segunda-feira, 28 de maio de 2012

Umas palavras sobre depressão.

Frank Bramley. “A Hopeless Dawn”. Óleo sobre tela. Tate Gallery, Londres.
A depressão é reconhecida como uma doença médica desde a Antiguidade. As primeiras descrições da depressão na história remontam ao século XXV a. C., conhecidas como as máximas de Ptah-Hotep. Outros textos em hieróglifos egípcios, como atestam os papiros de Ebers e de Edwin Smith, revelam que no século XVII a.C. já se descreviam, com mais detalhes, os quadros depressivos e as formas de tratamento (então rudimentares). Os hebreus descrevem na Bíblia (salmos 31, versículos 9-12) a depressão pela qual passou o Rei David, já em sua velhice. A associação da depressão com uma doença do cérebro somente ocorreu no século V a.C., com Hipócrates de Cós, pai da medicina. Durante aproximadamente um milênio e meio as teorias sobre a depressão se mantiveram estagnadas pela influência marcante das teorias de Galeno, o grande médico romano do século I d.C. Foi só no Renascimento que os preâmbulos das teorias científicas modernas sobre a depressão tiveram seu início. No fim do século XIX, a psiquiatria alemã, então uma ciência incipiente, desenvolveu as primeiras classificações que até hoje norteiam a medicina moderna quando foram dados os primeiros passos concretos para uma visão científica da depressão.
As causas da depressão são basicamente três: a- causas orgânicas (doenças do corpo ou do cérebro), b- psicogênicas (fatores do desenvolvimento do ser humano, iniciadas na infância e adolescência) e causas sociais (ambientais, culturais, educacionais, familiares, etc.).
Para a definição do diagnóstico de depressão é preciso que se leve em conta um protocolo internacional. A Organização Mundial de Saúde (OMS), através do Código Internacional de Doenças, versão 10 (CID-10), de 1994, define a depressão da seguinte maneira: “A depressão pode ser definida como um processo que se caracteriza por lentificação dos processos psíquicos, humor depressivo e/ou irritável (associado à ansiedade e à angústia), redução da energia (desânimo, cansaço fácil), incapacidade parcial ou total de sentir alegria e/ou prazer (anedonia), desinteresse, lentificação, apatia ou agitação psicomotora, dificuldade de concentração e pensamentos de cunho negativo, com perda da capacidade de planejar o futuro e alteração do juízo de realidade”.
Para que a família ajude um membro da mesma, com diagnóstico de depressão, é preciso levá-lo o mais rapidamente possível a um médico psiquiatra qualificado para ser avaliado e, caso seja confirmado o diagnóstico, se iniciar o tratamento imediatamente. Isso evita sofrimentos desnecessários para o paciente e sua família, assim como transtornos mais importantes, como o afastamento das atividades laborais, familiares e sociais, cujo maior risco é a evolução para o suicídio, consequência final e terrível de incontáveis casos de depressão.
Para que uma pessoa possa procurar um psiquiatra, é preciso que apresente alguns sinais aparentes ou subjetivos, tais como aqueles descritos na conceituação da OMS. Cinco ou mais desses sinais, detectados durante a consulta médica, são suficientes para configurar o diagnóstico de depressão.
Uma das piores situações enfrentadas pelo deprimido é a segregação e discriminação sociais. Os transtornos psiquiátricos, de modo geral, são vistos de forma muito preconcebida pela sociedade. Alguns dos mais conhecidos desses problemas são: transtornos de ansiedade, fobias (as sociais e as específicas), obsessões e compulsões, pânico, transtorno do estresse pós-traumático, transtorno do estresse agudo (como no assédio moral e sexual que ocorre no local de trabalho), depressão, transtornos do humor, transtornos alimentares, psicoses, dependências químicas, alterações de personalidade ou do caráter, transtornos psicossexuais ou de gênero, demência e outros transtornos neuro-psiquiátricos). Podemos incluir também os transtornos psicossomáticos, tais como, asma, bronquite, gastrite, cefaléia, dores precordiais sem correlação com alterações cardiológicas e inúmeras outras doenças corporais de causas psíquicas. Esses preconceitos partem, principalmente daquela população menos esclarecida, vítima da ignorância e da cegueira de ordem cultural, religiosa, financeira ou social.
Nos últimos anos, após alguns artistas ou personalidades conhecidas da sociedade, como na literatura, na política, na religião, nas ciências, nas finanças e nas profissões liberais, terem reconhecido que são portadores de transtornos psiquiátricos, em particular, de depressão, houve alguma facilitação na procura, por parte do povo, de recursos terapêuticos especializados, em centros hospitalares, em ambulatórios ou consultórios médicos. Emblemático é o caso do cantor Roberto Carlos que, de público, confessou ser portador de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), o que levou milhares de brasileiros de todas as idades a procurar com mais naturalidade, e sem preconceitos, um psiquiatra para sua avaliação. Outro caso muito conhecido, é o do deputado Ulisses Guimarães, por sinal um grande político brasileiro, líder na Constituinte de 1988 e que teve um trágico destino, que admitiu publicamente ser portador do Transtorno Bipolar do Humor (TBH) e fazer uso contínuo do medicamento carbonato de lítio. Depois de suas declarações, de seu bravo e elogioso exemplo, muitos portadores do mesmo mal, buscaram ajuda especializada e aceitaram a prescrição de fármacos para o combate a esse mal. Tanto o TOC, como o TBH, são moléstias largamente reconhecidas, no mundo científico e nos centros clínicos ao redor do mundo, como passíveis de tratamentos adequados que propiciam substancial alívio para o sofrimento de seus portadores. O alívio desses sofrimentos é capaz de impedir maiores danos, que, são não só inúteis, como até mesmo mortais.
O esclarecimento da população através de entrevistas com especialistas, reportagens na mídia impressa, falada ou televisada, aliadas a campanhas científicas de divulgação de notícias sobre esses transtornos, capitaneadas por entidades médicas em todo o mundo, têm contribuído para que a população fique mais consciente da possibilidade de se ver livre de tais problemas, ou vê-los muito atenuados, o que inevitavelmente acarretará a melhoria na qualidade de vida do cidadão.
Um dos problemas que enfrentamos, com uma certa frequência, é a atitude de pessoas leigas que, muitas vezes, aconselham aos portadores de depressão, ou outros males, a não fazer uso das prescrições dos psiquiatras. Tal atitude, além de revelar ignorância e preconceito, é um crime passível de ser penalizado pela Lei, já que pode induzir um cidadão ao suicídio, ao assassinato e aos mais diversos delitos desencadeados por uma doença psiquiátrica.
Dentre os transtornos que hoje são muito divulgados pela imprensa, e podem estar correlacionados à depressão, estão os transtornos alimentares, como a anorexia, a bulimia e a síndrome dismórfica corporal (auto-imagem completamente deformada que pode induzir a comportamentos de risco, como a recusa a alimentar-se). Também os desvios de comportamento sexual e social podem estar intimamente vinculados aos mais diversos tipos de depressão existentes.
A melhora do quadro depressivo pode aliviar esses outros distúrbios conjugados (chamados de comorbidades) e até curá-los, caso sejam unicamente decorrentes da depressão. A insatisfação com o próprio corpo é uma doença conhecida dos psiquiatras como Transtorno Dismórfico Corporal. Trata-se de pessoas que, apesar de ter seu biótipo corporal normal, percebem-se como profundamente anormais, com graves alterações de sua própria imagem, se julgam excessivamente gordos ou com membros desproporcionalmente avantajados, cabeça, pés ou mãos muito grandes, etc. Em função disso, submetem-se a dietas extremas que podem levá-las à morte por anorexia (é o caso de jovens adolescentes do sexo feminino, portadoras de anorexia nervosa), ou de pessoas que, sucessivamente, se submetem a cirurgias plásticas sem necessidade, criando situações de risco para si. A anorexia nervosa é um dos transtornos psiquiátricos conhecidos mais letais, levando todos os anos, ao óbito de um incontável número de jovens por um problema criado em suas mentes. O tratamento de tais quadros está incluído dentro das urgências ou emergências médicas, o que requer, muitas vezes, o internamento hospitalar e intervenções clínicas em diversas especialidades médicas.
O principal tratamento da depressão é o medicamentoso. Dependendo do tipo de depressão, diversos tipos de antidepressivos estão à disposição dos especialistas para o tratamento mais adequado de seus pacientes. Em caso de TBH, ou outro distúrbio importante do humor, deve-se também lançar mão de estabilizadores do humor (do qual o mais importante é o carbonato de lítio) e certos anticonvulsivantes e até antipsicóticos de última geração, para o adequado enfrentamento do problema. Os efeitos colaterais dos medicamentos são uma consequência normal dos mesmos. Na medicina alopática não se conhece medicamento sem efeitos colaterais. Temos de nos basear na correlação custo-benefício, já que os efeitos colaterais, na maioria das vezes são temporários (ocorrem nos primeiros dias de tomada dos medicamentos) e, geralmente, são de baixa intensidade. Quando da existência de efeitos colaterais importantes, que prejudiquem muito a vida do paciente, temos a opção de troca do medicamento por outro que potencialmente traga menos efeitos adversos. O arsenal hoje disponível ao especialista é enorme e engloba todos os perfis de depressão e características biotipológicas e clínicas de cada paciente.
A psicoterapia, que siga qualquer um dos mais variados modelos teóricos de abordagem dos transtornos psíquicos, também é um instrumental valioso para o tratamento e segurança na prevenção de recaídas, tão frequentes nesses tipos de tratamentos.
A depressão tem cura, dependendo do tipo da mesma. Quando se trata de um quadro conhecido nas modernas classificações psiquiátricas como a Depressão Maior (antigamente conhecida como depressão endógena), até a terceira crise depressiva, a OMS recomenda um tratamento mínimo de um ano de duração. Isso para se evitar as conhecidas e frequentes crises de recaída. Apesar de ser um transtorno com marcadas características hereditárias (o fator genético já está devidamente comprovado com os avanços das neurociências), o tratamento é extremamente eficaz e deve ser mantido por tempo seguro para se evitar recaída. A predisposição heredo-constitucional do indivíduo pode facilitar a precipitação de novas crises. Entretanto, quando o cidadão já apresentou mais de três crises no decorrer de sua vida, ou quanto mais avançado em idade for, o tratamento recomendado pode durar vários anos. Em alguns casos, principalmente quando se trata de TBH ou Transtorno Unipolar do Humor, o tratamento pode durar por toda a vida do indivíduo, já que a possibilidade de recaídas é muito grande, em função da sua carga genética. Existem muitos outros tipos de depressão, como a distimia, ou depressão neurótica, que é um quadro depressivo leve, com muitas características hipocondríacas e com um persistente mau-humor, geralmente de evolução longa, que dura mais de dois anos ou pode acompanhar a pessoa ao longo de sua vida, e que requer um tratamento muito prolongado, exigindo muitas vezes, tratamento por anos ou décadas.
Os estudos e pesquisas sobre depressão ocorrem principalmente nos países mais desenvolvidos. Ressalte-se a participação norte-americana e britânica nas últimas décadas e que têm liderado o ranking de maiores contribuições ao conhecimento dessa patologia, seu tratamento e prevenção. Desde a década de 1980, têm sido desenvolvidas técnicas de avaliação laboratorial da depressão. Inicialmente, foram introduzidas com grande estardalhaço na comunidade científica internacional, mas, aos poucos, verificou-se sua limitação na avaliação e diagnóstico precoce, associado ao elevado número de falsos positivos ou falsos negativos. Desta forma, vários métodos apresentados caíram em desuso em função de descobertas e evidências posteriores que não corroboraram as impressões iniciais. Portanto, qualquer método novo de diagnóstico, divulgado na imprensa internacional, deve ser acompanhado dos devidos cuidados e os resultados devem ser mais bem analisados por grupos de pesquisadores de diversos países e centros universitários.
Quanto à psicoterapia, pode-se dizer que qualquer técnica é útil, depende muito da qualidade da formação do terapeuta e da motivação do cliente. Muitas vezes terapia do grupo familiar, terapia de casal, terapia do meio ambiente mais próximo do paciente (socioterapia), são indicados. Há casos em que há indicação de terapia ocupacional, arteterapia, musicoterapia, ou outra técnica baseada nos interesses ou gostos do paciente. Tem tido, nas últimas três décadas, um destaque especial a Terapia Cognitiva, dado seu tempo limitado (é conhecida como terapia breve), menor custo financeiro para o paciente, estar focada principalmente nos problemas do aqui-e-agora, isto é, na sintomatologia apresentada pelo paciente, ser uma terapia bem dinâmica, que exige o esforço e dedicação do paciente no enfrentamento de seus problemas e conflitos e na realização de tarefas de enfrentamento dos conflitos nos intervalos entre uma sessão e outra.

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