatia:
10- Dificuldade para conciliar o sono.
11- Perda de apetite ou peso.
12- Sensação de que o tempo passa muito lento e os dias tornam muito
      longos. (2)
      
                                    Classificação das depressões

                                                Histórico

Areteu da Capadócia, no século I a.C., foi o primeiro a descrever um quadro depressivo dentro da conceituação que hoje fazemos desta moléstia. É dele a expressão: “Uma idéia errônea em um único ponto”. Segundo Pichot, no fim do século XVIII, Boissier de Sauvages de la Croix, inspirado pela idéia de doença que foi introduzida por Sydenham e pela classificação botânica de Lineu, procurou trazer em sua Nosologia Metodica alguma luz a um capítulo por demais confuso. Para ele e para Pinel a melancolia reagrupava todos os estados psiquiátricos crônicos, não deficitários e não excitatórios. (*)  Posteriormente, Esquirol foi o primeiro a desmembrá-la designando como “lipemania” os estados dominados por uma paixão triste.  Baillarger e Falret criaram, logo depois, a expressão de loucura circular ou loucura de dupla forma (“folie circulaire ou folie à double forme”) ao perceberem a relação que havia entre os quadros depressivos e os maníacos, abrindo assim, a grande síntese proposta por Kraepelin no fim do século XIX. (*)
 Emil Kraepelin foi o introdutor na psiquiatria das classificações modernas das depressões. Ele foi um gênio que soube clarear as trevas em que estava mergulhada a psiquiatria no século XIX dando-nos a primeira nosografia importante e que, em muitos pontos, é mantida até hoje. Kraepelin dava atenção tanto aos aspectos longitudinais do histórico do paciente quanto aos aspectos transversais, isto é, o estado atual das moléstias e dos sintomas. É dele a designação de demência precoce para o grupo das esquizofrenias bem como o termo de psicose maníaco-depressiva que designa um grupo de distúbios do humor que se caracterizam por crises de profunda tristeza, desânimo, baixa de atividade, falta de interesse pelas coisas, pensamentos de morte, podendo ser seguidas por crises de euforia sem motivo aparente, com agitação psicomotora ou hiperatividade,  pensamento muito rápido, ideação delirante de grandeza, erótica ou persecutória e agressividade.  Segundo Pichot, o elemento central deste edifício era a “doença maníaco-depressiva”, doença particular caracterizada por sua evolução por fases, jamais terminando em uma deterioração; por suas manifestações que compreendem sempre acessos depressivos mas nem sempre intensos, com sisntomatologia específica, associadas ou não na história da pessoa a acessos maníacos. (*)  Kraepelin considerava sua causa provavelmente uma questão biológica (sem ter podido demonstrá-la). Por essa razão, Möbius propôs o nome de endógena a essa doença. Mais tarde Kraepelin acrescentará ao grupo a depressão involutiva, inicialmente autônoma.  Em 1899, Kraepelin opôs a esse grupo  de doenças, principalmente pelo seu caráter evolutivo, o grupo da “Dementia praecox”, um quadro de fraqueza psíquica. Em 1911, Eugen Bleuler, na Burghölzli Klinik em Zurich, propôs o nome de esquizofrenia em substituição à terminologia kraepeliniana, nome esse que se mantem até nossos dias.  Em 1913, Jaspers formula em sua “Allgemeine Psychopathologie” a regra hierárquica: em caso de presença simultânea de sintomas esquizofrênicos e afetivos, depressivos ou maníacos, são os primeiros que fixam o diagnóstico. (*)   Ainda segundo Pichot, Kraepelin já havia descrito as depressões psicógenas e os estados depressivos menores permanentes, alternando ou não com estados hipomaníacos leves, que ele hesitava em incluir na psicose maníaco-depressiva ou nos transtornos de personalidade.
A neurastenia, que já era conhecida desde os fins do século XIX, foi logo desmembrada o que aumentou consideravelmente o leque dos estados depressivos não endógenos originando subdivisões de terminologias variadas: depressão reativa, depressão neurótica, depressão de esgotamento, etc., sem que um consenso pudesse estabelecer definições.  Ficava definitivamente marcada a dicotomia entre depressões endógenas e não-endógenas. (*)  
Discordando de Kraepelin, havia a escola do Maudsley Hospital de Londres, liderados por Mapother e Lewis, que sustentavam uma concepção unitária da depressão, não reconhecendo nas diferentes manifestações nenhum argumento em favor de um enfoque categorial.  A grande voz discordante da teoria kraepeliniana vinha da escola de Wernicke que,  à amplidão das categorias propostas, opunha  uma visão divisionista da patologia mental. Essa teoria foi retomada por Kleist e, por fim, pelo aluno deste, Karl Leonhard, que dividiu a “loucura maníaco depressiva” em duas doenças distintas: uma compreendendo um ou vários episódios depressivos da vida do sujeito, a outra associando a eles episódios maníacos. (*)
Em 1966, Angst na Suíça e Perris na Suécia, mostraram que efetivamente estas formas uni e bipolares da doença se diferenciavam por várias características, em particular por sua hereditariedade. (*)  Mas o dogma da endogeneidade não foi tocado.
Pichot comenta que, após 1970, este edifício-etiológico, construído pacientemente por gerações de psiquiatras, foi violentamente sacudido pelos novos conceitos advindos das escolas anglo-saxãs, notadamente da escola da Universidade de Washington em Saint Louis, preocupada em dar à nosologia psiquiátrica rigor e objetividade desembaraçando-a daquilo que ela considerava “hipóteses não demonstradas”, introduzindo no plano técnico  critérios diagnósticos, propondo uma classificação das depressões radicalmente diferente da até então utilizada.
Essas idéias foram elaboradas inicialmente no RDC (Research Diagnostic Criteria), de 1970, e mais tarde incorporadas ao Manual Diagnóstico e Estatístico versão III (DSM-III) de 1980, em sua versão revisada de 1987 (DSM-III-R) e, atualmente (1994), no DSM IV, da Associação Psiquiátrica Americana.
Berner, em trabalho onde indaga sobre se a depressão apresenta um modelo unitário ou binário, afirma que tentou-se diferenciar estes dois grupos (um determinado por fatores biológicos, o outro por fatores psicológicos) com a ajuda de detalhes da sintomatologia, da personalidade premórbida e das circunstâncias de seu aparecimento e de sua evolução. Para ele, essa separação categorial tradicional tem sido há muito colocada em questão porque a maior parte das análises estatísticas não demonstraram uma distribuição bimodal dos estados depressivos. (**)  A possibilidade de que artefatos metodológicos pudessem produzir uma falsa ou obscurecer uma real bimodalidade animou sempre as controvérsias científicas. Berner continua afirmando que uns defendem que as depressões de tipo endógeno e reativo/neurótico representam somente graus diferentes de severidade situados em um mesmo continuum, passando sem interrupção à normalidade. Este modelo, seguido pelo DSM-III-R e pela CID-10, recorreu, frequentemente, a um modelo de vulnerabilidade análogo ao que é colocado para a esquizofrenia. Outros, entretanto, continuam defendendo o enfoque categorial e sustentam que a gravidade não importa na separação dos dois grupos. (**)
A Organização Mundial de Saúde, que sempre seguira em suas classificações anteriores a 1979 (CID-9) os critérios nosológicos e etiológicos clássicos da tradição européia, passa a adotar, a partir de 1993 com a CID-10, princípios semelhantes aos dos americanos deixando de classificar as depressões com os critérios  categoriais e etiopatogênicos que dão margem a interpretações diversificadas, conforme a origem teórica do observador, adotando o critério fenomenológico descritivo
  Classicamente, as escolas psiquiátricas européias, dentro da tradição kraepelinina e baseadas na fenomenologia alemã de Jaspers, Kretschmer, Schneider e outros autores, dividem as depressões em quatro grandes grupos:
a-   depressão genética ou endógena, determinada por influências hereditárias;
b- depressão situacional ou sociógena, causada por uma situação ambiental perturbadora;
c- depressão psicógena ou neurótica, condicionada por um conflito interno emocional dentro do marco de um caráter neurótico;
d- depressão somatógena ou sintomática, determinada por doenças corporais, medicamentos ou drogas.(2)

  Tabela 1 -          As quatro unidades nosológicas da síndrome depressiva
________________________________________________________________________
Denominação    Etiologia Fundamental     Sintomatologia                           Curso
_________________________________________________________________________
Depressão                 Herança                       Formas típicas e                 Multifásico bipolar endógena                                                       completas
_____________________________________________________________________
Depressão          Situação da vida               Polimorfismo com abun-      Multifásico unipolar
situacional                                                  dantes formas atípicas
                                                                  ou incompletas
__________________________________________________________________
Depressão         Personalidade neurótica     Quadros combinados com          Cronificado
neurótica                                                    ansiedade neurótica
_________________________________________________________________________
Depressão         Enfermidade corporal         Quadros depressivos                   Monofásico
sintomática       ou substância química         secundários
                         exógena
____________________________________________________________________
Fonte: Alonso-Fernández, 1988. (2)

                                             A Depressão Endógena

                                                      Conceito:
É uma depressão de determinação genética (provavelmente produzida por um gen autossômico dominante simples), mas de penetração muito irregular), própria da personalidade pícnico-sintônica e acompanhada habitualmente da presença de parentes de primeiro e segundo graus afetados de depressão bipolar e depressão unipolar e em geral com uma forte sobrecarga familiar depressiva (embora seja estritamente unipolar). Desenvolve-se desde dentro da pessoa (Alonso-Fernández, 1988). (2)                                             
Sinônimos:Depressão endogenomórfica, vital, maior, psicótica congruente, autônoma, melancolia.

                                             Etiologia - dados genéticos:

1- Hipóteses atuais: unitária (transmissão por um gen autossômico dominante de pouca penetrância); heterogênica (multifatorial ou poligenética) e do cromossoma X;
2- Risco mórbido é análogo para os pais, irmãos e filhos;
3- A morbidade depressiva unipolar é significativamente mais elevada para as mulheres. O risco de morbidade nos parentes de primeiro grau varia de 5,9% a 18,4% nos parentes masculinos e de 7,1 a 31,9% nos parentes femininos;
4- Metade dos depressivos bipolares e dos maníacos têm um pai afetado por uma depressão bipolar ou unipolar (Winokur);
5- A taxa de concordância dos gêmeos monozigóticos está entre 50 e 92% e para os dizigóticos é de 0 a 38%;
6- Há uma hipótese de que a depressão bipolar e a unipolar são um continuum, no qual a primeira ocupa o polo mais grave da doença;
7- Presença frequente de doenças psicossomáticas (com transmissão genética significativa) que se associam ou alternam com as alterações endógenas do humor (equivalentes afetivos): doenças cutâneas (eczema, psoríase, eritema, neurodermatite, dermatose recorrente), crises gástricas periódicas semelhantes a úlcera péptica, crises asmatiformes periódicas, crises reumatóides e outras. (2) (16)

                             Personalidade prévia e fatores ambientais:

Krestschmer (1920) descreveu o biótipo destes quadros depressivos que, mais tarde, ficou conhecido  como  “tipologia de Cervantes-Kretschmer”: biótipo pícnico e temperamento ciclotímico. (2)
No passado se acreditava que nenhum acontecimento ambiental pudesse interferir no desencadeamento da depressão endógena o que atualmente não é mais aceito pelos estudiosos. Vários estudos confirmam a impossibilidade de distinguir a depressão endógena da não endógena no que tange a presença ou ausência de aocntecimentos precipitantes.
                                           A Depressão Situacional
Definição:  São depressões determinadas primordialmente por circunstâncias psicossociais conflitivas ou traumatizantes, configurando uma situação prolongada, isto é, o modo essencial da relação existente entre a pessoa e seu ambiente (Alonso-Fernández, 1988). (2)

Etiologia - As causas mais importantes são:

a- Situação conflitiva eu-mundo,
b- Perda afetiva,
c- Sobrecarga emocional,
d- Isolamento ou inatividade,
e- Mudança brusca de ambiente.
Outras causas:
  Ÿ Certos acontecimentos vitais agudos que intervêm como agentes precipintantes, provocadores ou desencadeadores. Eles podem ser definidos como estímulos ambientais estressantes na área das relações sociais, sob a forma de agentes estressantes sociais (Cytryn  et al., 1986). O estresse engloba toda mudança produzida no ambiente, que ao atuar sobre uma pessoa mediana induz tensões emocionais e altera o padrão de respostas (Garmezy, 1986).
  Ÿ Certos acontecimentos passados que podem agir como agentes provocadores,  particularmente a perda precoce do pai ou da mãe (fatores de vulnerabilidade);
   Ÿ  Ausência do suporte social (falta de toda classe de relações confidenciais e déficit
         das redes sociais ou suporte social global):
  Ÿ   Fatores de vulnerabilidade: certas características da família de origem e do
         suporte socio familiar presente. (2)

Características -

a- Possui uma etiologia fundamental estruturada em forma de uma situação;
b- Não pode ser catalogada como uma reação, já que não cumpre as condições próprias de uma reação vivencial;
c- Para se obter a sua remissão clínica quase nunca é suficiente a supressão da situação depressogênica;
d- Implica em certas alterações biológicas neuroquímicas, acompanhadas de uma  
        sensibilidade aos fármacos antidepressivos. (2)

Tipos de depressão situacional de acordo com a causa -
a- Depressões por perda - há diminuição no estado de ânimo. Causas mais frequentes: luto e separação (a perda objetal constitui o momento básico e inicial da doença).
b-Depressões por sobrecarga - há abaixamento energético e uma depressão por esgotamento emocional.
c-Depressões por isolamento - há um processo de incomunicabilidade. Observamos
       depressão por descarga ou depressão por liberação. A liberação de uma situação
       opressora e a descarga de uma preocupação possuem o denominador comum de 
       confluir algumas vezes no vazio e na inatividade. (2)

Segundo López Ibor (1966), “a ocupação e a preocupação, a primeira pela sua exigência de realidade e a segunda por sua tensão propulsora, encobrem o fundo estático detido e o tônus silente da vitalidade esgotada”. (2)
Na depressão dos aposentados podemos observar os seguintes dados:
    -  Isolamento social,
    -  Deterioração das relações pessoais,
    -  Inatividade,
    -  Estresse econômico crônico.

d-Depressão por separação: toda mudança brusca nos hábitos de vida, como ocorre  
     na mudança, na emigração e na mudança de profissão implica em alto risco de 
     depressão (idosos). (2)
Situações pré-depressivas patogênicas:
     - Acontecimentos e condições de vida;
     - Recursos psicológicos da pessoa;
     - Suporte sócio-familiar. (2) (15)
                                  A Depressão Caracterológica

Podem incluir-se dentro das depressões situacionais e das neuróticas.  O transtorno da personalidade representa muitas vezes a sequela de uma fase depressiva incompletamente melhorada, incluindo um defeito depressivo permanente. A chamada depressão caracterológica se dissemina entre a personalidade predepressiva e os resquícios ativos da depressão ou nas mudanças produzidas pela experiência do quadro depressivo na personalidade. Este problema diagnóstico reaparece com toda sua agudeza na atualidade, particularmente nas chamadas depressões duplas e nas depressões da personalidade limite.(2) (13)

                                  A Personalidade Limite

Caracteriza-se notadamente por:
a- Sentido do eu (self) inestável;
b- Podem melhorar com a terapia pelo lítio (Akiskal e cols., 1983);
c- Há associação de certos transtornos da personalidade (antissocial e a personalidade limite com depressão em adultos e adolescentes: a depressão secundária;
d- Há presença frequente da alexitimia, o que leva a dificuldade na expressão dos distúrbios subjetivos da depressão;
e- É acompanhada frequentemente de impulsividade e disforia crônica;
f- Apresenta, com certa frequência, quadros depressivos semelhantes aos da depressão unipolar não melancólica que devem tratar-se mediante associação de neurolépticos e antidepressivos;
g- Uma alta proporção de personalidades limite apresenta quadros depressivos maiores superpostos a uma depressão crônica subjacente, originando a depressão dupla;
h- Tendência elevada para recaídas;
i- Associação frequente com fenômenos de regressão de personalidade, tornando o diagnóstico de depressão e regressão muitas vezes difícil;
j- Mais frequentes na infância e na velhice;
k- A coexistência com a depressão pode melhorar o prognóstico da personalidade 
     limite. (2) (15)

  A Personalidade Predepressiva

 A personalidade predepressiva tem uma estrutura de caráter próxima ao caráter obsessivo. Tellenbach (1976) a denominou de typus melancholicus (tipo de bilis negra). (2
 São suas características principais:
Ÿ hipervigilância da consciência moral;
Ÿ escrupulosidade;
Ÿ seriedade desmedida;
Ÿ perfeccionismo;
Ÿ exagerado afã de ordem;
Ÿ desmedida auto-exigência com relação ao trabalho e aos rendimentos;
Ÿ notável tendência à responsabilidade;
Ÿ  falta de medida na avaliação do pequeno e do fútil. (2)
Há incapacidade da pessoa em se adaptar às mudanças , ao sucesso ou às novas circunstâncias externas.

                         Constelações Predepressivas Patogênicas

a) Constelação de remanência - Caráter temporal.
“As pessoas permanecem por detrás de si mesmas”, agarradas às próprias aspirações, encarceradas dentro dos limites de sua consciência responsável.”  A pessoa toma como culpa o sentimento de não haver cumprido o rendimento que a mesma havia exigido para si mesma: “O império da culpa pretérita” - (2)

b) Constelação de includência - Caráter espacial.

A pessoa fica limitada a uma vida demasiadamente estreita, isto é, permanece fechada dentro de limites sem poder proceder de outro modo,  encarcerada dentro dos prórios limites espaciais, por exemplo, uma ascensão profissional, uma mudança ou outras modalidades de separação. (2)

     Tabela 2 -     Fatores de vunerabilidade nas depressões situacionais

Fonte: Alonso-Fernández, 1988.  (2)

a) Antigos, relacionados à vida infantil:
     - Morte dos pais, sobretudo da mãe;
     - Separação ou divórcio dos pais, sobretudo antes dos 17 anos (têm
        influência menor);
     - A falta do outro progenitor, a excessiva dependência do filho pelo  
        progenitor sobrevivente; a mudança de habitação. A fragilidade pessoal 
        produzida pela falta da mãe deve-se provavelmente à redução da
        autoestima.
     - A vulnerabilidade procedente das experiências precoces não conduz
       diretamente à depressão, requer a interação com outras adversidades  
       posteriores, tornando-se, assim, um agente predisponente.
     - Alguns dos efeitos posteriores da perda: ansiedade, drogadição, alcoo-
       lismo e esquizofrenia;
     - A perda passada pode se somar à perda recente que aumenta o risco à
       depressão;
     - Correlação elevada das perdas passadas e depressão nas mulheres  
       separadas, viúvas e nas divorciadas. (2)

b) Atuais,
      - Falta do suporte social, inclusive em condições de baixo estresse
        (isolamento e/ou inatividade);  atenção especial à família, onde grande
        parte dos acontecimentos vitais ligados à depressão representam
        mudanças, perdas ou distúrbios nas relações familiares. (2)

                              Diagnóstico clínico das depressões situacionais

a- Predominam os quadros clínicos larvados, incompletos e atípicos. Muitas vezes não se deixam delimitar frente às outras classes de depressões;
b- É a categoria de depressão cujo diagnóstico pode basear-se mais em dados negativos, sobretudo a ausência dos traços próprios das depressões endógenas (dados etiológicos, sintomatológicos e evolutivos), neuróticas (personalidade neurótica prévia e a associação com a ansiedade) e as sintomáticas (administração de medicamentos ou drogas ou presença de uma doença somática de certa imprtância);
c- Evolução exclusivamente unipolar (geralmente recidivante, frequentemente três recaídas);
d- A terapia de manutenção é mais precisa do que a profilática. Recomenda-se continuar durante certo tempo com os mesmos medicamentos que obtiveram a remissão do quadro clínico, geralmente um antidepressivo tricíclico ou tetracíclico. (2) (13)

                                                  A Depressão Neurótica
Definição - É toda depressão secundária a uma neurose sintomática (sobretudo neurose de angústia e neurose fóbica) ou assintomática (neurose de caráter ou personalidade neurótica) (Alonso-Fernández, 1988). (2)
A base da depressão neurótica encontra-se no transtorno neurótico estrutural da personalidade premórbida (Matussek e Feil). (2

Características -

Ÿ  Não é um quadro muito intenso nem muito amplo;
Ÿ  Raras vezes inclui tendências suicidas;
Ÿ É acompanhada frequentemente por sintomas neuróticos, sobretudo os da constelação timérica: medo, temor, insegurança, angústia, ansiedade, autosubestimação da personalidade e de algumas produções fóbicas;
Ÿ Seu tratamento mais útil pode consistir na associação de antide- pressivos (livres de efeitos anticolinérgicos tanto por sua natureza quanto pela baixa dosagem), pequenas doses de benzodiazepinas e psicoterapias clássicas de apoio, adlerianas, psicodinâmicas breves e cognitivas;
Ÿ  A personalidade neurótica é o terreno próprio da depressão neurótica e seu dado etiológico definidor, juntamente com a neurose de angústia e certas formas de neurose fóbica;
Ÿ  Nas sucessivas classificações da OMS (CID 7, CID 8 E CID 9) a entidade de neurose de caráter é reconhecida, mas com uma ligação estreita com a personalidade psicopática no estilo de Kurt Schneider;
Ÿ  Sinônimos de depressão neurótica: reação depressiva psiconeurótica, depressão reativa, estado de ansiedade crônico, depressão atípica (Blinder), sintomatologia mista de depressão e de ansiedade (Spitzer e Willians), depressão não endógena, depressão neurótica (Matussek e Feil), depressão ansiosa, síndrome depressivo-ansiosa e depressão neurótico-reativa.
Ÿ Klerman e colaboradores encontraram outros sinônimos para a depressão neurótica: depressão não psicótica; depressão sem sintomas endógenos; depressão menos incapacitante para a vida social; depressão provocada por um acontecimento estressante de índole psicológica; depressão própria de um modelo de personalidade com problemas de adaptação; resultado de um conflito inconsciente, segundo a psicanálise. (2) (15)

                           A Personalidade Neurótica ou Neurose de Caráter
 Definição - É o desenvolvimento anômalo psicógeno da personalidade (de base conflitiva e inconsciente) impregnado de sentimentos de insegurança e inferioridade. Seus mecanismos psicológicos defensivos prediletos contra a pouca autoestima são as compensações, as inibições e a autorrepressão. São pessoas presas a si próprias por compaixão narcisista. A hipertrofia do anel de segurança as conduz a assumir posturas rígidas frente às demais pessoas (Alonso-Fernández, 1988). (2)
Características

Ÿ  O termo neurose de caráter foi proposto por Franz Alexander;
Ÿ São quadros livres de sisntomas clínicos (fobias, obsessões, crises de angústia, transtornos neuroviscerais e fenômenos de conversão);
Ÿ  Frequência elevada de queixas depressivas que podem mascarar os traços de caráter neurótico;
Ÿ  Estrutura formal do caráter impregnada de insegurança e inferioridade;
Ÿ O sentimento de inferioridade (Adler) exige uma compensação na forma de reforço da autoestima o que faz a pessoa sentir-se dona de uma imagem que idealizara exageradamente na figura do santo, do herói, do gênio, fazendo-a mover-se em relação aos demais com hostilidade, impotência ou temor. O neurótico de caráter se sente dotado de uma identidade significativa ante si mesmo e ante os demais e com essa máscara trata de realizar a sua vida.
Ÿ  Deve-se levar em conta a presença de fatores genéticos: há uma associação familiar com transtornos do pânico e depressão maior;
Ÿ Para Akiskal, um atributo psicológico que predispõe à depressão é a introversão, característica da personalidade neurótica;
Ÿ  A escala de neuroticismo de Eysenck é uma prova muito sensível para detectar a neurose de caráter;
Ÿ  Os traços fundamentais do caráter neurótico instauram-se a partir dos estágios evolutivos preescolares. (2) (15)

Etiologia -
a- Fatores individuais: disposições endógenas e defeitos orgânicos (debilidade da foça vital endógena que implusiona a expansão e desenvolve o ser);
b- Fator familiar: educação superprotetora ou falta de amor;
c- Fatores ambientais que dificultam o desenvolvimento espontâneo da personalidade da criança, exercendo uma influência neurotizante ao contribuir para a debilitação e corrosão da firmeza das atitudes mantidas ante si mesmo e aos demais. (2)

                                           A Depressão Sintomática
Conceito - É a depressão decorrente de um transtorno do organismo produzido por uma doença orgânica ou física ou pela administração de algum mediamento ou droga. A depressão constitui aqui a manifestação semiológica de outra doença bem constituída (Alonso-Fernández, 1988). (2)

                                                      Tipos
a- Depressões somáticas: produzidas por doenças físicas extracerebrais (cardiopatias, endocrinopatias, metabolopatias, etc.);
b- Depressões orgânicas: produzidas por uma doença física cerebral, isto é, um processo morfológico cerebral ou cerebroorgânico (tumor cerebral, doença vasculocerebral, etc.)
c- Depressões farmacógenas: produzidas pela administração de algum fármaco ou droga. (2)

Tabela 3 -  Depressões somáticas - Condições médicas que podem causar depressão
__________________________________________________________________
Doenças cardiovasculares    -    miocardiopatia, insuficiência cardíaca congestiva e infarto do mio-
                                                 cárdio
Doenças auto-imunes          -     lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, poliarterite nodosa
                                                 sarcoidose
Endocrinopatias                  -     diabete melito, hiper e hipotireoidismo, híper e hipoadrena- 
                                                 lismo, hiperparatireoidismo e hipopituitarismo
Infecções                             -    vírus de Epstein-Barr, encefalite, hepatite, AIDS, mononu-
                                                 cleose, pneumonia, pós-influenza e sífilis
Doenças neurológicas          -     doença de Parkinson, demências degenerativas, hidrocefalia
                                                 de pressão normal, acidente vascular cerebral, hemorragia
                                                 subaracnóide, demências reversíveis, doença de Huntington,  
                                                 esclerose múltipla, miastenia grave, pós-concussão, paralisia  
                                                 nuclear progressiva e epilepsia
Deficiências vitamínicas        -   beribéri (B1), pelagra (ác. Nicotínico), anemia perniciosa
                                                 (B12) e encefalopatia de Wernicke
Outros                                  -   alcoolismo, anemia, anormalidades eletrolíticas, envenena-
                                                 mento por metais pesados, hemodiálise, hipertensão
                                                 e pós-cirurgia do miocárdio (2)
______________________________________________________________

Tabela 4 -               Medicamentos que podem causar depressão
________________________________________________________

a) Psicofármacos:

    - Psicorrelaxantes e ansiolíticos (benzodiazepinas);
- Betabloqueadores (propranolol, pindolol, etc.);
- Sedativos e hipnóticos (barbitúricos);
- Psicoestimulantes (anfetaminas, metilfenidato);
- Antipsicóticos incisivos e mistos (fenotiazinas, butirofenonas, produtos  
  depot;
- Antimorfínicos (pentazozina, que é um agonista-antagonista morfínico;
  naltrexona, que é um antagonista morfínico cada vez mais empregado na
  terapia dos drogaditos);
- Antialcoólicos (dissulfiran);
- Antimaníacos (alfametilparatiroxina).

b) Diversos medicamentos:

- Inibidores do apetite ou anorexígenos (fenfluramina, fenmetrazina e outros)
- Tônicos cardíacos (digitálicos);
- Antihipertensivos (reserpina, alfametildopa, clonidina, guanetidina, 
  betanidina, hidralazina, diuréticos derivados da tiazida);
- Produtos colinérgicos (colina, fisostigmina e outros anticolinesterásicos);
- Substâncias antiparkinsonianas (levodopa, carbidopa, amantadina);
- Contraceptivos orais (estrógenos, progesterona);
- Corticoesteróides (ACTH, cortisona, glicocorticóides);
- Antibióticos (cicloserina);
- Antimicóticos (ciclosporina);
- Antiartríticos ou antirreumáticos (fenilbutazona, indomezina);
- Antitumorais (vimblastina, vincristina);
- Nutrição parenteral total e prolongada
- Curas de emagrecimento;
- Diversos (baclofen, cimetidina).
C)Substâncias que criam dependência sem ação terapêutica:

- Álcool metílico;
- Produtos canábicos;
- Ácido lisérgico;
- Mescalina (peyotl);
- Tabaco.
Todos os produtos que induzem um déficit da transmissão catecolaminérgica/serotonina, insuficiência noradrenérgica e gabérgica, insuficiência em endorfinas ou inclusive um aumento do sódio intracelular são teoricamente susceptíveis de produzir depressão (Milon, 1986). (2)
                                 Formas Clínicas Especiais de Depressão
Os autores europeus, em especial os seguidores da fenomenologia clássica alemã e espanhola, distinguem alguns tipos especiais de depressão que não são incluidas nos grupos já vistos. No quadro abaixo podemos ver suas principais subdivisões (Alonso-Fernández, 1988): (2)

  Tabela 5 -   Formas clínicas especiais de depressão         

                                                                         Depressão de transfundo
                          Depressões psicomorfas          Depressão de subfundo
Formas                                                              Depressão neurotiforme
larvadas
                                                                          Depressão hipocondríaca
                          Depressões somatomorfas     
                                                                          Depressão monossintomática
                          Depressão confusional
Formas               Depressão estuporosa
maciças              Depressão ansiosa e agitada
                                                                          Depressão de Cotard
                          Depressões                              Depressão anancástica
                          psicomorfas                             Depressão paranóide
                                                                          Depressão disfórica
Formas atípicas
                          Depressões                               Depressão hipersômnica
                          somatomorfas                           Depressão anoréxica
                           Depressão Básica ou de Subfundo (Grundddepression)
Este quadro foi descrito por Kurt Schneider em 1949 ao identificar uma depressão que apresenta características endógenas, psíquicas e reativas. Suas características fundamentais são:
  • Tristeza endógena e recorrente que não é vital, mas sim psíquica;
Ÿ  Não é motivada;
Ÿ  As mudanças básicas do humor podem apresentar-se na vida psíquica normal e nos estados anormais;
Ÿ  Sobressaem-se sob a forma de intensas distimias, como ocorrem nas personalidades psicopáticas;
Ÿ  Têm alguns traços comuns com a depressão bipolar: a endogenenidade (é tão endógena e sem sentido como a depressão endógena genuína);
Ÿ  Desencadeada por vivências penosas;
Ÿ  Repetições fásicas;
Ÿ  Traços com a reação de tristeza: está constituída por um sentimento psíquico e pode melhorar com o impacto de uma vivência agradável;
Ÿ  Pode adotar uma forma mais acentuada e intensa do que alguns quadros endógenos, diferenciando-se deles por estar integrada a uma tristeza psíquica, não se acompanhando nunca de inibição psicomotora ou de idéias dilirantes e é muito influenciável pelos fatores psicorreativos;
Ÿ  Resolução reativa é o habitual (impacto de notícia feliz);
Ÿ  Representa uma oscilação extraordinariamente intensa e negativa do subfundo não vivido nem vivenciado como consequência das vivências, do tempo atmosférico, das horas do dia, do modo de encontrar-se corporalmente e a ingesta de álcool e drogas. (Alonso-Fernández, 1988) (2)

                 Depressão de Transfundo (Hintergrunddepression)

Quadro depressivo também descrito por Kurt Schneider, na mesma época, e caracterizado por:
Ÿ  Modalidade especial da depressão reativa;
Ÿ  A forma depressiva de reagir não recai nem na personalidade nem na vivência, mas em uma reatividade depressiva imposta pelo transfundo vivencial;
Ÿ  A pessoa pode apresentar uma reação depressiva intensa, mesmo frente a uma vivência fútil;
Ÿ  Contrariamente ao que ocorre com o subfundo, o transfundo vivencial condicionante desta depressão é vivenciável;
Ÿ  Constitui uma depressão genuína larvada que se traduz em intensa reatividade depressiva aos estímulos ambientais, rompendo assim atipicamente o isolamento psicossocial próprio dos doentes depressivos. (Alonso-Fernández, 1988) (2)

                                        A Depressão Mascarada
É uma das formas atípicas mais frequentes de aparecimento da depressão, incluída nas formas especiais de depressões  (depressões somatomorfas). Para os médicos clínicos gerais os dois grandes problemas diagnósticos da depressão podem formular-se assim:
a) O reconhecimento da depressão, especialmente de seus quadros somatomorfos (diagnóstico positivo ou sensibilidade);
b) A exclusão de enfermidades corporais com sintomatologia depressiva (diagnóstico negativo ou especificidade).
Para Sirenling, Freeling et al. (1985), as diferenças dos doentes depressivos que procuram o médico clínico dos que procuram o psiquiatra têm  os seguintes traços:
- a depressão é mais recente e menos severa;
- os transtornos do humor depressivo e a inibição psicomotora são mais leves;
- a proporção de depressões primárias e depressões endógenas é mais baixa e chega, 
            no máximo, ao total de 17 na Escala de Hamilton (somente a ultrapassam 36% dos 
            doentes da clínica geral e 86% dos da clínica psiquiátrica).
        - 25% dos doentes tratados na prática médica geral com antidepressivos não cumprem  
            os critérios psiquiátricos de depressão e um número substancial de doentes que
            preenchem estes critérios passam sem ser diagnosticados nem tratados (a grande
            maioria dos depressivos da prática geral satisfaz os critérios adequados para as 
          depressões  psiquiátricas apesar do transtorno ser aqui mais ligeiro e menos específico 
           no diagnóstico do que o da depressão tratada pelos psiquiatras). (Alonso-Fernández,
 1988).  (2)
Por muito tempo equiparou-se a depressão somática com a depressão mascarada. As depressões somatomorfas geralmente acompanham-se de algumas experiências psíquicas sintomáticas da depressão, mas em grau leve ou moderado.
Um dos fatores da personalidade prévia que com mais frequência se associam com as depressões somatomorfas é a alexitimia (incapacidade de reconhecer ou identificar e descrever os sentimentos próprios mediante palavras).
Covino et al. (1983), afirmam que o alexitímico depressivo não dá a impressão de estar afetado por uma depressão ao oferecer uma sintomatologia depressiva pobre e ambígua e encontrar-se entregue à descrição de suas dificuldades ambientais e dos transtornos somáticos. Existe, além disso, um certo antagonismo entre os sintomas psíquicos e somáticos da depressão, já que esses últimos repercutem diminuindo a expansão de alguns componentes psíquicos primordiais do humor depressivo como o sentimento de culpa. No alexitímico a psicoterapia encontra frequentemente uma aceitação difícil, dado que sua via metodológica básica requer quase sempre a verbalização dos sentimentos. (Alonso-Fernández 1988) (2)
Tendo em vista que as alterações psíquicas permanecem em segundo plano nas depressões somatomorfas ou mascaradas, Alonso-Fernández aponta os seguintes transtornos como os mais frequentes nas depressões mascaradas: (2)

ŸHipocondria, ou a atitude de exercer uma autovigilância ou autoobservação pertinaz sobre as funções corporais.
ŸTranstorno corporal difuso ou mal localizado, constituído, em parte, por dores ou mal-estar, às vezes pela sensação de que o corpo se tornou muito pesado, alternando períodos de sentir-se quase bem com outros de abatimento.
Ÿ Dores e opressões dolorosas, sobressaindo-se as cefaléias (é a causa mais frequente de cefaléia hoje em dia).
Ÿ Dores ou opressões dolorosas de outras partes: do rosto (que podem confundir-se com as neuralgias do trigêmio), estomatodinia ou dor da cavidade bucal (as mais frequentes são: da língua ou glossonidia,  dos lábios, da gengiva (sobretudo da região anterior) e mais raramente dos dentes, dor da nuca, opressão dolorosa precordial (que pode se confundir com uma cardiopatia), dor nas costas, dor na região lombar (lonbalgias e até lombociáticas), geralmente atribuída a um desequilíbrio   da coluna vertebral. Alonso-Fernández cita aqui as palavras de Blumer e Heilbronn (1982): “Há razões suficientes para considerar a dor crônica idiopática como uma variante depressiva, resultado de um mecanismo primiti- vo”. (2)
Ÿ Prurido generalizado ou localizado, sobretudo na região genital e as disestesias (perversão da sensibilidade, que pode ocorrer em casos de histeria) ou formigamentos, particularmente no couro cabeludo ou nas extremidades. Todos esses sintomas podem apresentar-se associados ou isoladamente. Quando se associam com manifestações psíquicas próprias de uma depressão de subfundo ou de transfundo o comum é que o paciente atribua seu estado psíquico à dor, ao prurido ou a qualquer outra classe de transtorno corporal presente.
 Ÿ Esvaziamento de energias ou anergia, manifesta-se no plano corporal sobretudo por falta de vontade ou de impulso para mover-se (adinamia) e fatigabilidade precoce (astenia) e transtornos vagotônicos. Antigamente era chamada de distonia vagotônica e estava implicitamente ligada à depressão.
 Ÿ Sintomas vegetativos, no passado chamados de “equivalentes depressivos”. Lemke (1949 e 1951) descreveu a depressão vegetativa como um quadro de depressão angustiada larvada que se manifesta sobretudo por transtornos vegetativos: alterações da regulação vasomotora, da pressão sanguínea, do processo da digestão, do ritmo sono-vigília, da potência sexual e do metabolismo. (2)
 Ÿ Baixa do rendimento sexual, cujas causas principais são a depressão e o alcoolismo.
 Ÿ Transtornos dos órgãos sensoriais, notadamente transtornos subjetivos visuais (visão borrada) e auditivos (zumbidos nos ouvidos), que dão a impressão ao paciente de que tudo se produz muito mais longe ou que  perdeu a vista, a audição e até mesmo o olfato e o gosto.
 Ÿ Insônia ou hipossonia e, algumas vezes, hipersonia ou inversão do ritmo sono-vigília. Segundo Vargas, 80% dos idosos deprimidos têm insônia e 20% hipersonia. O sono deles é superficial, fragmentado e com insônia terminal. Na maioria das vezes é o sintoma mais precoce da depressão. (28)
 Ÿ Perda do apetite e do peso. Às vezes, podem vir com esporádicos acessos de bulimia.
 Ÿ Oscilação  da intensidade dos sintomas no decorrer do ciclo circadiano com piora pela manhã e melhora ao anoitecer. Às vezes, esta oscilação pode se inverter ou acontecer de haver momentos de grande sofrimento seguidos de períodos de bem-estar. À medida que a depressão se torna mais acentuada os transtornos se tornam mais contínuos e firmes.
 Ÿ A depressão pode recorrer, algumas vezes,  a “máscaras psíquicas”, como são os transtornos do comportamento, o abuso de tranquilizantes e analgésicos, a conduta alcoólica, etc.
 Ÿ Presença de sinais objetivos:  postura curvada e cansada, facies de sofrimento, mímica pobre, gesticulação inibida e perda da iniciativa e da espontaneidade.
 Ÿ Equivalentes patoafetivos (Fonseca, 1959).(2) Haveria uma  relação clínica e hereditária evidente entre certos quadros monossintomáticos, psíquicos ou somáticos e o círculo genético ciclotímico: crises reumatóides e neurálgicas, crises asmatiformes, crises de úlcera péptica e transtornos gástricos intensos e recidivantes, crises de eczema, eritema, neurodermatites e dermatoses de tipo recorrente.
 Ÿ A quase ausência de manifestações de alterações do humor faz com que essa depressão recebesse o adjetivo de “depressio sine depressione” (depressão sem depressão);
 Ÿ O exame físico dos sistemas cardiocirculatório, respiratório, digestivo, locomotor,  endócrino, neurológico deve ser feito com o maior detalhamento possível para se eliminar possíveis causas orgânicas. Exames complementares como o eletroencefalograma, tomografia cerebral computadorizada, provas de verificação de ateroesclerose, provas de função hepática, renal e de secreção interna são de capital importância na detecção de patologias orgânicas. Na ausência destas, pode-se pensar no quadro de depressão mascarada ou somatomorfa.(29)

                             As Classificações Atuais das Depressões

Apesar dessa descrição nosográfica clássica rigorosa das depressões, desde os anos 60 já se podia notar que psiquiatras de diferentes países faziam diagnósticos distintos para os mesmos distúrbios  psiquiátricos. Foi através da observação de que os psiquiatras americanos diagnosticavam mais quadros esquizofrênicos e os ingleses mais transtornos maníaco-depressivos é que surgiu, quase que concomitantemente em vários países, a necessidade da unificação dos diagnósticos dos distúrbios psiquiátricos e, em particular, das depressões.  Assim surgiram as primeiras escalas de avaliação como a de Hamilton, em 1960, para uma melhor quantificação em forma de escores do grau de depressão de uma pessoa. Foi nessa época que surgiu também a Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica de Overall e Goham para avaliação de quadros psiquiátricos gerais.
Uma das escalas mais antigas que interessou aos europeus foi a Escala de Newcastle, desenvolvida por Carney e colaboradores em 1965 na Inglaterra. Ela se compõe de dez ítens selecionados entre 35 iniciais mediante a análise de regressão múltipla para os resultados obtidos com 116 pacientes depressivos que receberam terapia eletroconvulsiva. A pontuação total se obtém  através da soma dos pontos obtidos em cada ítem multiplicados por seu valor ponderado. (Alonso-Fernández, 1988). (2

Tabela 5 -                        Escala de Newcastle-I _____________________________________________________________________

                                     Sintomas                                                                     Ponderação
_____________________________________________________________________
Qualidade particular do humor depressivo (humor depressivo diferente
     em qualidade e não limitado na quantidade às reações depressivas
     habituais)                                                                                                             +1
Sentimento (ou idéias delirantes) de culpa                                                                 +1
Delírio nihilista (idéias delirantes de negação, aniquilamento, destruição
     iminente, desaparecimento corporal ou ruína do doente e/ou de seus
     familiares)                                                                                                            +
Atividade psicomotora de tipo depressivo (agitação ou lentificação)                          +2
Perda de peso superior a 3 kg                                                                                   
Ausência de uma psicogênese adequada ou suficiente (ausência de
     estresse psíquico e de dificuldades de existência depois do começo
     dos sintomas, capazes de explicar a perpetuação da doença)                                 +2
Personalidade adaptada (ausência de antecedentes neuróticos, de trans-
     tornos neuróticos invalidantes e de má adaptação social importante                      +1
Episódio depressivo prévio                                                                                        +1
Heteroacusações contra terceiros (tendência de atribuir sua doença a
     outro)                                                                                                                    -1
Ansiedade                                                                                                                   -1
O diagnóstico de depressão endógena exige uma pontuação igual ou superior a 6.
Uma nota de 5 ou menos é própria de uma depressão neurótica.
_______________________________________________________________________

 Na mesma época, surgia nos EUA uma  escala de auto-avaliação da depressão desenvolvida por Zung e colaboradores em 1965 que impulsionou a melhora da qualidade dos diangnósticos e um melhor acompanhamento clínico dos casos. A forma modificada dessa escala podemos ver na tabela abaixo: (2)

Tabela 6 -         Escala Zung-Modificada para auto-avaliação da depressão
                                                                      ______________________________________________
                                                                                     Raramente    Algumas    Boa parte     Maior parte
                                                                                       ou nunca       vezes         do tempo       do tempo
___________________________________________________________________________________
01 - Sinto-me triste, desanimado, melancólico                      1                  2                3                   4
02 - Dificuldade para dormir                                                1                  2                3                   4
03 - Sinto-me melhor pela manhã                                         4                  3                2                   1
04 - Alimento-me como antigamente                                    4                  3                2                   1
05 - Cansaço sem razão específica                                        1                  2                3                   4
06 - Dificuldade em tomar decisões                                      1                  2                3                   4
07 - Otimismo quanto ao futuro                                            4                  3                2                   1
08 - Sinto-me útil e necessário                                              4                  3                2                  
09 - Minha vida é vazia                                                        1                  2                3                   4
10 - Sinto alegria em fazer o que fazia antes                         4                  3                2                   1
___________________________________________________________________________________           
                   T
Índice =          X  100                                                        Depressão > 70
               40                                                                         
Outras escalas de auto-avaliação de depressão também foram surgindo e uma das mais conhecidas é a desenvolvida por Beck e colaboradores em 1978, na Universidade da Pensilvânia e conhecida como Inventário Beck Para Depressão. (4)
Em 1972, Feighner e colaboradores na Universidade de Washington, em Saint Louis, nos Estados Unidos, desenvolveram uma série de critérios básicos para o diagnóstico das depressões que aumentaram consideravelmente a segurança e a objetividade dos mesmos. Os critérios englobavam 16 categorias diagnósticas. Eles foram por alguns anos  a principal fonte de referência para diagnósticos psiquiátricos utilizados em pesquisas e na clínica nos EUA.
Em 1977, Spitzer, Endicott e Robins, da Universidade de New York,  publicam os critérios conhecidos como RDC (Research Diagnostic Criteria), englobando 21 categorias diagnósticas,  com o objetivo de trazer aos investigadores um sistema lógico para descrever e selecionar as amostras de pessoas dentro de cada categoria diagnóstica psiquiátrica e assim obter grupos relativamente homogêneos de pacientes.
Havia entre eles uma grande coincidência de critérios para diagnóstico das depressões e estes pesquisadores logo passaram a liderar um movimento da American Psychiatric Association no sentido de reformular o Manual Diagnóstico e Estatístico Versão II (DSM-II) de 1968, já completamente defasado em função do desenvolvimento e das novas descobertas no campo da psiquiatria. Isso deu surgimento ao DSM-III em 1980 e sua versão revisada em 1987, o DSM-III-R. A evolução no conceito de depressão e capacidade de precisão do seu diagnóstico são inquestionáveis e a prova disso é que ela passou a ser adotada em boa parte dos países de todo o mundo, inclusive no Brasil, em função do obsoletismo classificatório da  CID-9, da Organização Mundial de Saúde, que data de 1975 (Apêndice 1). (17) (23)  No Apêndice 2 podemos ver a classificação das depressões de acordo com o DSM-III-R.(3) No Apêndice 3 podemos ver os distúrbios afetivos na atual classificação da OMS, a CID-10, publicada em 1993 e que recebeu inúmeras influências da escola americana. (24)
Tabela 7 -      Critérios Diagnósticos de Feighner e Spitzer para a Depressão
===============================================================
Feighner, Saint Louis, 1972                                        Spitzer, New York, 1978
________________________________________________________________________
A- Disforia
     Humor disfórico                                                Humor disfórico ou perda intensa de
                                                                               interesse ou prazer
_______________________________________________________________________
B- Sintomas associados

     Apetite diminuído ou perda de peso;                 Os mesmos sintomas que Feighner mais
     dificuldades para dormir; perda de ener-            aumento do apetite ou de peso.
     gia; agitação psicomotora ou retardo;
     perda de interesse ou de prazer; sentimento
     de culpa ou autoreprovações; capacidade
    diminuída para pensar e/ou capacidade
    diminuída de concentração; pensamento
    sobre a morte ou o suicídio_________________________________________________________
C- Duração
     Pelo menos um mês                                       Pelo menos duas semanas
____________________________________________
D- Exclusões
     Qualquer condição psiquiátrica prévia          Delírios de ser controlado ou de influência
     distinta da depressão e da mania                   sobre o pensamento (eco, roubo ou produ-
                                                                         ção); alucinações não afetivas durante vá-
                                                                         rios dias; vozes em forma de comentário
                                                                         sobre a a conduta do doente ou múltiplas
                                                                         vozes conversando entre si; um mês de
                                                                         alucinações não afetivas ou delírios sem
                                                                         sintomas depressivos proeminentes durante
                                                                         a presente enfermidade; preocupação em
                                                                         torno de um delírio ou alucinação; acentua-
                                                                         da desordem formal.
_______________________________________________________________________
E- Exigências
     A; cinco ítens de B, C e D                           A; cinco ítens de B, C e D
     (Humor disfórico; pelo menos cinco            (Humor disfórico ou perda do interesse ou
     dos oito sintomas associados; duração         prazer; pelo menos cindo dos nove sintomas
     mínima de um mês e nenhum quadro           associados, duração mínima de duas sema-
     psiquiátrico preexistente                              nas e exclusão de quadros preexistentescom
                                                                        certos sinais esquizofrênicos primários)
________________________________________________________________________
F- Catalogação dos ítens A-B com relação
    ao modelo depressivo tetradimensiona

   Quatro ítens do humor depressivo, três         Quatro ítens do humor depressivo, três ítens
    ítens da anergia, dois ítens da ritmopatia.       da anergia, três ítens da ritmopatia.
                 (Quando existe uma alternativa é computado somente o primeiro traço citado)
Fonte: Alonso-Fernández, 1988. (2)

Em 1978,  foi desenvolvido por Spitzer e  Endicott, no Instituto Estadual de Psiquiatria de Nova York o Roteiro para Distúrbios Afetivos e Esquizofrenia (SADS), entrevista estruturada, cujos escores podem ser processados em computador e apresentar importante contribuição ao diagnóstico psiquiátrico, notadamente das depressões. Ele foi baseado fundamentalmente nos critérios diagnósticos do RDC, sendo a base para o desenvolvimento das modernas entrevistas estruturadas norte americanas. (27)
A partir de 1968, Wing e cols., da Universidade de Londres, desenvolvem uma entrevista semi-estruturada para diagnóstico psiquiátrico, compatível com a CID-8, denominada Exame do Estado Mental - PSE (Present State Examination) que, através de um programa de computador denominado CATEGO, melhora acentuadamente a capacidade do investigador ou do clínico de elaborar um diagnóstico psiquiátrico com um mínimo de interferências subjetivas, na medida em que segue rigorosamente os critérios psicopatológicos clássicos, descritos em um glossário anexo.(29) Foram elaboradas sucessivas versões desse programa e da entrevista, adaptando-os às atualizações da Classificação Internacional de Doenças. Atualmente, a última versão, denominada SCAN, adaptada para a CID-10 já está em utilização na pesquisa e na clínica.
Em 1990, Spitzer e cols., publicam nos Estados Unidos, a Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-III-R (SCID), com suas versões para pacientes psicóticos, para não pacientes (estudos na comunidade) e para distúrbios de personalidade, com o intuito de aprimorar o diagnóstico psiquiátrico baseado na classificação americana, o que, sem a menor sombra de dúvida, foi conseguido. (26)

                                         Os modelos nosográficos atuais

Como vimos anteriormente, os modelos classificatórios das depressões adotados pela fenomenologia clássica seguem o modelo kraepeliniano. Por quase dois terços do século XX o critério diagnóstico de psicose maníaco-depressiva, que Kraepelin desenvolvera em 1896,  prevaleceu.  Era uma forma de psicose endógena, cuja fase depressiva seguia rigorosamente todos os critérios para as depressões endógenas ou vitais, portanto, processuais,  contrapondo-se às depressões neuróticas, cujas características eram as de um desenvolvimento fenomenológico, com fortes influências de fatores psicossociais.  Toda essa gama de diferentes tipos de depressões com frequência levava os profissionais a diagnosticar sub-tipos  depressivos iguais ou assemelhados a formas distintas de depressão. Isso criou um problema de confiabilidade diagnóstica que precisava ser sanado. (8) (16) (17) (20) 
Leonhard, em 1957,  propôs os termos de distúrbio monopolar (ou unipolar) e bipolar para o grupo de transtornos afetivos incluindo aí a depressão recorrente (endógena) no primeiro caso e à depressão alternada com crises de mania ou hipomania no segundo caso. Os estudos posteriores verificaram haver diferenças quanto à história familiar, evolução natural da doença, curso, sintomatologia, dados biológicos, prognóstico e distintas respostas a tratamentos. (2) (16)
Em 1976, Dunner e colaboradores propuseram a classificação de distúrbio bipolar I e bipolar II quando se tratava de depressões seguidas de surtos maníacos no primeiro caso e hipomania no segundo. (2) (16)
Novos termos vieram a enriquecer as atuais classificações e o esforço desenvolvido pelos psiquiatras norte-americanos no campo da nosografia terminou por ser reconhecido pela Organização Mundial de Saúde que incorporou muitos de seus conceitos em sua última classificação, a CID-10.(24)
Com o DSM-III, em 1980, surgiram novas terminologias psiquiátricas no capítulo dos distúrbios afetivos que foram incorporadas às gerações nosográficas posteriores. A revisão de 1987 ampliou e aperfeiçoou os conceitos, dando-lhes maior objetividade e confiabilidade.(3)  Vejamos alguns dos atuais conceitos prevalecentes no universo psiquiátrico atual.
Tabela 8 -          Transtornos do Humor Segundo o DSM-III-R
  Transtornos bipolares                                                Transtornos depressivos
Bipolar I       Ciclotimia                         Depressão maior     Distimia      Depressão atípica

Bipolar II     Depressão sazonal             Melancolia    Depressão psicótica                                   

Transtornonos aparentados                  Personalidade Esquizoafetiva               Esquizofrenia              

                                                   Distimia
A distimia foi originalmente descrita por Kraepelin (1921) como o temperamento afetivo básico que forma o substrato para a melancolia. (Hischfeld e Goodwin, 1989). (16)
Para Akiskal e cols. (1983), um dos mais influentes construtores do DSM-III, a distimia corresponde ao antigo grupo das depressões neuróticas ou transtornos de personalidade. (16)  É um quadro depressivo leve, intermitente, de início insidioso, em que o indivíduo sofre oscilações de humor depressivo súbitas ou contínuas, de intensidade variável ao longo do dia e de um dia a outro, durante anos. Esta alteração do humor geralmente está ligada a acontecimentos desagradáveis da vida e pode ser agravada por eles. O humor geralmente é triste ou melancólico, podendo ser irritável, com presença de forte ansiedade. Alguns pacientes não se julgam deprimidos até o agravamento do quadro, podendo chegar à angústia e “dor” psíquica.  Outros sintomas muito frequentes: redução da energia, desânimo e maior custo para a realização dos afazeres de rotina, diminuição da capacidade de sentir alegria e prazer em algumas áreas que antes eram interessantes e agradáveis, redução da capacidade de concentração e predomínio de idéias de cunho depressivo ou mesmo presença de ruminações depressivas. A sensibilidade fica elevada em relação a quaisquer situações potencialmente desagradáveis ou problemáticas, tornando-as motivo de piora do próprio estado depressivo. Os diversos estresses que sofrem podem até justificá-lo (Moreno e Moreno, 1994). (20)
Segundo Akiskal, todos os sintomas depressivos (à excessão dos psicóticos) também são encontrados na distimia, a diferença dando-se por conta da falta de alguns deles num mesmo indivíduo, a oscilação ou intermitência, os graus variáveis no decorrer dos dias, que são não incapacitantes, mas comprometem o desempenho e o relacionamento interpessoal e trazem grande sofrimento pessoal. À medida que o distúrbio avança a capacidade de autocrítica se reduz, confundindo-se com a personalidade do indivíduo.  Muito frequentemente o quadro evolui para uma depressão dupla: longo período de distimia seguido de crise depressiva maior unipolar, que apresenta pior prognóstico e grande risco de resistência terapêutica bem como dependência ao álcool e drogas. (Moreno e Moreno, 1994); (Akiskal, 1983,  Keller et al., 1983). (16) (20)
Distimia é uma condição crônica. A idade típica de início varia consideravelmente do início à metade da adolescência até o final da vida.
Em 1993, Akiskal propôs um sistema de classificação que subdivide distimia em três grupos:
          a- Depressivos primários de início tardio nos quais a distimia representa cronicidade residual;
b- Pacientes nos quais a distimia é secundária a um transtorno psiquiátrico não afetivo ou físico incapacitante e nos quais a idade de início é variável e o curso clínico é semelhante ao curso do transtorno primário;
c- Depressão caracterológica, observada em pacientes nos quais a distimia parece ter uma base temperamental ou caracterológica. Aqui ela tem um início precoce e insidioso e um curso flutuante. (16)
Akiskal subdividiu as depressões caracterológicas em transtornos de “espectro de caráter” e “transtornos distímicos subafetivos”. Para ele esses grupos diferem na personalidade, história familiar e variáveis farmacológicas. (16)
As pessoas com transtorno de espectro de caráter têm personalidades dependentes, histriônicas ou sociopáticas; não se tornam hipomaníacos após a administração de antidepressivos tricíclicos (ATC) e não respondem a tratamentos farmacológicos. (15)
As portadoras de distimia subafetiva apresentam personalidade depressiva schneideriana clássica (ruminativos, pessimistas, autocríticos), têm histórias familiares de transtornos afetivos (tanto unipolar como bipolar), respondem geralmente bem aos ATC’s com breves períodos hipomaníacos e demonstram uma boa resposta ao lítio ou aos ATC’s.(16)

                                                   Ciclotimia

A ciclotimia caracteriza-se por intabilidade persistente do humor (mais de dois anos), com períodos depressivos mais leves (distímicos) e períodos de hipomania. Não chegam a ter a gravidade e a duração dos transtornos bipolares e as pessoas permancem dessa forma quase todo o tempo. Segundo Goodwin e Jamison (1990), esses transtornos também podem ser considerados como distúrbios da personalidade. Há uma elevada incidência de ciclotimia em familiares de pacientes com transtornos bipolares e pode predispor ao desenvolvimento do transtorno afetivo bipolar. (20)
                                          Depressão Melancólica
Caracteriza-se pela presença dos mesmos critérios para depressão maior, além de relacionar-se a boa resposta prévia à terapêutica com antidepressivos tricíclicos, eletroconvulsoterapia (ECT), inibidores da monoaminooxidase (IMAOs) e lítio, surgindo mais frequentemente em pessoas acima dos 40 anos com personalidade pré-mórbida estável, não neurótica. É comumente considerada como a forma mais grave das depressões. (20)

                                             Depressão Atípica

É um quadro que se caracteriza por apresentar sintomatologia oposta à da depressão maior, com humor reativo a estímulos, hipersonia, aumento do apetite e do peso, depressão com ansiedade acentuada, queixas fóbicas e dificuldade para iniciar o sono.  Elas respondem melhor aos inibidores da monoaminooxidase (IMAO) do que aos antidepressivos tricíclicos (ADT). (20)

                                             Depressão Sazonal

Caracteriza-se por episódios recorrentes que têm início no período outono-inverno e melhora no período da primavera-verão. Foi descrita por Rosenthal e colaboradores em 1984, quando verificaram serem mais frequente nas mulheres. Normalmente aparece com sintomas atípicos (hiperfagia, ganho de peso, hipersonia, letargia e isolamento).  Provavelmente tem como uma das causas a redução da luminosidade nessa época do ano, mecanismo vinculado ao aumento da produção de melatonina (que inibiria a produção de serotonina) e responde bem à fototerapia (250 a 500 lux por um período vespertino de aproximadamente 2 horas) e também à terapêutica com os IMAO. (20)

                                           Depressão Psicótica

Preenche os critérios para depressão maior associada à presença de delírios e/ou alucinações e, em alguns casos, obnubilação de consciência.  Geralmente são delírios congruentes com o humor (culpa, niilismo, ruína, morte, pecado) e, em algumas ocasiões encontramos delírios incongruentes com o humor que, para alguns autores, tratavam-se de quadros esquizoafetivos. As recidivas são frequentes e costumam melhorar apenas com a associação de eletroconvulsoterapia (ECT) e neurolépticos, com pouca resposta aos antidepressivos. (20)

                               REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(****) BIBLIA SAGRADA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 11a. Impressão. Rio de Janeiro, Imprensa Bíblica Brasileira, 1956, p.556.
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