segunda-feira, 9 de julho de 2012

O Transtorno Bipolar do Humor

O TRANSTORNO BIPOLAR DO HUMOR

Orientação para pacientes, familiares e amigos

 Doris Hupfeld Moreno, Ricardo Alves Moreno e Táki Athanássios Cordás (Univ. São Paulo)

Introdução


Os conceitos de depressão e mania existem há séculos, e Hipócrates já havia descrito pacientes com melancolia, atribuindo­-lhes causa biológica. Entretanto, somente a partir do século XIX ficou claro que depressão e mania representavam dois estágios de uma mesma doença.

Até o início dos anos oitenta, o transtorno do humor (ou afetivo) bipolar era conhecido como psicose maníaco-depressiva, mas, a partir dos anos setenta, foram estudadas também formas mais leves de euforia, como a hipomania. Com isso, o termo psicose, que denotava maior gravidade, deixou de ser apropriado para a maioria dos pacientes.

A última edição da Classificação Internacional das Doenças, realizada pela Organização Mundial da Saúde e publicada em português em 1993, foi fruto de investigações realizadas no mundo todo, adaptou-se mais à realidade clínica dos pacientes e possibilitou o diagnóstico de depressões e euforias com gravidade variável.

Chamamos de bipolares tipo I os pacientes que tiveram, pelo menos, uma fase de mania ou estado misto e de bipolares tipo II aqueles que, ao longo da vida, tiveram apenas hipomania, ou seja, euforias leves.

Apesar de a doença maníaco-depressiva ser conhecida há muitos anos, a falta de um tratamento eficaz facilitava a confusão do diagnóstico com esquizofrenia e, geralmente, levava à internação. O surgimento de tranqüilizantes potentes e de sais de lítio trouxe novo alento. Pacientes que tinham acesso ao tratamento preventivo com lítio geralmente deixavam de ser reinternados. Foi ocorrendo uma gradativa descentralização do tratamento hospitalar para o ambulatorial. permitindo auxiliar pacientes com formas mais leves de euforia e depressão, antes pouco vistos ou diagnosticados como "neuróticos" .

O aprimoramento do diagnóstico e o aparecimento de novos medicamentos impulsionaram a pesquisa sobre os transtornos do humor, principalmente na década de noventa. Conhecer melhor o diagnóstico, as causas e o tratamento permite aos pacientes a oportunidade de restaurar sua própria vida, na família, com os amigos, no trabalho e nos estudos.


O que são transtornos do humor? 

Transtornos do humor (ou afetivos) são enfermidades em que existe uma alteração do humor, da energia (ânimo) e do jeito de sentir, pensar e comportar­se. Acontecem como crises únicas ou cíclicas, oscilando ao longo da vida. Podem ser episódios de depressão ou de mania. Na depressão, a pessoa sente tristeza exagerada e desânimo e, na mania, um aumento da energia e euforia anormal. A maioria dos pacientes sofre apenas de depressão(ões) e alguns também têm manias. O termo mania não significa "mania de fazer alguma coisa" ou algum tique - é simplesmente o nome que o médico dá para a fase de euforia da doença maníaco-depressiva. Às vezes, surgem sintomas depressivos e maníacos simultanearnente, os chamados estados mistos.

Os sintomas de euforia e depressão podem variar de um paciente a outro e no mesmo paciente, ao longo do tempo, muitas vezes confundindo-o e seus familiares.

O que significa bipolar ?
Os transtornos do humor podem acontecer ao longo da vida dentro de um curso uni polar ou bipolar. No unipolar, só ocorrem depressões e, no bipolar, depressão e mania. Pacientes que só têm manias são raros e contam como bipolares, porque costumam desenvolver depressão mais cedo ou mais tarde.
Que tipos de transtornos do humor existem  ?

Os transtornos do humor podem ter freqüência, gravidade e duração variáveis. Portanto, a depressão pode ser única ou recorrente (repetir-se várias vezes), de intensidade leve, moderada ou grave, e durar semanas, meses ou anos. Se os sintomas persistirem por anos, são chamadas de crônicas. Se for leve ou moderada, a pessoa ainda consegue realizar suas atividades com esforço, algo impossível se ela for grave. A maioria das pessoas que sofre de depressão não acha que está doente porque não está gravemente deprimida, ou seja, incapacitada, desesperada ou angustiada. A distimia é um tipo de transtorno do humor com sintomas depressivos mais leves que os da depressão, porém duradouros e oscilantes, em que predominam irritabilidade e mau humor. Freqüentemente é confundida com a personalidade da pessoa e costuma evoluir para depressão.

Basta uma única fase de hipomania ou mania, precedida ou não de qualquer tipo de depressão acima mencionado, para diagnosticar transtorno do humor bipolar. Depois da primeira (hipo)mania, geralmente se alternam depressões e euforias de intensidade variável. Existem quatro tipos de transtorno bipolar. Se houve, pelo menos, um período de mania ou estado misto, é bipolar tipo I; quando só aconteceram hipomanias - crises de euforia mais leves que mania - bipolar tipo 11. O estado misto caracteriza-se pela superposição ou alternância em um mesmo dia de sintomas depressivos e eufóricos importantes. Na ciclotimia, alternam-se durante anos sintomas de depressão e de euforia ainda mais leves, que duram apenas alguns dias. Pode ser confundida com um jeito de ser "instável", "cheio de altos e baixos" e freqüentemente antecede sintomas depressivos e eufóricos mais graves.
Se a depressão, a mania ou o estado misto estiverem acompanhados de alucinações (sentir, ver ou ouvir algo que não existe! ou delírios (pensar algo irreal, como achar-se culpado de coisas que não fez, que está sendo perseguido, que possui poderes especiais, etc.), trata-se do subtipo psicótico.
O transtorno do humor bipolar também pode ser chamado de transtorno afetivo bipolar ou doença maníaco-depressiva.

Qual a freqüência dos transtornos do humor e quem corre maior risco ?

Os transtornos do humor atingem mais de 20% da população ern algum momento da vida. As depressões são duas vezes mais comuns em mulheres que em homens, iniciam-se, em geral, entre 20 e 40 anos de idade e vitimam 16% a 18% das pessoas. Transtornos do humor bipolares tipo I atingem igualmente 1 % a 2% dos homens e mulheres e começam geralmente entre 15 e 30 anos de idade. Cerca de 5% da população pode desenvolver a forma bipolar tipo li, mais comum em rnulheres. Apesar de infreqüentes, os transtornos do humor atingem crianças, com sintomas ansiosos e irritabilidade predominantes.

Quais são as causas do transtorno bipolar do humor ?

Desconhecem-se as causas exatas do transtorno bipolar, mas, aparen­temente, o fator genético é determinante. Existe uma interação complexa entre fatores ambientais e internos com graus variáveis de vulnerabilidade genética. Inúmeros estresses podem desencadear ou mesmo manter as primeiras crises. Dificuldades financeiras, doença na família, perda de uma pessoa importante, uso de drogas, de inibidores de apetite, parto, etc. podem desencadear a doença em pessoas predispostas.

Parentes de primeiro grau de pacientes com transtorno bipolar do humor podern ter diferentes tipos de transtornos do humor: unipolar, bipolar tipo I ou II, ciclotimia ou distirnia.

É muito comum a pessoa atribuir a acontecimentos importantes, a problemas financeiros, profissionais ou sociofamiliares as razões para entrar em depressão ou (hipo)mania. É mais comum ainda que ao menos parte desses problemas seja conseqüência dos sintomas iniciais da doença, que se agravam a partir daí.

Quais são os sintomas da depressão ? 

Na depressão, a pessoa fica com o hurnor para baixo, sente-se triste, apática, angustiada, ansiosa. Cai o nível de energia, aparecem o desânimo e a dificuldade em sentir prazer na vida como antes, inclusive sexual. Ocorre uma lentificação psíquica e física, paradoxalmente associada a desassossego quando a ansiedade for intensa. Fica difícil concentrar-se, a memória falha, o raciocínio não flui mais. A mente é invadida por um onda de pessimismo, de idéias e de preocupações negativas. Surgem sentimentos de culpa, inse­gurança, medo, inutilidade, solidão, burrice, inadequação, fracasso, baixa auto­estima e falta de sentido. Tudo é avaliado dentro de uma visão negativa distorcida: passado, presente e futuro. Podem aparecer pensamentos de morte e alucinações. Ocorrem alterações de apetite e/ou peso. O tempo de sono pode aumentar ou diminuir, mas o sono deixa de ser reparador. Freqüentemente há queixas de dores e de mal-estarfísico, resultando em várias visitas médicas sem sucesso antes de se diagnosticar depressão.

Como identificar alguém em depressão ?

A depressão geralmente passa despercebida, porque, para a maioria das pessoas, é leve a moderada, comprometendo menos a capacidade da pessoa. Geralmente, ela é sentida quando aparecem angústia, sofrimento psíquico e muita ansiedade. É importante saber que q irritabilidade é um sintoma muito comum e nunca representa uma característica de personalidade. Os sintomas mais freqüentes são:

• humor para baixo, tristeza, angústia ou sensação de vazio;

• irritabilidade, desEspero;

• pouca ou nenhuma capacidade de sentir prazer e alegria na vida;

• cansaço mais fácil, desânimo, preguiça, falta de energia física e mental; . falta de

   concentração, lentidão do faciocínio, memória ruim;

  falta de vontade, falta de iniciativa e interesse, apatia;

  pensamentos negativos repetidos amplificados, pessimismo, idéias de culpa, fracasso,

    inutilidade, falta de sentido na vida, doença, morte (suicídio);

  sentimentos de insegurança, baixa auto-estima, medo;

  interpretação distorcida e negativa do presente, de fatos ocorridos no passado e no futuro;

  redução da libido e vontade de ter sexo;

  perda ou aumento de apetite e/ou peso;

  insônia ou dormir demais, sem se sentir repousado;

• dores ou sintomas físicos difusos, sofridos, que não se explicam por outras doenças: dor de

   cabeça, nas costas, no pescoço e nos ombros, sintomas gastrointestinais, alterações

   menstruais, queda de cabelo, dentre outros;

  em depressões graves, alucinações e/ou delírios.

Para fazer o diagnóstico, bastam sintomas dos três primeiros itens e, pelo menos, dois dos   demais.

Qual a diferença de uma tristeza normal ?

Sentimentos de alegria, tristeza, "fossa", angústia ou luto fazem parte da vida. O deprimido percebe a diferença entre uma tristeza normal, que já sentiu antes, da tristeza da depressão, que significa sofrimento constante, que passa, mas retoma sem aviso prévio. A angústia reativa, devido a problemas situacionais, resolve-se com a solução das dificuldades. Quem tem uma depressão reativa consegue resolver os problemas e não os torna maiores do que são. Se estiver estressado ou muito cansado, vai aproveitar bem suas férias.

O deprimido aumenta as suas dificuldades, tem uma sensação de incapacidade e não consegue mais solucionar seus problemas - ou vê problemas onde não existem. O deprimido complica sua vida, torna-se muito sensível a tudo e percebe "patinar" em coisas anteriormente fáceis de resolver. Se sair de férias para descansar, leva a depressão junto.

                                                                 Como é a mania?

O termo mania significa um estado mental alterado em que a pessoa se sente eufórica, acelerada e/ou muito irritada, "pavio curto", podendo tomar-se agressiva verbal e fisicamente. Ocorrem agitação ou inquietação, aumento da energia e redução da necessidade de sono. Os pensamentos aceleram-se, aumenta a quantidade de idéias, a pessoa não consegue falar tudo o que vem à mente ao mesmo tempo. Não consegue manter a atenção em um único tema, começa a fazer muitas coisas ao mesmo tempo e não consegue terminar, tudo se torna importante. Tudo precisa acontecer imediatamente, há brigas e discussões. Os sentimentos podem ser de alegria exagerada e grande euforia ou mesmo de agitação incômoda e sofrida. Surgem autoconfiança e otimismo extremos, sensações de poder, influência, capacidade, inteligência e riqueza. Ela pode ter alucinações e achar-se imbuída de poderes ou dons especiais. Súbitos sentimentos de depressão podem vir e logo desaparecer. Muitos planos vêm à mente, ocorrem gastos excessivos, endividamentos, negócios irresponsáveis ou precipitados. Aumenta o contato social, a pessoa fica desinibida, deixa de se comportar de acordo com seu padrão. Na esfera sexual, aumenta a libido, a desinibição e o erotismo. Em geral, falta autocrítica, porque a pessoa sequer percebe as mudanças ou não as vê como algo ruim ou incompreensível.

Como na depressão, nem todos os sintomas necessitam estar presentes para que o médico faça o diagnóstico.

Como identificar quando alguém  está em mania?

Em geral, a mudança no comportamento é gradual, agravando-se rapidamente, mas pode começar de um dia para o outro. Dura dias, semanas ou meses se não for tratada. Normalmente, a pessoa encontra motivos para sentir-se tão animada e não percebe a alteração dos pensamentos e sentimentos. A própria família e os amigos não costumam atribuir a mudança do comportamento a sintomas de doença. Para isso, é necessário serem informados. Dentre os sintomas mais importantes, temos:

  humor para cima, exaltação, alegria exagerada e duradoura; irritabilidade (impaciência,  

    "pavio curto");

  agitação, inquietação física e mental;

  aumento da energia, da produtividade ou começar muitas coisas e não conseguir terminar;

  pensamentos acelerados, tagarelice;

  achar que possui dons ou poderes especiais de influência, grandeza e poder; . otimismo e

    autoconfiança exagerados;

  aumento dos gastos, endividamentos;

  distração fácil: tudo desvia a atenção;

  maior contato social e desinibição, comportamento inadequado e provocativo, agressividade

    física e/ou verbal;

  erotização, aumento da atividade e necessidade sexuais;

  insônia, redução da necessidade de sono;

  quando grave, ocorrem delírios e/ou alucinações.

O  que é hipomania?
Na hipomania, o grau de aceleração psíquica é menor que na mania. É comum aparecer antes ou depois de uma depressão e durar alguns dias. Os sintomas são os mesmos, de menor gravidade, e a pessoa não tem sintomas psicóticos. O humor geralmente é irritável e a pessoa torna-se provocativa (achando sempre que os outros a provocam). O aumento de energia pode ser produtivo, mas a pessoa se dispersa mais e perde mais tempo com detalhes. Pode ter menos necessidade de dormir, tornar-se exageradamente otimista, segura de si, arrogante, enfim, sentir-se acima dos outros. Aumentam as idéias, os planos, os gastos, a libido. Como na mania, a pessoa justifica toda a alteração do comportamento atribuindo-a a circunstâncias da vida, mas, por ser menos séria, freqüentemente não é diagnosticada.

Como é o estado misto?

Como o próprio nome diz, nessa situação ocorrem simultaneamente sintomas depressivos e maníacos acentuados. A pessoa pode acordar em pleno sofrimento e lentidão depressiva, ir melhorando e sentir-se progressivamente mais eufórica com o passar do dia, ou o inverso. Também pode sentir-se muito agitada, acelerada, fazendo gastos e, ao mesmo tempo, queixar-se de angústia, desesperança, pessimismo e vontade de morrer, ou seja, sentir-se ao mesmo tempo exaltada e deprimida. Freqüentemente ocorrem estados mistos na passagem de uma fase de. (hipo)mania para depressão ou vice-versa.

Está certo rotular as pessoas como maníaco - depressivas ?
Rótulos são dados a produtos. Pacientes recebem diagnósticos médicos. Sem o diagnóstico correto, é impossível elaborar estratégias de tratamento. Os sintomas que permitem diagnosticar o transtorno bipolar do humor são os mesmos, independentemente de raça, cultura ou classe social. Eles se diferenciam da vida psíquica normal, alterando a forma de sentir, pensar e agir. Obviamente estão inseridos na vida da pessoa, mas não devem ser confundidos com características de personalidade nem justificados somente por circunstâncias existenciais. Profissionais treinados na clínica psiquiátrica são habilitados para diagnosticar, respeitando o que cada indivíduo possui de único.

O que acontece se não tratar?

Existe a possibilidade de os sintomas melhorarem sem qualquer tratamento após semanas, meses ou anos. Mesmo antes de haver medicamentos eficazes, sabia-se que o paciente podia ter apenas um episódio de depressão na vida, com anos de remissão, antes de se reiniciarem os sintomas, ou apresentar episódios anuais ou intervalos de tempo cada vez menores alternados com períodos de doença cada vez maiores ao longo do tempo. É importante saber que, com tratamento, o estado maníaco ou depressivo passa mais rápido, sem deixar seqüelas.

Pessoas que sofrem de transtorno bipolar levam em média oito anos antes para serem diagnosticadas e/ou receberem tratamento adequado. Nesse período, os pacientes tiveram sofrimento físico e psíquico imensurável e podem ter acumulado perdas irreversíveis nos relaciona­mentos afetivos, nos estudos e no trabalho. Isso significa separações, repetência, incapacidade de adquirir uma profissão, perda do emprego, invalidez precoce ou mesmo morte.

Na depressão, tudo se torna difícil e custoso: estudar, trabalhar, conviver com as pessoas. Comprometem-se relacionamentos afetivos, na família, com o cônjuge ou com colegas e amigos. Para atenuar o sofrimento, muitos se tornam usuários de tranqüilizantes, álcool ou drogas. Além das perdas já mencionadas, a pessoa pode correr risco de vida por negligenciar cuidados com a saúde ou por suicídio.

Durante a mania, a pessoa sente-se ótima e não consegue avaliar as conseqüências da irritabilidade, da desinibição e da sociabilidade na esfera pessoal. Atitudes tomadas durante a (hipo)mania podem resultar em rompimentos conjugais, com familiares e com amigos ou em ruína financeira e endividamentos. Há risco de adultério, de gravidez indesejada, de contrair doenças sexualmente transmissíveis. Os pacientes podem perder o emprego, arruinar sua reputação, passar a abusar de álcool e/ou drogas. A combinação com o álcool é desastrosa, pelo risco de acidentes, de violência e de problemas com a polícia.

Como tratar alguém com transtorno bipolar ?

O aparecimento do transtorno bipolar deve-se a uma combinação de fatores, em que aspectos biopsicossociais desempenham papel importante no desencadeamento da doença. Assim sendo, tratamentos medicamentosos, orientações sobre a doença e orientação psicológica estão indicados. O segredo está no encontro da combinação ideal para cada paciente.

Orientação psicoeducacional

Se o remédio não for tomado, de nada adianta receitá-lo. Para aumentar o sucesso do tratamento, é preciso esclarecer ao paciente e aos familiares sobre os sintomas da doença, suas causas, como ela pode seguir durante a vida da pessoa, quais os riscos, que atitudes tomar durante a depressão e na mania, como se preparar para as recorrências e assim por diante. Alguns aspectos são fundamentais. Em primeiro lugar, será tratado o diagnóstico de transtorno bipolar, não apenas sintomas depressivos ou eufóricos, levando em consideração que a doença é para a vida toda, podendo hibernar por meses ou anos, o tratamento deve ser planejado para atender as necessidades a curto, médio e longo prazos.

Na orientação acerca da doença, também deve ser abordado o preconceito. Resolver dúvidas ajuda a diminuí-lo, mas só o tempo poderá eliminá-lo de vez. Infelizmente, pacientes e familiares sofrem durante anos, acumulando ressentimentos, queda do poder aquisitivo e atraso na formação antes da aceitação do diagnóstico e do tratamento.

Outra questão a ser aprendida é como lidar com uma nova crise. Cuidar da decepção, da frustração, da desesperança e, além disso, prevenir conseqüências prejudiciais são fundamentais na recuperação.

Tratamento medicamentoso

Existem vários tipos de substâncias usadas no tratamento do transtorno bipolar, dependendo do estado em que o paciente se encontra: estabilizadores do humor, antidepressivos, antipsicóticos e tranqüilizantes. Para tratar uma crise de depressão, pode ser necessário o uso de antidepressivos se os estabilizadores do humor não forem suficientemente eficazes; em uma (hipo)mania, apenas estabilizadores do humor podem resolver ou adicionam-se antipsicóticos e tranqüilizantes. Esses são os tratamentos de fase aguda.

Quando a pessoa já teve, pelo menos, três crises ou uma muito séria e tem o diagnóstico de transtorno bipolar do humor, é aconselhável não adiar o tratamento de manutenção, para evitar ou reduzir a gravidade de novos períodos de doença. Os estabilizadores do humor podem bastar para controlar uma (hipo)mania ou estado misto, mas são os remédios ideais para o tratamento de manutenção ou preventivo de novos episódios do transtorno bipolar.

É importante lembrar que, mesmo a curto prazo, o efeito dos medicamentos na depressão, na (hipo)mania ou no estado misto leva, pelo menos, duas a quatro semanas para ser significativo. A melhora completa pode levar alguns meses e, depois disso, é necessário manter as medicações usadas na fase aguda da doença por mais algumas semanas ou meses, dependendo da gravidade. Depois de melhorar por completo, não apenas parcialmente, o paciente segue para a fase de manutenção.

Nessa fase, normalmente a pessoa sente-se bem e corre o risco de descuidar do rigor no tratamento medicamentoso. Da mesma maneira como acontece na hipertensão arterial ou no diabetes, a pessoa sente-se bem por estar tomando remédios. Ela não pode parar sem o consentimento do médico achando que está curada.

Felizmente dispomos, hoje em dia, de vários remédios que podem controlar o transtorno bipolar do humor, de tal modo que, se a pessoa não puder tomar algum deles ou não se beneficiar o suficiente, é possível trocá-los ou fazer combinações entre eles. Serão mencionados somente os disponíveis no Brasil.

Estabilizadores do humor são os remédios mais importantes e devem ser usados a partir do diagnóstico de transtorno bipolar. Controlam o processo de ciclagem de um episódio a outro, reduzindo a quantidade de depressões e (hipo)manias e a gravidade delas. Variam entre si no efeito antidepressivo e antimaníaco. Os mais estudados e bem conhecidos são o carbonato de lítio, a carbamazepina e o ácido valpróico. Com exceção do lítio, todos eles são também usados como anticonvulsivantes (remédios para tratar epilepsia).

   lítio (Carbolitium@, Litiocar@, Carbolim @)

   carbamazepina (Tegretol@)

   oxcarbazepina (Trileptal@)

   ácido valpróico (Depakene@)

   lamotrigina (Lamictal@)

   gabapentina (Neurontin@)

   topiramato (Topamax@)

Antidepressivos são o tratamento indicado para as depressões. No paciente com transtorno do humor bipolar, o médico primeiro introduz o estabilizador do humor e, se não melhorar, associa um antidepressivo. Essa cautela reduz o risco de ciclagem para euforia que os antidepressivos podem desencadear. Se isso acontecer, demorará mais para controlar a doença a longo prazo.

. Tricíclicos e heterocíclicos

  . por exemplo, Tofranil®, Anafranil®, Tryptanol®, Pamelor®, Ludiomil®.

. Inibidores da monoaminoxidase (lMAOs)

  . por exemplo, Parnate®, Stelapar®, Aurorix®

. Inibidores seletivos de recaptação de serotonina (lSRS)

  . por exemplo, Prozac®, Cipramil®, Aropax®, Zoloft®, Luvox®.

. Novos antidepressivos

  . por exemplo, Efexor®, Remeron®, Stablon®,.Prolift®, Wellbutrin®, Ixel®, Lexapro®

Antipsicóticos são medicamentos de efeito antimaníaco e antipsicótico. Podem ser usados durante um episódio de depressão, mania ou estado misto se houver sintomas psicóticos.

. De primeira geração

  . por exemplo, Haldol®, Amplictil®, Stelazine®, Neuleptil®, Melleril® Navane®.

. Novos antipsicóticos

  . por exemplo, Risperdal®, Leponex®, Zyprexa®, Seroquel®, Geodon®, Abilify®.

Tranqüilizantes  representam substâncias com ação hipnótica ou tranqüilizante, que devem ser usados temporariamente, enquanto os estabilizadores do humor não fizerem efeito.

  . por exemplo, Valium®, Rivotril®, Lorax®, Lexotan®, Stilnox®, Frontal®, Olcadil®.

Eletroconvulsoterapia (ECT)

A ECT é um dos tratamentos antidepressivos e antimaníacos mais eficazes indicado nos extremos da mania e da depressão, para prevenir exaustão ou suicídio, pelo rápido tempo de ação. Inclui aplicar pequenas correntes de energia durante rápida aplicação de anestesia geral, para obter uma convulsão de alguns segundos de duração. Jamais deve ser considerado tratamento de última escolha, prolongando inutilmente o sofrimento pela falta de melhora com os medicamentos. É o mais seguro em gestantes e idosos e pode salvar a vida do paciente.

Tratamentos psicológicos

O tratamento medicamentoso é básico, mas o transtorno bipolar não é meramente um problema bioquímica, mas também psicológico e social. Entrar em contato com os sintomas do transtorno bipolar causa sofrimento e pode ser traumatizante para o paciente e para a família. O medo de como isso vai afetar sua vida, o preconceito e a aceitação do diagnóstico requerem atenção psicológica. Para aceitar, é necessário conhecer a doença a ponto de diferenciar seus pensamentos e sentimentos e tomar decisões baseadas em conhecimento e não em emoções, como medo ou raiva da doença. Tratamentos psicológicos procuram fornecer boas informações, orientação e motivação em um ambiente de apoio e confidencial.

Há vários tipos, dependendo da necessidade específica de cada paciente, como psicoterapias individual ou grupal. terapia familiar ou conjugal e orientação psicoeducacional, como mencionado anterior­mente.

Durante o curso do tratamento, o paciente costuma enfrentar recorrências, pois o, manejo medicamentoso pode demorar até ser acertado. Tais experiências trazem desapontamento, dúvidas sobre o tratamento, senti­mentos de culpa e de revolta. Na psicoterapia e na orientação sobre a doença, é possível encontrar esclarecimento e apoio necessários para superar cada -novo obstáculo que a doença impõe.

Problemas que comprometem o resultado terapêutico

A magnitude das conseqüências depende da combinação de uma série de fatores: idade de início (quanto mais cedo, mais compromete os estudos e a formação profissional), gravidade dos sintomas, quantidade de episódios, tratamento adequado, aceitação do tratamento, apoio familiar, associação com alcoolismo ou abuso de drogas (o que praticamente impossibilita o tratamento), associação com outras doenças, características de personalidade (fragilidade, imaturidade, dependência) e problemas persistentes considerados sérios pela pessoa.

                                Como a família e os amigos podem ajudar ?

Antes de mais nada, é necessário conhecer a doença e o tratamento do transtorno bipolar do humor. Mesmo assim, cada novo episódio representa um desafio, porque se misturam problemas individuais, questões pendentes e características de cada família.

O apoio ao tratamento é fundamental para ajudar o paciente em momentos difíceis a manter os medicamentos na dose certa e no horário prescrito. Bastam alguns dias sem tomar a medicação ou tomando menos que o necessário para que entre em nova crise. Compreemj_rps sintomas não COJi!10 seu jeito de ser, mas como doença, alivia muito eJeduz o sentimento de culpa do deprimido. O doente em euforia requer' firmeza e paciência, porque o relacionamento se torna mais desgastante. Ele pode recusar as orientações da família, alegando que agora toda vez que se sentir feliz e de bem com a vida logo pensam que está em mania. A intervenção junto ao médico antes que o paciente perca a autocrítica previne conseqüências piores ou eventual internação.

• Se os medicamentos estiverem causando efeitos colaterais muito incômodos e o paciente  

    mencionar que quer parar com tudo isso, o médico deve ser informado.

  Detectar com o paciente os primeiros sinais de uma recaída; se ele considerar como

    intromissão, afirmar que é seu papel auxiliá-Io.

  Falar com o médico em caso de suspeita de idéias de suicídio e desesperança.

  Compartilhar com outros membros da família o cuidado com o paciente.

  Estabelecer algumas regras de proteção durante fases de normalidade do humor, como

    retenção de cheques e cartões de crédito em fase de mania; auxiliar a manter boa higiene de

    sono; programar atividades antecipadamente.

  Mesmo depois da melhora, há um período de adaptação e de desapon­tamento; é importante

    não exigir demais e não superproteger; auxiliá-Io a fazer algumas coisas quando necessário.

  Evitar chamar o paciente de louco ou demonstrar outros sinais de preconceito, que favorecem

    o abandono do tratamento; tratá-I o normalmente e apontar sintomas com carinho.

  Aproveitar períodos de equilíbrio para diferenciar depressão e euforia de            sentimentos

    normais de tristeza e alegria.

Como o paciente pode ajudar-se?

A pessoa mais interessada no próprio bem-estar é quem está doente. O paciente com transtorno bipolar do humor tem uma doença que costuma durar a vida toda. que se mantém sob controle com tratamento adequado. Cabe a ele o esforço de manter o tratamento: é ele quem toma os medicamentos ­ou não. Ninguém pode forçá-lo. a não ser em situações que ponham em risco a sua segurança ou a de outros. Portanto, se você é portador do transtorno bipolar:

  comprometa-se com o tratamento - discuta dúvidas com seu médico,

   eficácia dos estabilizadores do humor, intolerância a efeitos colaterais, etc.;

  mantenha uma rotina de sono; mudanças no sono ou redução do tempo total de sono podem  

   desestabilizar a doença; converse com seu médico, caso precise mudar o hábito de dormir;

  evite álcool e drogas: além de interagirem com algumas medicações, também agem no

   cérebro, aumentando o risco de desestabilização da doença; se tiver insônia ou inquietação.

   não se automedique - converse com seu médico;

• evite outras substâncias que possam causar oscilações no seu humor, como café em excesso, 

   drinques, antigripais, antialérgicos ou analgésicos - eles podem ser o estopim de novo  
   episódio  da doença;

  enfrente os sintomas sem preconceito - discuta com seu médico sobre ele;

  se não estiver podendo trabalhar, "não queime o filme" - é mais sensato tirar uma licença.

    conversar com a família ou com o patrão e permitir-se convalescer;

  lembre-se: você está bem por tomar a medicação; se parar de tomá-Ia, mesmo após cinco ou

   dez anos, os sintomas podem voltar sem prévio aviso; é preciso manter-se alerta para o

   aparecimento dos primeiros sinais, como insônia e irritabilidade;

  há indícios de que quanto mais crises da doença a pessoa tiver, mais ela continuará tendo,
   por  isso, procure participar ativamente do tratamento;

  descubra seus sintomas iniciais de nova crise depressiva ou maníaca ­

   tome nota e avise imediatamente seu médico;

• aproveite períodos de bem-estar para redescobrir como você de fato é; como são os  

   sentimentos de tristeza, alegria, disposição e como você lida com seus problemas;

  quanto mais você conhecer a doença, melhor você poderá controlar os sintomas no período

    inicial; proteja-se: evite estímulos de risco em potencial, como decisões importantes, relações

    sexuais sem preservativos, projetos ambiciosos, gastos - ponha seus planos no papel e espere

    para executá-los quando se reequilibrar; procure canalizar hiperatividade ou idéias negativas

    para atividade física ou manual; se estiver deprimido, dê-se um empurrão, pois a iniciativa

    está em baixa;

 procure e aceite ajuda da família e dos amigos quando perceber que não consegue se cuidar  

    sozinho;

• é comum querer parar o tratamento, porque vai tudo bem ou porque não está dando certo;

   procure conversar com outras pessoas com o mesmo problema, que já passaram por isso;

   lembre-se de como era seu sofrimento; discuta com a família se valeria a pena buscar uma

   segunda opinião sobre o diagnóstico e o tratamento.

Temporariamente, o paciente pode ficar inapto a tratar-se adequadamente. Nessas fases, a intervenção amiga da família é fundamental.

Há quem considere que o transtorno bipolar do humor "é como um animal selvagem em sua mente, pronto para escapar a qualquer momento" e que precisa de grades fortes para ser contido. Às vezes, a porteira se abre um pouco e ele volta a ameaçar - o importante é não deixá-lo à solta. A luta a ser travada com esse animal é longa e difícil, mas vale a pena - vale o resgate da própria vida.

Compartilhar essas lutas com outros pacientes e familiares pode servir de exemplo e motivar quem está a ponto de desistir de si mesmo. São bem vindas iniciativas como as da Abrata (Associação Brasileira de Transtornos Afetivos), que auxilia no amparo aos pacientes por meio da própria experiência com o transtorno afetivo bipolar.





















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